Olhar Direto

Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião

A República da Bala

Qualquer cidadão ( em pleno uso de suas faculdades mentais) que tirar apenas alguns minutos para refletir acerca dos problemas que podem decorrer da propagação de uma política de armamento em massa ou do discurso demagógico com as armas – sobretudo aqui no Brasil, que apresentou o maior número de mortes por arma de fogo no mundo nos últimos 26 anos – vai reavaliar com mais cuidado a sua opção de voto nestas eleições.     
 
Isso porque, segundo os dados da Pesquisa Global de Mortalidade por Armas de Fogo (Global Mortality from firearms, 1990 - 2016), do Instituto de métricas e avaliação em saúde (Institute for Health Metrics and Evaluation), o país soma 43.200 mortes. Conforme a pesquisa, o estudo engloba mortes decorrentes do uso de armas de fogo, sendo elas homicídios, suicídios e acidentes. O recorte temporal é de 1990 até 2016. 

De acordo com os especialistas na área, o medo e a indignação, diante do aumento da violência, são cada vez mais crescentes, pois o Brasil registrou a marca histórica de 62.517 mortes violentas intencionais em 2016 e, pela primeira vez na história, superou o patamar de 30 homicídios a cada 100 mil habitantes nos anos que se seguiram.

Porém esse drama diário de muitos brasileiros acabou se refletindo na opinião política de muitos. Não obstante, por se tratar de uma questão complexa, mas que aflige milhões de pessoas, essas ideias sem fundamentos vêm pautando a mentalidade dos brasileiros; em detrimento de entender as causas e as consequências dos reais problemas que assolam o país.    

Desta maneira, "propostas demagógicas como: "matar o máximo de bandidos, prender o máximo de pessoas nas piores condições" são vistas erroneamente como as únicas possibilidades para encerrar essa sangria que vivemos. Entretanto essas medidas são exatamente as que o Brasil vem aplicando no último período. Segundo as informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, a polícia brasileira é a que mais mata no mundo, o país registrou em 2017, 5.144 pessoas mortas por policiais, 790 a mais que em 2016. Ou seja, a polícia brasileira mata em 6 dias o mesmo que a britânica em 25 anos!

Por outro lado, em contrapartida, essa política de acreditar que o policial irá resolver o problema da segurança sozinho gera outro elemento trágico: Temos, infelizmente, a polícia que mais morre no mundo. Ou seja, segundo Ibis Silva Pereira, ex-comandante-geral da PM no Rio de Janeiro "A polícia que mais mata é também a que mais morre". 

Mas existem fatores que contribuem para o aumento da criminalidade de uma forma geral, e um deles é a baixa escolaridade dos indivíduos. Nos presídios brasileiros 68% dos indivíduos são analfabetos ou têm o ensino fundamental incompleto, enquanto esse valor na população apresenta 40%.  Ou seja, não ter instrução escolar é um fator que contribui de forma significativa para o aumento da criminalidade. isso indica que apostar em educação é uma medida central para redução da criminalidade. Outro componente importante que contribui com maiores índices de violência é a desigualdade social. Regiões mais desiguais socialmente tendem a ser mais violentas. 

Ademais, voltando ao debate inicial sobre a questão de armar a população em geral. A proposta deste artigo não é, em hipótese alguma, criminalizar a conduta do policial no seu estrito cumprimento do dever legal (em combater o crime) e absolver antecipadamente todos os assassinos, estupradores e latrocidas do país, mas desmistificar a ilusão populista e do senso comum – de que uma população fortemente armada seria um fator fundamental para reduzir os números de mortes de inocentes e vítimas. 

Em primeiro lugar, em um assalto o criminoso sempre atua como fator surpresa, tendo assim uma vantagem fundamental em relação à vítima. Ainda de acordo com as estatísticas dos institutos citados acima, 80% dos policiais que foram assassinados no Brasil não estavam em serviço. Ou seja, mesmo os profissionais preparados tecnicamente e psicologicamente (que vivenciam o conflito armado), apresentam uma desvantagem gigante ao tentar reagir ao assalto. 

Para se ter uma ideia negativa disso, o país com maior número de armas por habitantes (os EUA) não é um exemplo de segurança pública quando comparados aos países desenvolvidos. Entre as 50 cidades mais violentas do mundo (os EUA)  é o único país desenvolvido que está presente no ranking com 4 cidades: St. Louis, Baltimore, Nova Orleans e Detroit.

Agora imagina armar uma população que, de forma geral, tem um nível de escolaridade baixo como a do Brasil, sem treinamento militar adequado para tal uso facilitado de armas e somado a isso um consumo de bebidas alcoólicas altíssimo em quase todas as cidades? As estatísticas serão quase as mesmas dos motoristas que dirigem embriagados: acidentes fatais e inúmeras vidas ceifadas.

Desde a adoção do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826) no Brasil, em dezembro de 2003, mais de 20 pontos do texto original, entre artigos inteiros, parágrafos e incisos, foram alterados. Contudo, é preciso ressaltar que no país, conforme essa mesma legislação atual, a posse (doméstica ou profissional) de uma arma, nunca deixou de ser legal. A posse é permitida, desde que haja registro, com a comprovação de residência, ausência de antecedentes criminais e da aptidão psicológica e de manuseio. 

Assim, conforme a Lei vigente: "...a posse autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa". E ter 25 anos, ao menos, além de autodeclarar o motivo de querer tê-la. O cidadão, pode ter legalmente em casa até seis armas de fogo. Além disso, o porte de arma é permitido desde que quem queira se habilitar a ele demonstre "a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física".

Agora, ((portar)) a arma pelas ruas é o que os políticos populistas defendem indiscriminadamente. É andar armado em locais públicos, com a arma embalada e pronta para uso. Por exemplo, quem sabe, numa "fechada" de automóvel, numa discussão com o vizinho, por causa de umas vacas fujonas ou uma cerca rompida. Ou atirar no garoto que foi roubar umas goiabas. Ou, quem sabe, sob a influência da "marvada pinga" resolver o problema no grito e à bala.  Hipóteses essas que ninguém gostaria que, de fato, ocorressem no país.   

Isso porque mesmo para "a sempre alegada defesa da propriedade" até mesmo contra ladrões que invadem um sítio, se você está nela, o efeito da posse e do porte é o mesmo. Em ambos os casos terá de ser provada a necessidade do uso e a proporcionalidade que caracterize a legítima defesa. Ou seja, provar que se enquadrou às excludentes de ilicitudes previstas no Código Penal.  

Diante do exposto fica o alerta para os servidores da segurança pública no Brasil: quem disse que armar a população pode trazer pacificação social e evitar mais ocorrências policiais? A lógica, após a implementação do discurso fascista de alguns candidatos, aponta para outro caminho, qual seja, o aumento da violência com arma de fogo, seja no meio rural ou urbano. Portanto, mais ocorrências policiais, mais inquéritos policiais, mais processos criminais e mais gastos com a segurança pública. Ou seja, mais lenha para essa fogueira que, desta forma, nunca vai ter fim.       
 
A cultura do armamento generalizado e da banalização da violência tem sido cruel para todas classes sociais brasileiras, porém os únicos que saem ganhando com isso são os lobistas e os políticos ligados à indústria poderosa das armas. Não é à toa que as ações da fabricante de armas e munições Taurus e de outras fábricas de armas vêm se destacando entre as maiores altas na Bolsa de Valores nos últimos dias. Em um mês, as ações preferenciais dessas empresas mais que triplicaram de valor.

Contanto, políticas como educação, cultura de paz, conscientização, ressocialização, emprego e distribuição de renda, ou seja, inclusão social, ainda é o caminho mais eficiente para se reverter essa epidemia generalizada de mortes que a sociedade brasileira está sofrendo.  
 

Marcelo Ferraz é jornalista e escritor. 
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