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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião

Corrigindo um Erro Histórico - Parte III

Deixando Cáceres (06.01.1914), deixamos também o "Nyoac" ‒ não poderia ele ir além. Começamos a subir o Sepotuba [Tapir], explorado cientificamente em 1908. Rio claro, descendo do planalto para as florestas das terras baixas, só era navegável no tempo das águas. Subimos até Porto Campo, onde pousamos a 07.01.1914. (VIVEIROS)
 
A primeira Parte da Fase II da Expedição Roosevelt Rondon de Cáceres à Fazenda Porto do Campo foi feita com muito conforto em duas voadeiras percorrendo parte dos Rios Paraguai e Sepotuba.
 
A escritora Esther de Viveiros comete, mais uma vez, um deslize ao afirmar que a Expedição original abandonara a "Nyoac" para executar a empreitada, quando na verdade Roosevelt e Rondon permaneceram embarcados nela até a Fazenda Porto do Campo quando só então a trocaram pelo "Anjo da Ventura" até Tapirapuã.
 
Relato Hodierno – Cáceres a Fz Porto do Campo
 
23.10.2015 (sexta-feira) – Navegando o Paraguai
 
Partimos de Cáceres, margem esquerda do Rio Paraguai, às 15h20 em duas pequenas, mas confortáveis, voadeiras pilotadas pelo alemão e pelo Angonese, dando início à etapa mais tranquila dessa Fase da Expedição. Apesar de ser uma sexta-feira, as margens estavam tomadas por pescadores ou grupos de banhistas que aproveitavam as águas ou a sombra da vegetação para escapar da canícula.
 
Avistamos urubus, biguatingas e dois enormes e preguiçosos tuiuiús (Jabiru mycteria) pescando pequenos e inocentes lambaris sem ao menos precisar entrar n'água,. Volta e meia o alarido provocado por bandos de araras e periquitos quebrava, momentaneamente, a tranquilidade da natureza que nos envolvia.
 
Depois de navegarmos por aproximadamente 30 km, encontramos a Foz do Rio Tenente Lyra (15°55'23,6" S / 57°39'05,0" O). Deixamos, então, o Rio Paraguai para trás e adentramos no Sepotuba. A jusante da Foz atual avista-se uma segunda Foz que pode ter sido o leito do Rio anteriormente. Os Rios de planície são inconstantes e tumultuários e tem a necessidade de se redesenhar continuamente.
 
A perda da mata ciliar, a ação antrópica e o consequente assoreamento aceleram ainda mais este processo. Aportamos no nosso destino, Pesqueiro da D. Josefina (15°42'44,3" S / 57°40'01,6" O), sogra do nosso guia e piloteiro "Alemão", a 72 km de Cáceres, às 18h30. Tentamos, sem sucesso, fazer contato pelo celular com familiares e amigos e depois de um saboroso peixe assado preparado pela D. Josefina fomos dormir em nossas barracas armadas sob um tapiri.
 
24.10.2015 (sábado) – Navegando o Sepotuba
 
Partimos às 09h40 do Pesqueiro da D. Josefina e, depois de percorrer 08 km, às 10h00 aportávamos na Fazenda Porto do Campo (15°42'36,3" S / 57°42'38,4" O) de propriedade do Sr. Argeu Fogliatto. A família Fogliatto tem uma história de sucesso ligada ao melhoramento genético do gado nelore que é considerado como um dos melhores do Brasil.
 
O Sr. Argeu concedeu-nos uma entrevista, à sombra de uma mangueira que teria sido plantada, em 1914, por Theodore Roosevelt, discorrendo sobre sua trajetória de vida e sua parceria de sucesso com os índios Paresí. A história da propriedade está intimamente ligada às Expedições promovidas por Rondon e sua equipe. O Sr. Argeu mostrou-nos a figueira onde Rondon teria determinado que pendurassem o veado abatido por Roosevelt – "Penduramos o veado numa árvore" (ROOSEVELT). Difícil confirmar tal versão baseado apenas nos diários de Roosevelt e Rondon, mas o Sr. Argeu afirma que assim reza a tradição oral.
 
Posso afirmar, porém, com certeza, que, em 1912, sob a mencionada figueira, foram montadas as redes de Rondon e Roquette-Pinto:
 
No mesmo dia da partida armamos nossas redes à margem direita do Sepotuba, debaixo de uma figueira enorme, na fazenda de Porto do Campo. (ROQUETTE-PINTO).
 
As instalações da fazenda primam pelo bom gosto, limpeza e funcionalidade e a bela e centenária residência da Fazenda foi reformada e ampliada mantendo o estilo arquitetônico da época. Partimos, depois de desfrutar de um lauto almoço com a hospitaleira família Fogliatto. Encerramos nossa jornada, depois de navegar por mais de 85 km, na Ilha da Amizade (15°02'01,0" S / 57°41'56,0" O) onde, depois de nos refrescarmos nas corredeiras do Rio, jantamos e pernoitamos na varanda da residência de um amável pescador.
 
Relatos Pretéritos - Rio Tenente Lyra ou Sepotuba
 
Magalhães
 
06 a 07.01.1914: As 15h00 do dia 6, partiu o "Nyoac", Rio Paraguai acima, penetrando em seguida pelo curso do Sepotuba, e no dia seguinte às 15h45 parava junto à fazenda do Porto do Campo [...] (MAGALHÃES, 1916)
 
Roosevelt
 
06.01.1914: Após deixarmos Cáceres, subimos o Rio Sepotuba, que no dialeto dos índios da região significa "Rio das Antas". Este Rio só é navegável para navios grandes quando as águas estão altas. É de corrente rápida e belas águas claras, que desce das terras elevadas do planalto e se estende através da floresta tropical da baixada. O Rio Sepotuba nasce no Norte do estado do Mato Grosso, estando suas nascentes situadas nas escarpas da Chapada dos Paresí, que possui até 800 metros de altitude. Esta chapada é o divisor de águas entre a Bacia Amazônica e a Bacia do Paraguai. À nossa direita, ou na margem Ocidental, e a espaços na margem esquerda, a mataria é interrompida por pastagens nativas e campinas.
 
07.01.1914: Num destes locais, chamado Porto do Campo, de 60 a 70 quilômetros acima da Foz, existe uma fazenda de boa extensão. Ali fizemos alto, pois a lancha e as duas pranchas – embarcações nativas de comércio, com casa no convés – que ela rebocava, não comportavam toda a comitiva e bagagem. Assim, grande parte da bagagem e alguns do nosso grupo foram mandados à frente para Tapirapuã, ponto onde devíamos encontrar nossa tropa cargueira. (ROOSEVELT)
 
Rondon
 
05 a 07.01.1914: Prosseguindo a viagem, chega­mos, na tarde do dia 5, à cidade de B. Luiz de Cáceres, cuja população, bem como a oficialidade do 5° Batalhão de Engenharia, prestou as costumadas homenagens ao nosso hóspede. Daí saímos, na manhã seguinte, continuando a subir o Paraguai, em demanda do Porto do Campo, no Rio Sepotuba, onde chegamos depois das 15h00 de 7 de Janeiro.

O "Nyoac" não podia ir além; desembarcamos e pela primeira vez armamos as barracas formando acam­pamento para a quase totalidade do pessoal da Expedição. Permanecemos nesse acampamento até o dia 13, não só afim de dar tempo à lancha "Anjo da Ventura", propriedade da Casa Dulce, de Cáceres, para fazer o transporte de toda a carga e de parte do contingente de Porto do Campo para Tapirapuã, como também para completar a coleção de grandes mamíferos que o Sr. Roosevelt estava fazendo. (RONDON)
 
Pereira da Cunha
 
CAPITULO VI
 
06.01.1914: Cáceres deveria ser o termo da minha viagem e aí era mister deixar os bons companheiros que, tomando uma pequena lancha, tinham que subir ainda o Paraguai, e tomar o Sepotuba, quis, porém, a boa-sorte que tão cedo não fosse privado daquela companhia, e que conhecesse maior trecho navegável do Rio Paraguai e ainda o Sepotuba. De fato, não estando no porto a lancha para conduzir a Expedição, resolveu-se que o "Nyoac" subisse mais o Paraguai e penetrasse no Sepotuba, até Porto do Campo, onde Roosevelt aguardaria a lancha, caçando antas e porcos.[...]
 
O extenso Paraguai, já de há muito correndo entre terras mais altas, estreitava-se agora sempre entre renques de mato, e era bem outro o aspecto do grande alagador de pantanais, subindo sempre, encontramo-nos, à tardinha, em uma posição interessante e pitoresca, pois que com o nosso navio estávamos ao centro de uma "perfeita cruz" ([1]) formada pelas águas em que navegávamos.
 
Para quem se encontrasse pela primeira vez nesse ponto do Rio, e na intenção de continuar a subi-lo, difícil seria a sua orientação, pois que, como tudo indica, o natural seria seguir para frente, tomando como afluentes os dois Rios que aí vêm desembocar de um e outro lado.

Mas enganosa, quão aparentemente certa, seria tal solução, visto como a cruz é assim formada: a parte inferior, pelo trecho do Paraguai já por nós navegado, o braço direito, pelo próprio Paraguai que aí defleta em ângulo reto, a parte superior, pela entrada de uma "baía" [grande Lago ou Sacado]; e o braço esquerdo, pelo Sepotuba. Entramos pelo Sepotuba, e logo foi a nossa primeira observação a limpidez de suas águas, e a sua forte correnteza que a custo era vencida pelo pequeno"Nyoac", estávamos na "poaía", como lá se diz, e que exprime estar nas regiões das matas ricas em ipecacuanha ([2]), como são as das terras que margeiam o belo Rio que agora navegávamos, correndo em asseado leito de pedras, entre margens bem altas e cobertas de forte orla de mato.

A noite clara e enluarada permitia ver o soberbo panorama, e a magia do astro de luz suave, tocando como sempre almas e corações, recrudescia a saudade daqueles que de nós distavam, e fazia-nos pensar nestes que de nós distariam, dentro em breve, na ousada empresa em que não nos era dado também aventurar.
 
07.01.1914: a manhã de 7 encontrou-nos em Porto do Campo e, logo cedo e bem atracado que foi o "Nyoac", começou a descarga de tudo quanto pertencia à Expedição, enquanto a turma de soldados, em terra e dirigida pelo infatigável Capitão Amílcar, estabelecia o primeiro abarracamento. [...] Assim terminava a nossa conversa daquela noite, enquanto, no acampamento, eram dadas as providências para a primeira caçada de anta, a realizar-se na manhã seguinte.
 
08.01.1914: nessa manhã de 8 de janeiro, depois de sermos fotografados, das sentidas despedidas, e de ter Roosevelt, com alguns companheiros embarcado para a caçada, despedi-me dos que não tomavam parte em tal caçada, embarquei por meu turno no "Nyoac", e, com um prolongado adeus aos que ficavam em terra, e, depois, aos que ainda vimos nas canoas, deixamos, cheios de saudades, Porto do Campo e os bons companheiros, sentindo, com amargor e tristeza, não poder compartilhar-lhes a sorte na bela e arriscada exploração através do Brasil. (CUNHA)
 
Vídeos:
 
Rio Roosevel - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon (2014)
 
# Expedição Centenária R-R - I Parte - Rio Roosevelt
https://www.youtube.com/watch?v=tYkH5YO38IQ
 
# Expedição Centenária R-R - II Parte - Rio Roosevelt
https://www.youtube.com/watch?v=OQcTRq9sYnY
 
Cáceres – Vilhena - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon (2015)
 
# Expedição Centenária R-R - I Parte - Fase I (Nautica)
https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA
 
# Expedição Centenária R-R - II Parte - Fase I (Cavalgada)
https://www.youtube.com/watch?v=rECpPlEurDI
 
# Expedição Centenária R-R - II Parte - Fase II (Cavalgada)
https://www.youtube.com/watch?v=wxA1AJchYFM
 
# Expedição Centenária R-R - II Parte - Fase III (Cavalgada)
https://www.youtube.com/watch?v=UVy9A316bu0
 
# Expedição Centenária R-R - III Parte - Fase I (Marcha)
https://www.youtube.com/watch?v=2Xhy-72X328
 
# Expedição Centenária R-R - III Parte - Fase II (Marcha)
https://youtu.be/3bt42u-sGtA
 
Fontes:
 
CUNHA, Comandante Heitor Xavier Pereira da. Viagens e Caçadas em Mato Grosso: Três Semanas em Companhia de Th. Roosevelt – Brasil – Rio de Janeiro – Livraria Francisco Alves, 1922.
 
MAGALHÃES, Amílcar A. Botelho de. Anexo n° 5 –Relatório Apresentado ao Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon – Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro – , 1916
 
RONDON, Cândido Mariano da Silva. Conferências Realizadas nos dias 5, 7 e 9 de Outubro de 1915 pelo Sr. Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon no Teatro Phenix do Rio de Janeiro Sobre os Trabalhos da Expedição Roosevelt-Rondon e da Comissão Telegráfica‒ Brasil ‒ Rio de Tipografia do Jornal do Comércio, de Rodrigues & C., 1916.
 
ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.
 
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Livraria São José, 1958.
 
 
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989) ,Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).E-mail: hiramrsilva@gmail.com Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br

 
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