Olhar Direto

Terça-feira, 23 de abril de 2024

Opinião

Vale a pena ver de novo?

Em uma certa casa, em um certo bairro, de uma certa cidade, de um país que você já conhece, morava um cidadão. Um dia, bateu na porta da casa desse cidadão um moço. O moço pediu para entrar pois queria conversar com o cidadão e fazer um pedido a ele. O cidadão deixou o moço, de aparência simples e humilde, entrar.

O moço então disse ao cidadão que queria realizar umas melhorias no bairro, principalmente na rua onde moravam, pois estava muito esburacado e sujo. Disse também que gostaria de construir uma praça e uma quadra poliesportiva no bairro, além de melhorar a iluminação pública e as calçadas. Para tanto, precisaria do apoio do cidadão. O cidadão achou as propostas interessantes e deu todo apoio ao moço. O moço disse que estava fazendo uma vaquinha com todos os moradores e contava com a colaboração do cidadão. O cidadão colaborou e o moço saiu.  Após o moço sair, o cidadão notou que faltavam em sua casa umas caixas de suco e uns pacotes de arroz e feijão. Mas não ligou.

Bem, o moço sumiu e o cidadão não teve notícias dele. Porém a sua rua continuava suja e esburacada e não se construiu praça alguma ali. As calçadas e a iluminação públicas também continuavam uma lástima.

Dois anos depois o moço apareceu novamente na casa do cidadão, dizendo que contava com ele para sua campanha para arrumar o bairro. Dessa vez o moço estava um pouco mais bem vestido e com uma cara um pouco menos humilde. Disse que queria arrumar a rua esburacada e construir um complexo poliesportivo no bairro, além de um posto de saúde e uma base da polícia. O cidadão achou boas as ideias e, mesmo lembrando que o moço tinha sumido nos últimos dois anos, resolveu colaborar. O moço saiu e o cidadão notou que havia sumido de sua casa uma pequena TV, um aparelho de som, um micro-ondas e uns materiais de limpeza. Ficou um pouco preocupado, mas não ligou.

Passou-se um ano e o cidadão viu o moço sendo preso por formação de quadrilha e estelionato, mas logo depois o moço foi solto e ia responder ao processo em liberdade. E no ano seguinte o moço apareceu na casa do cidadão, vestindo um terno Armani e guiando um carro importado de última geração. O cidadão estranhou que o moço só aparecesse em sua casa de 2 em 2 anos e sempre pedindo colaboração. Mas não ligou para isso.

Dessa vez o moço entrou na sua casa com toda pompa e majestade e com uma pequena comitiva. Pediu novamente a colaboração do cidadão dizendo que tinha um projeto de arrumar as ruas do bairro (o moço não morava mais na mesma rua do cidadão, pois tinha se mudado para uma mansão na avenida do bairro), construir um hospital por ali e uma escola de tempo integral. O cidadão, por curiosidade, perguntou ao moço qual plano de saúde ele usava e que escola seus filhos frequentavam, o moço ficou um pouco sem graça e desconversou. Disse também que no ano que passou ele foi perseguido injustamente e armaram uma cilada para ele ir preso. Mas como vivemos em um Estado Democrático de Direito, ele se livrou da "perseguição". Mais uma vez o cidadão resolveu colaborar e quando a comitiva saiu, percebeu que não tinha nenhuma TV em sua casa, nem a máquina de lavar e tampouco o fogão. Tudo havia sumido misteriosamente. Nos dois anos seguintes o cidadão não ouviu falar mais do moço, exceto por alguns escândalos de corrupção e uns vídeos recebendo propina (que o moço, pela TV, tratou de dizer que era tudo armação para manchar sua imagem). Entretanto, as ruas continuavam esburacadas, não havia escolas, nem praças e nem hospitais no bairro e todas as casas da rua já haviam sido assaltadas. As calçadas e a iluminação continuavam uma lástima.

Passados mais dois anos e o cidadão esperou o moço vir até sua casa, mas dessa vez o moço não veio pessoalmente. O cidadão, que não tinha mais TV, ouvia pelo rádio os pedidos de colaboração do moço num programa chamado "Horário da Colaboração Gratuito". Dessa vez ouviu o moço prometer consertar as ruas de toda a cidade, melhorar a saúde, melhorar a segurança e oferecer escolas públicas de qualidade (muito embora o cidadão tenha ouvido falar que o moço quando ficava doente ia se tratar lá no exterior, que andava com 4 seguranças armados e os filhos estavam matriculados na melhor escola particular da cidade. Será que é isso que ele ia fazer? Mandar todos os doentes para o exterior, contratar segurança particular para todo mundo e mandar as escolas privadas anexarem as escolas públicas?). O cidadão achou boas essas ideias. E mesmo com o moço já sendo preso várias vezes, se metendo em vários casos de estelionato na cidade e já condenado 3 vezes por corrupção, resolveu colaborar com o ele. Quando o cidadão desligou o rádio, percebeu que havia sumido de sua casa a sua saúde, parte do seu poder de compra e quase toda sua dignidade. E o bairro havia decaído tanto, tamanho o abandono, que tinha virado uma favela.

Dois anos depois, o cidadão, já debilitado e depenado em toda sua autoestima e dignidade, havia ganho, como doação dos vizinhos, uma velha TV de tubo. E quando a ligou, lá estava passando o "Horário da Colaboração Gratuito" e quem estava lá de novo? Sim, o moço. O cidadão achou novamente estranho esse moço só aparecer de 2 em 2 anos e nesse intervalo ficar praticamente inacessível para todos os cidadãos.

Achou estranho também ele se meter em tantos casos de corrupção, ser preso, condenado em vários crimes e ainda aparecer na televisão como se nada tivesse acontecido. Ficou mais espantado ainda com a quantidade de gente que ainda o apoiava. O cidadão refletiu sobre o que havia de errado com ele e com todos os cidadãos ao seu redor, mas não conseguiu achar resposta. Ouviu, de novo, as promessas do moço, que prometia melhorar a infraestrutura do país, criar 10 milhões de empregos, construir 100 hospitais, dobrar a aposentadoria, diminuir a idade mínima para se aposentar e dar duas passagens por ano para o exterior para cada pessoa. O cidadão novamente foi enfeitiçado por aquelas palavras e, novamente, colaborou com o moço, muito embora sua cidade (a dele e do moço) ostentasse os piores índices de criminalidade, escolaridade e de desemprego.

Dessa vez, quando desligou a TV de tubo, perdeu tudo. Foi-se embora o resto de dignidade que tinha, sua cidadania, sua esperança e a sua vida, pois estava doente já algum tempo e sua cirurgia estava marcada para dali 2 anos. Além disso, os remédios que recebia do Sistema foram suspensos por fraude na licitação. No dia anterior, tentou ir ao gabinete do moço para pedir alguma ajuda para sua saúde, mas de lá foi enxotado como se fosse um cachorro sarnento. Fim da história. Fim mesmo?
           
           
Eustáquio Rodrigues Filho é Cristão, Servidor Público e Escritor. Autor do livro "Um instante para sempre". Instagram: @eustaquiojrf.
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