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Terça-feira, 16 de abril de 2024

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A Jornada do Herói: como “Gravidade” revolucionou e mostrou a gravidade da situação em Hollywood

Arquivo Pessoal

Das formas de comunicação e propagação de informação, poucas são tão complexas e tão sutis quanto o Cinema. Criado em 1895 na França, o cinema é uma das artes mais recentes e com diversas vertentes difundidas, criadas e destruídas ao longo de seus 118 anos. Do cinema mudo ao 3D em Alta definição, muitos nomes existiram e muita história foi contada, influenciando de forma direta ou indireta o viver em sociedade.

Criado inicialmente com o intuito de retratar o dia-a-dia da população, e logo em seguida devido a percepção do seu poder de envio de informação, transformado em veículo de propaganda política, muitos são os propósitos que delegaram ao cinema devido a sua abrangência, e muitas foram as regras e convenções que surgiram para o fazer cinema, uma das mais recorrentes é a Jornada do Herói.

Identificada e separada em 12 passos por Joseph Campbell em seu livro “O herói de Mil Faces” (Cutrix/Pensamento), “A Jornada do Herói” baseia-se em uma série de características recorrentes às narrativas ficcionais dispostas numa determinada ordem onde constituem uma jornada de transformação e resolução no personagem principal, que segundo Campbell é compreendida pela facilidade com que o espectador assimila a informação disposta desta maneira.

Em seu livro Campbell define a primeira etapa como a apresentação do mundo comum do protagonista, em seguida o acontecimento extraordinário que o convoca para fora de sua zona de conforto, a recusa do protagonista frente à mudança, o encontro com o seu mentor, ou aquele que vai auxiliar no processo de aceitação desta mudança, e diversos outros passos que remontam a estrutura mais utilizada em histórias ficcionais.

Para os olhos mais aguçados, esta estrutura é facilmente reconhecida nos filmes, e o desafio dos roteiristas e cineastas está em tornar essa estrutura imperceptível a ponto de não entregar o filme, ou alterá-la de maneira a reinventar essa estrutura. Diferente de filmes de aventura como a saga do bruxo Harry Potter ou até mesmo épicos espaciais como Jornada nas Estrelas que se beneficiam com essa estrutura devido à fácil assimilação do público, outros filmes de outros gêneros tendem a perder com a linearidade desta estrutura.

Superproduções, geralmente voltadas para o grande público exatamente para fazer valer o alto custo de produção, costumam aliar-se a essa estrutura de fácil assimilação para conquistar o maior número de espectadores possível, e poucos desse gênero tendem a triunfar quando fogem deste padrão. O Filme “Watchmen(2009)” de Zack Snyder foi extremamente criticado pelo grande público que não compreendeu o filme e o achou confuso e enfadonho, exatamente por este apegar-se a uma forma estrutural diferente de outras obras baseadas em quadrinhos, voltadas para o público jovem de 18 a 25 anos.

Diferente e revolucionário, “Gravidade (2013)” de Alfonso Cuarón, diretor mexicano conhecido por “E sua Mãe Também”, “Filhos da Esperança” e o terceiro filme da Franquia de Harry Potter, trás uma nova estrutura para a já conhecida jornada do herói. Narrando a história de Ryan Stone (Sandra Bullock – Um Sonho Possível, Crash), uma engenheira médica selecionada para instalar seu novo sistema em um satélite em órbita na terra, que se vê à deriva no espaço após um acidente com lixo espacial. Sozinha, ela precisa reencontrar seu caminho de volta a terra antes que seja tarde demais.



A premissa, que a princípio parece simples e linear, esconde em sua estrutura toda a jornada do herói e seus passos, entregues de forma sutil em suas imagens extremamente significativas. Stone aparentemente não tem a vida que desejava na terra, e não vê motivos para lutar e seguir em frente, ela precisa, assim como o herói da estrutura, sair de seu mundo comum devido a um evento extraordinário e através de um mentor, o astronauta Matt Kowalski (Gerge Clooney – Tudo pelo Poder, Conduta de Risco), aprender a confrontar seus medos e encontrar novamente forças para viver.



Com uma trama simples, sem passar pelos estágios de forma linear e aparente, Cuarón criou um roteiro recheado de representações imagéticas que definem a passagem de atos de sua heroína de forma sutil, sem entregar como as demais obras do gênero o tom de seus atos, o diretor optou por definir por imagens simbólicas as 12 passagens de forma quase imperceptíveis. Em determinado momento do filme, quando é vista despida de seu aparato espacial pela primeira vez, esta parece flutuar em posição fetal em um útero espacial, renascendo como sobrevivente em sua primeira etapa de aceitação. Uma imagem singular criada através do mais sofisticado sistema de captação de movimento e computação gráfica, e que computação! Gravado inteiramente em estúdio com telas de projeção e o famoso Chroma key, “Gravidade” entrega uma viagem espacial completa, com direito à contemplação da terra, do pôr do sol, do breu do espaço e toda a turbulência incluída, com a ajuda da trilha sonora e a mixagem de som que dosam os barulhos para contribuir na experiência silenciosa que seria flutuar no espaço.



Com efeitos especiais de ponta, “Gravidade” não seria possível sem eles, e a simbologia das imagens criadas pelo diretor, a jornada e seus 12 passos foram condensados em cenas de contemplação e silêncio, revolucionando sua estruturação, e exigindo do espectador de superproduções, os tão falados blockbusters, um pouco mais de atenção às telas. Mas como toda nova ideia demora um pouco para ser assimilada, muitos ainda torceram o nariz e depreciaram a obra, a chamando de enfadonha e pretensiosa, mas convenceu a crítica que um blockbuster merecia concorrer a outros prêmios além de “Melhores Efeitos Especiais”.

Aos estudiosos e amantes da arte, fica o anúncio claro de que novas formas de se contar histórias ainda são possíveis, e devido a sua singularidade em meio às grandes produções, “Gravidade” mostra a necessidade de Hollywood de renovar e transformar suas superproduções. Filmes como “Homem de Aço”, “Além da Escuridão” e “Thor: Mundo Sombrio”, grandes produções que abocanharam grandes números nas bilheterias, mas continuam a manter o cinema numa estrutura simplória e pouco imaginativa, podem sim ir além e inovar ao contar suas histórias, pois o espectador – “Gravidade” chegou a ficar 13 semanas consecutivas em alguns cinemas – está pronto para ser levado aos céus.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.

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