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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Coluna Seja Breve fala sobre como conviver com desenhos

Se tem uma coisa que faço questão de ignorar são as pautas. Aprendi a escrever em caderno sem pauta, indo invariavelmente pra cima ou para baixo com minhas frases, “subindo ou descendo a ladeira”, como minha professora costumava dizer. Depois que as coisas se tornaram mais planas e minha escrita me obedecia, as pautas se tornaram insuportáveis. Era importante – muitíssimo – conviver com um “em branco” antes de escrever ou desenhar e as pautas estavam lá! Mas que audácia. Muito despretensiosas em suas cores claras “quase invisíveis” que fazem com que a gente seja obrigado a assinar um contrato de cegueira atencional ou sei lá o que: “faz de conta que eu não estou aqui”, elas dizem, “mas escreva como eu mando”. Péssimos conselhos.

Em matéria de cadernos e folhas apenas uma coisa mais terrível que as pautas: as margens com desenhos repetitivos. Não consigo suportar esses desenhos que se repetem e se repetem e se repetem todos os dias, apesar de saber que eles têm seu lugar, mas que saco! Não é todo dia que eu quero ver um ursinho que toma chá com seus amigos, ou o mesmo ramo de jasmim para uma página com escritos de química ou literatura! Acho tudo isso um desleixo. Literatura e química pedem convivências distintas.

Hélio e Jacy, Jacy e Hélio. Sua importância.



Hélio e Jacy eram duas aranhas convivas das páginas do Pasquim. Não sei quem foi o autor desses dois, (se alguém souber!, me escreva), já ouvi falar que foi o Jaguar, já ouvi que foi Henfil, não importa muito agora. O que interessa é a possibilidade maravilhosa que são essas aranhas: desenhos participam ativamente de uma página, não como margem, nem como ilustração, mas quase como comentadores especiais. “Um iogurtezinho agora não pegava mal, Hélio”, ao que ele responde: “Caluda, Jacy, Caluda...”

Tomei emprestado de uma amiga seus desenhos. Milena Cabral, para mim, tem desenhos Hélio&Jacy, simples, sagazes. Comentam suas anotações das aulas de Marketing como ninguém: “cu!”. São seus “ícones de resistência mental”, palavras dela. Podemos aplaudir pequenas masterspieces? Eu digo sim!

Agora é a vez de Celso Vieira, que me emprestou suas anotações de um seminário recheadas. Eu as conheço bem, encontro esses personagens em todos os papéis descartados da minha casa, quando ele vem por aqui. Desenha silenciosamente, despretensiosamente, transformando com seus desenhos as contas telefônicas e listas de compras. Pode desenhar só por gostar? Opa! Mais ou menos assim, Ligea Hoki, ilustrou a Ilíada (!), em papéis de cor salmão, só porque quis. E o Cientista Paulo Marques de Oliveira, “astrofísico teólogo prefulgenciado” escreveu seu “livro didático: para todas as gerações... e outras mais...”. Escreveu e desenhou, para explicar, por exemplo, “como tratá do gado e do pásto: e o carrapato” ou “como fáz a caxaça da vida”. Seu livro foi publicado fac-símile pela Benvinda Editora.



Um amigo uma vez perguntou “por que desenha?” e eu respondi assim: “Eu desenho primeiro porque sempre me senti à vontade desenhando, era “meu mundo”, onde tudo o que eu queria que existisse, existia. Depois disso, passei a ter um senso de responsabilidade com as imagens do mundo que eu compartilho e minha contribuição com ele. Eu desenho, me visto, pinto paredes, compro copos com a mesma responsabilidade. Mas ainda há, no desenho, o mundo que eu faço como bem entender. É uma potência e uma virtude, desenhar. Acho que é isso.”

*"Seja Breve" é a coluna semanal sobre arte de Leíner Hoki, 22 anos, cuiabana. Atualmente cursa belas artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.


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