Olhar Conceito

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Colunas

Vinte cinco metros de tecido...

Arquivo Pessoal

Fui uma mulher muito vaidosa até os 45 anos, absolutamente exigente com meu corpo e aparência. Malhava duro cinco dias da semana, fazia drenagem três vezes, alimentação com disciplina militar, sem contar as toneladas de creme depositadas em meu banheiro, cada um para uma área específica do corpo.
Máscaras para rosto e cabelo eram incontáveis. Minha funcionária da época tinha um trabalhão para manter aquele arsenal minimamente organizado.

Com a chegada dos 46, ventos vindos de uma direção até então desconhecida me atingiram, passei a sentir uma ligeira indisposição em manter todo aquele esforço em busca do corpo ideal. A rotina já estabelecida foi preservada, mas sem o mesmo tesão. Entre minha casa e a academia desejos de fazer outras coisas se tornaram recorrentes, porém, a culpa e o medo de perder os resultados de anos de ralação me assombravam.

Aos poucos comecei a invejar as mulheres de 85 anos, como elas deveriam ser felizes, não tinham mais a obrigação de serem gostosas, durinhas, de ter pele de pêssego, cabelos longos e brilhantes . A liberdade que mulheres dessa faixa etária têm me seduzia.
Se houvesse uma máquina que pudesse me transportar para o futuro eu iria com todo prazer e pediria que me desembarcasse na estação dos 80.

A ciência avançou, não a este ponto infelizmente, mas me desobriguei a ser a mulher que vinha sendo.
Passei a eliminar da minha vida tudo que pudesse dividir meu tempo com o que naquele momento era mais importante para mim, ao mesmo tempo me autorizei a comer o que tinha vontade. Abandonei a academia, dei férias para a drenagem, distribui os potes de creme e maquiagem aos mais próximos. Cortei o cabelo no toco e só não raspei a cabeça porque minha filha ao saber do meu desejo arregalou os olhos cheios de lágrimas e disse: “mãe, não faça isso, eu não estou pronta pra te ver careca”! Por amor a ela não levei a ideia adiante.

O bonde não parou ai, ele deslizou em direção ao meu guarda roupa, sapateira, gavetas de acessórios. Pensar no que iria vestir passou a me incomodar, pensar em fazer combinações me dava uma preguiça danada e a partir deste mais novo incômodo a possibilidade de usar uniforme me encantou.

Me lembrei de uma calça saruel que amava, ela era confortável, me dava mobilidade, poderia usar de dia, de noite, enfim...

Como estava decidida a não me enfadar mais com questões do gênero, não pensei duas vezes, fui até uma casa no Porto, que vende malhas por quilo, elegi a cor fendi como a minha cor e mandei cortar 25 metros do tecido. Sai de lá e, em poucos minutos, estava eu, minha calça saruel , uma blusa bem soltinha, que fazia parte das preferidas, e mais 25 metros de tecido na porta da casa de uma costureira.
O pedido foi: faça quantas calças e blusas que puder iguais a estas, daqui uma semana venho buscar.

Que alegria senti quando o telefone tocou e do outro lado da linha uma voz me informou que a encomenda estava pronta. Que alívio foi no dia seguinte quando cancelei meus compromissos para fazer um limpa nos meus armários. Tirei tudo, absolutamente tudo e separei nas seguintes categorias: doação e quem sabe um dia.

A categoria quem sabe um dia coube em uma mala, juntamente com os acessórios. Sapatos e bolsas ficaram somente aqueles que eu pudesse usar com minha nova veste. Separei um relógio, um brinco pequeno, um anel.

Meus filhos ficaram muito inquietos com essa nova mãe, insistiram para que eu fosse ao psiquiatra e para deixá-los mais calmos, lá fomos nós pra consulta. Não me deixaram entrar sozinha, fui escoltada por ambos. Depois de uma hora e meia, estava tudo conversado e o diagnóstico os pacificou.

Foram cinco meses de desapego e ousadia, muita coisa aflorou dentro de mim, pensamentos e sentimentos até então desconhecidos. A opção de não ter opção em determinados casos não é ruim, descomprometer-se de estar sempre vestida de acordo com os padrões pelo quais fomos educados e condicionados é um alívio, não ter que ocupar-se com o cabelo é abrir as algemas, desapegar-se da maquiagem diária, seus olhos ficam mais evidentes e faz com que você desenvolva um relação mais próxima com sua essência. Afinal, eles retratam o que vai em sua alma, aposentar os saltos faz você enxergar o mundo de uma outra altura e neste baixo relevo existe muita paisagem interessante, não precisar ser a mulher gostosa, a fêmea sedutora, abre espaço para você ser a mulher simplesmente, e simplicidade é a riqueza do mundo.

Foi um período rico e libertário, até o dia que ao passar o filtro solar pela manhã...

Semana que vem essa conversa continua...

*Isolda Risso é pedagoga por formação, coach, cronista, retratista do cotidiano, empresária, mãe, aprendiz da vida, viajante no tempo, um Ser em permanente evolução. Uma de suas fontes prediletas é a Arte. Desde muito cedo Isolda busca nos livros e na Filosofia um meio de entender a si, como forma de poder sentir-se mais à vontade na própria pele. Ela acredita que o Ser humano traz amarras milenares nas células e só por meio do conhecimento, iniciando pelo autoconhecimento, é possível transformar as amarras em andorinhas libertadoras.

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