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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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8 de março

"Ser mulher é ser massacrada todos os dias pela sociedade": o relato de uma mulher trans

Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto

Rahaely Luz em sua casa em Cuiabá

Rahaely Luz em sua casa em Cuiabá

Raphaely Luz tentou suicídio duas vezes. Há cerca de 15 anos não fala com o pai, e nem com parte de sua família que era militar. Só em Cuiabá, já sofreu duas tentativas de estupro e quase apanhou duas vezes – uma delas, de um grupo religioso. Quando sai na rua, ouve desde cantadas até xingamentos, e hoje em dia acredita que a hipersexualização da mulher trans aproxima sua luta à do feminismo negro, mas enquanto mulher trans afirma que é preciso destruir o inimigo em comum: o patriarcado.

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Ela percebeu cedo que algo em si era diferente. “Pelas histórias que minha família conta, desde pequena eu não desenvolvia os papeis sociais de um homem”, conta. Durante certo tempo, chegou a pensar que era gay, e até mesmo a frequentar os ambientes que os homossexuais iam: “Mas eu percebi que não cabia ali, que eu não me interessava por homens gays, só por héteros”. Foi só depois de sair de casa e encontrar um psicólogo que ela entendeu mais sobre transexualidade e começou sua hormonoterapia.

Neste meio tempo, se revelou para sua família: “A atitude do meu pai foi simplesmente de correr para o banheiro, e eu nunca mais o vi”, contou. “Minha mãe estava passando por um momento difícil de separação, então também foi complicado para ela”. As duas ficaram certo tempo sem se falar, mas se reconciliaram depois.

Depois que entendeu que era mulher, Raphaely passou a sentir na pele o machismo e a transfobia, juntos, em forma de violência e preconceito: “Além do machismo, a questão da objetificação da mulher trans, porque somos sempre vistas como prostitutas, então somos tratadas como uma. As mulheres trans são vistas como objeto de satisfação do prazer dos homens, simplesmente”. Por este problema, ela entende que sua luta se aproxima mais do feminismo negro do que do feminismo das mulheres brancas, cis e heterossexuais. “As mulheres negras também são hipersexualizadas. São aquelas boas de cama, que servem pra comer, mas não pra casar. Assim como a mulher trans, que é aquela que o homem come escondido”.



Ela não acredita que para a luta seja preciso dividir as mulheres. No entanto, vem sentindo na pele também a exclusão das ‘feministas radicais’, que acreditam no determinismo biológico (ter útero e vagina) como definição de mulher: “E essa definição delas se aproxima muito ao discurso fundamentalista. Eu sempre rebato dizendo que existem mulheres que são lésbicas e mulheres que não querem se reproduzir, então esse argumento delas de que as mulheres são mulheres por causa do sistema reprodutor não vale”, afirma.

“Eu acredito que as pautas do feminismo e do transfeminismo são as mesmas em alguns pontos. Por exemplo, quando as mulheres lutam pela legalização do aborto com o argumento de que elas podem fazer o que quiserem com o próprio corpo, eu também posso trazer essa pauta pra mim, e dizer que eu posso fazer o que quiser com meu corpo, porque ‘meu corpo minhas regras’. Por outro lado, enquanto elas lutam para quebrar esteriótipos e sair dos papeis sociais que são impostos para a mulher, como o de dona de casa, nós mulheres trans temos ocupados estes papeis só para sermos aceitas”, explica Raphaely. Para ela, ter que ocupar este papel não é um prêmio, e sim mais uma forma que a sociedade machista tem de enquadrar a mulher em um papel. 

No dia da mulher, ela lembra que, apesar das pautas diferentes, o inimigo é o mesmo: “Eu sofro com a violência e com o machismo desde sempre. Desde que, com doze anos, meu pai me levou num puteiro e pediu pra puta praticamente me estuprar. Qualquer mulher hoje em dia sabe que a partir do momento em que ela sai de casa ela começa a sofrer seja com piadinhas, com cantadas, com a desigualdade. Temos que enfrentar, diariamente, uma sociedade que nos massacra. Eu sofro violência, assim como as mulheres cis também sofrem, e não tem uma que sofre mais ou menos, é tudo violência”, finaliza.
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