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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Quem são e como fazem as pessoas que vivem sem dinheiro

Foto: Reprodução

Quem são e como fazem as pessoas que vivem sem dinheiro
Acordar ao toque do despertador, tomar café o mais rápido possível para não se atrasar, passar boas horas trabalhando até chegar em casa cansado, tendo pouco tempo para se dedicar àquilo que te satisfaz. Tudo isso dia após dia, em troca de uma quantia em dinheiro que torne possível pagar as contas e comprar coisas em troca de felicidade.

Essa rotina massacrante pode manter a roda a economia girando, mas o desgaste psicológico de milhões de pessoas é um efeito colateral que não pode ser ignorado (falamos aqui de como isso tem afetado os mais jovens). Não é à toa que vão pipocando casos de pessoas que decidiram largar tudo e radicalizar, apostando em uma vida à parte do dinheiro.

Aqui no Hypeness já publicamos alguns casos de gente que passou um tempo sem a moeda, como o da alemã Greta Taubert, que ficou um ano sem comprar nada e escreveu um livro sobre a experiência. Ou o do casal brasileiro Natale Pellegatti e Mariélli Pahim, que viaja sem por a mão no bolso. Tem também o casal australiano Rachel Newby e Liam Culbertson, que decidiu passar um ano gastando (quase) zero.

Mas como fazem aqueles que abrem mão do dinheiro por tempo indeterminado?

Heidemarie Schwermer

Heidemarie Schwermer nasceu na antiga Prússia Oriental, em 1942, mas sua família se refugiou na Alemanha quando ela ainda era bebê, por causa da II Guerra Mundial.

Heidemarie trabalhou por quase 20 anos como professora, depois se dedicou à psicoterapia, até que, em 1994, fundou o primeiro grande projeto de troca de objetos da Alemanha.

Dois anos depois, aos 54, Heidemarie se divorciou de seu marido e, com suas filhas já adultas, vendeu seu apartamento, doou seus bens e saiu por aí com uma mala com algumas roupas para experimentar a vida sem dinheiro. Após algum tempo de adaptação, ela percebeu que poderia fazer aquilo por mais tempo do que esperava.

Ela passou a viver como nômade, conhecendo novas pessoas e dormindo em casas de antigos e novos amigos por algumas noites. Em troca de cama e comida, ela oferece serviços de jardinagem, limpeza e até sessões de terapia. A vida à base de trocas inclui também cuidar de crianças por um corte de cabelo, por exemplo.

Heidemarie diz não se preocupar com o futuro, nem mesmo com onde vai dormir na semana seguinte, pois sabe que as coisas sempre vão se ajeitar. Afinal, já são quase 20 anos vivendo assim. Além de rodar a Alemanha, ela frequentemente passa por Áustria, Suíça e Itália, dando palestras sobre sua experiência para mostrar que é possível viver sem dinheiro.

Schwermer publicou um livro sobre sua nova vida, e, em 2009, produtores criaram um filme sobre a alemã. Confira o trailer:


Mark Boyle

O irlandês Mark Boyle é uma referência mundial no assunto. Ele decidiu ficar um ano sem dinheiro, mas gostou tanto da experiência que adotou o estilo por mais tempo. De 2008 a 2011 ele abdicou do sistema monetário, e só voltou para tocar projetos que ajudassem as pessoas a diminuir sua dependência em relação à grana.

Mark passou seis anos de sua vida estudando economia, e, quando estava prestes a se formar, um filme sobre Gandhi o motivou a ser “a mudança que ele queria ver no mundo”. O economista recém-formado trabalhou administrando empresas que produziam comida orgânica, mas, em uma conversa com um amigo, concluiu que aquilo não era suficiente. Era preciso deixar de focar nos sintomas e ir direto à causa dos problemas.

Então Mark arranjou um trailer no Freecycle, um projeto em que pessoas doam objetos que não usam mais. O próximo passo seria achar um lugar para colocar sua nova casa. O irlandês trocou o espaço por trabalho voluntário numa fazenda orgânica. O desafio então seria tornar o trailer autossustentável.

Mark transformou um botijão de gás em um equipamento que queimava madeira, garantindo o aquecimento do lar. Aprendeu a fazer um forno com formas usadas, o que o preocupou por ter de cozinhar sempre ao ar livre, sujeito à chuva, ao vento e à neve.

Mas preparar as refeições vendo a lua aparecer ou o sol se pondo acabou sendo uma ótima experiência. Sem falar nos passarinhos que faziam a trilha sonora. Nada mal, não é?

A última compra de Mark antes de começar a aventura foi um painel para captar energia solar. Ele tinha uma lâmpada, um celular para receber ligações e um notebook.

E o banheiro? Mark criou um usando pallets descartados por uma loja e o bom e velho buraco no chão. Banho? No rio ou em um chuveiro aquecido graças ao sol. Ele raramente usava sabonete, mas, quando precisava, fazia o seu próprio. Para a higiene bucal, o homem sem dinheiro misturava conchas de moluscos moídas e sementes de erva-doce. Já as roupas eram lavadas em água gelada com uma mistura de nozes fervidas.

Falta algo essencial, né? A comida. Mark tinha quatro fontes: aquilo que ele plantava (batatas, feijão, cenoura, verduras, cebola e outras coisas); aquilo que ele procurava pelos campos (frutinhas como morangos, mirtilo e framboesa, cogumelos e oleaginosas – nozes, castanhas, etc.); o reaproveitamento de comida boa descartada por lojas e restaurantes próximos da fazenda, que aparecia em altíssimas quantidades; e por fim as trocas. Ele oferecia serviços por comida, ou mesmo trocava itens que estavam sobrando por outros.

Em 2011, Mark deu uma palestra sobre sua experiência, que pode ser vista no YouTube. Ele também escreveu dois livros sobre viver sem dinheiro, além de um sobre os desafios que a humanidade enfrenta por causa do seu alto nível de consumo.

O primeiro livro está disponível em português, o segundo pode ser lido em inglês, online, e o terceiro, por enquanto, tem que ser comprado de seus editores.



Daniel Suelo

Achou as histórias de Heidemarie e Mark muito extremas? Você não viu nada…

Ano 2000. Aos 39 anos de idade, Daniel Shellabarger, um americano que trabalhava como cozinheiro em Utah, tomou uma decisão que mudaria sua vida: foi até uma cabine telefônica, deixou lá todo seu dinheiro (30 dólares), jogou fora passaporte e carteira de motorista e mudou seu sobrenome para Suelo (“solo”, em espanhol). A partir desse momento, ele viveria sem grana.

A vida de Daniel é ainda mais roots que a dos outros dois. Ele mora em cavernas na região selvagem de Utah e se alimenta da vegetação nativa, de animais mortos na estrada e de comida descartada por outras pessoas. De vez em quando, amigos ou desconhecidos lhe dão algum alimento.

Suelo se recusa a aceitar comida de programas sociais do governo, mas não abre mão de frequentar uma biblioteca pública para ler, checar seu e-mail e manter um site e um blog.

Apesar de não procurar, às vezes lhe oferecem abrigo em troca de serviços domésticos. Muitas vezes ele rejeita, mas às vezes troca a hospedagem por cuidados com animais, plantas e jardins. Para viajar, Daniel pede caronas ou se enfia em trens que cruzam os Estados Unidos.

Sobre a saúde, Daniel garante que fica menos doente que quando vivia com dinheiro. Para ele, o sistema imunológico é como os músculos, e precisa ser treinado. A vida que levamos faz com que o corpo tenha menos meios de se proteger quando precisa.

Talvez você esteja pensando que Daniel é uma espécie de Bear Grills, alguém capaz de realizar grandes truques de sobrevivência. Mas ele garante que não.

“Eu não tenho tantas habilidades, a questão é mais a determinação e a confiança de que é possível. Imagine que alguém te ofereça 1 milhão de dólares se você sobreviver a um ano sem dinheiro. Tenho certeza que a maioria das pessoas daria um jeito. A questão é encontrar uma motivação maior que 1 milhão de dólares”.

E o que eles concluíram?

Heidemarie Schwermer considera que o melhor do seu estilo de vida é a sensação de abertura. Ela ama não saber o que acontecerá no dia seguinte, e sente grande curiosidade o tempo todo.

A alemã sustenta que não é preciso usar o dinheiro para conseguir viver bem. Sua filosofia é que é melhor compartilhar suas habilidades do que vender seu tempo. Assim, ela não dá aos outros coisas materiais, mas sim espirituais.

Mark Boyle não demorou para perceber que, no seu novo mundo sem dinheiro, tudo demorava mais para ser feito. Cozinhar, lavar roupa, se deslocar de bicicleta… mas ele afirma não ter dúvidas de que prefere gastar seu tempo fazendo seu próprio pão do que sentado vendo TV.

Após seus mais de 3 anos vivendo sem din din, ele aprendeu que é totalmente possível viver consumindo menos, e fica feliz por inspirar outras pessoas a fazer o mesmo, ainda que em uma escala bem diferente da dele. E garante que os anos em que viveu sem dinheiro foram os mais felizes e saudáveis de sua vida. 

Já Daniel Suelo considera que a vida sem dinheiro o curou. Ele fora diagnosticado com depressão, e considera que o problema vem de acumular pensamentos desnecessários, e que a obrigação de correr atrás de posses físicas o deixou doente.

O americano baseia seu modo de vida em uma visão interessante da espiritualidade e do equilíbrio da natureza, e acha que dessa forma se integra melhor ao mundo. Para Daniel, o dinheiro é uma quebra do ciclo natural.

Depois de muitos anos de reflexão, Suelo chegou à conclusão que o dinheiro não é uma substância física, mas algo em que as pessoas acreditam. “Ele só existe se duas ou mais pessoas acreditarem nele”, diz. “Dinheiro é crédito, e crédito literalmente significa crença. Dinheiro é um credo, o credo em que mais pessoas creem. Que fundamentalista não fica bravo se você questiona suas crenças?”.

O que o surpreendeu bastante, mas já não o incomoda, foram as reações raivosas de pessoas em relação ao seu estilo de vida. Mas, hoje, Suelo considera que elas não são reações da natureza real das pessoas, mas sim da fachada que elas construíram. Para ele, a maioria de nós não consegue lidar com a ideia de que nossa civilização comercial é fundada em uma ilusão.

Gostou das histórias? Ainda que abandonar totalmente o dinheiro posso ser muito extremo, elas provam que é absolutamente possível viver com menos do que estamos acostumados, não é? Do que você seria capaz de abdicar para chegar próximo de um estilo de vida desses? Alguma vez se imaginou numa posição assim?
 
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