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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Quanto custa sua liberdade?

'Se fizer frio, Deus me dá um cobertor mais quente': a realidade dos moradores de rua no inverno cuiabano

Foto: Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto

Cuiabá tem dois abrigos, com capacidade para 50 pessoas

Cuiabá tem dois abrigos, com capacidade para 50 pessoas

A poucas horas da estação mais fria do ano, tapetes e todo tipo de tecido que possa proporcionar algum tipo de proteção, já podiam ser vistos na Praça do Porto de Cuiabá (Praça Luís Albuquerque). Seus donos circulam pelos cantos e coreto, num cotidiano vicioso.

“Se você chegar aqui todo dia vai ver a gente aqui, é sempre a mesma coisa, a gente bebe uma pinga pra esquentar, quem usa droga tá usando droga e é isso”. Analfabeta, sem nome, sem casa, sem família, mas livre. A moradora da praça do porto há 32 anos, dona da declaração, se recusa a revelar seu nome, apesar disso, compartilha todas as outras histórias de seu dia a dia. Dona de um raciocínio mordaz sobre sua condição, ela escolhe a liberdade da rua às imposições dos que tentam ‘resgatá-la’.

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“Não quero ir para o abrigo, porque quando aparecem aqui é uma conversa, mas quando a gente tá lá é outra coisa. Levam a gente pro Adalto Botelho, aqui ninguém é louco pra ficar tomando remédio. E tem as casas de recuperação que vem também, mas lá é assim, ‘não quer orar então pode ir embora’. Ai tem gente que fica fazendo intriga pro pastor. E é chácara, eu não quero ficar lá na chácara trabalhando na cozinha, ou carpindo. Eu quero um emprego para eu ter o meu canto e ser livre para fazer o que eu quiser”.


A moradora de rua, à esquerda, confia na união pra sanar o frio (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

A Prefeitura de Cuiabá realiza resgates de pessoas em situação de rua, encaminhando-as para abrigos ou unidades terapêuticas, dependendo da situação de cada um. No caso dos abrigos, existem duas unidades na capital, segundo informações da Secretaria de Assistência Social: Abrigo do Porto e Abrigo Manoel Miralha, ambos com capacidade de atendimento para 50 pessoas e horário de funcionamento das 18h às 8h.

O atendimento da Prefeitura depende da aceitação do morador em situação de rua. “Só podemos ajudar o morador se ele cumprir as regras, como não chegar alcoolizado ou drogado. Primeiramente oferecemos a possibilidade de reconciliação com a família, quando isso não é possível ele continua no abrigo, mas frequentando curso profissionalizante, para que futuramente possa conseguir um emprego”, explica a assessoria da Secretaria de Assistência Social de Cuiabá.

A insegurança das ruas e dificuldades para sobreviver nesse ambiente hostil e abandonado, evidenciam a fé em Deus da moradora do Porto e sua confiança numa proteção sobrenatural, mas não são suficientes para que mude de opinião.

“Você pode vir aqui amanhã e não me encontrar mais, tá vendo isso aqui? Eu ainda tô viva porque Deus disse que não era a minha hora ainda”, se exalta a ponto de parecer sufocar com o terço tão justo no pescoço, ao mostrar as marcas de três facadas que levou – barriga, tórax e braço esquerdo - segundo ela, de outro morador de rua.

Quando lembra que o frio está chegando, diz: “Deus dá o frio de acordo com o cobertor, se fizer mais frio ele vai me dar um cobertor mais quente. A gente sempre tá aqui, faça chuva, frio ou sol é sempre a mesma coisa. Quando chove a gente procura uma cobertura e fica tudo junto. Quando faz frio a gente junta todo mundo e vai jogando as cobertas”.

Para amenizar o frio de quem está nas ruas, há três anos a Secretaria de Assistência Social de Cuiabá realiza a campanha “Abraço Quente”, que arrecada roupas, sapatos e cobertores que são doados a população em situação de rua. Este ano, cerca de 3 mil itens já foram distribuídos.

Quanto à sobrevivência nas demais situações, esmolas e doações são o que garantem o alimento que nem sempre é certo. “Deus manda seus discípulos pra nos ajudar, as pessoas vêm e doa comida, uma coberta. Já fiquei dois dias sem comer nada. Tem um restaurante que dá comida pra gente se a gente chegar lá às 14h20 e tem gente que traz comida, sopa às vezes”, termina a moradora da Praça do Porto.

Serviço


Abrigo do Porto: Rua Benedito Leite, 637 - Bairro do Porto
Abrigo Manoel Miralha: Rua Istambul, 2 - Bairro Alvorada
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