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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Rio da Casca

Gosto de terra e liberdade: primeiros elefantes chegam ao santuário de Chapada; fotos e vídeos

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Maia, primeira elefanta a desembarcar no Santuário, comemora jogando terra pra cima

Maia, primeira elefanta a desembarcar no Santuário, comemora jogando terra pra cima

Aos 44 anos, Maia sentiu pela primeira vez o gosto da liberdade às 17h15 desta terça-feira (11), na comunidade Rio da Casca, em Chapada dos Guimarães. Tinha sabor de terra, que foi jogada ao ar assim que pisou no chão. Com 1600 quilos, qualquer comemoraçāo fica limitada. Era verde também, como tinha de ser, cercada por vales e rios, em uma área de 1100 hectares. Foram 48 horas de viagem em um container para primeira gigante a chegar ao Santuário de Elefantes Brasil (SEB). Vítima de maus tratos e uma vida de exploração, finalmente vai poder descansar em paz até o fim da vida.


Maia brinca com terra dentro do Centro Médico, onde ficará nos primeiros momentos até conseguir pastar livremente pela terra (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

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A tarde de terça foi incomum na pacata comunidade de Rio da Casca, a 50km da cidade de Chapada dos Guimarães. Logo cedo, os moradores já se amontoavam na frente de suas casas, olhando o movimento que há muito não acontecia por ali. Além de Maia, também era o da de chegada de Guida, que desembarcou um pouco depois da sua conterrânea. A terceira elefanta do local só deve chegar no começo do ano que vem, vinda do Chile.



Até os trinta alunos da Escola Municipal Casca III, estudantes do 1o ao 9o ano do Ensino Fundamental, foram liberados mais cedo para acompanhar a chegada. “A gente trabalhou um pouco sobre os elefantes com eles em sala de aula, fizeram desenhos, e uma redação. Em uma delas, um aluno escreveu que se não fosse hoje, nunca teria a oportunidade de ver um elefante na vida”, comenta a professora Gleice Medeiros, 40, responsável por todos os anos do 5o ao 9o ano.


Gleice Medeiros, professora da única escola da comunidade (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Para ela, a chegada dos elefantes pode trazer um fôlego à comunidade. “A população aqui vem diminuindo, porque todo mundo vai embora em busca de emprego. É bom que chama atenção pra nós”.

Evanildes Natividade, 61, moradora da comunidade desde que nasceu, também vê com bons olhos a chegada dos animais. “Desde o início um amigo meu me contou que viriam elefantes pra cá. Eu achei bom, porque a comunidade está esquecida. Ninguém mais vem pra cá. Só vem durante a festa do caju, que acontece uma vez por ano”, comemora.

Nascida junto com as Usinas Hidrelétricas, a Comunidade Rio da Casca já foi um cartão postal do estado. Prova disso, é a instalação do ‘Chalé do Governador’ no local. Hoje, ele está abandonado, assim como a primeira usina, que foi tombada como patrimônio histórico estadual, mas há muito só acumula ferrugem.

“A primeira usina veio pra cá em 1928, foi a primeira do estado a ser construída. A segunda chegou em 1954, e a terceira em 1970. A comunidade foi construída em torno delas, pelos trabalhadores que vieram e por outros, que prestavam serviço a esses trabalhadores”, conta Djalma Mascarenhas, morador do local.

“Hoje, no entanto, a primeira usina deixou de funcionar, e as outras duas passaram a ser multinacionais. Até pela tecnologia, diminuiu muito o número de funcionários”, lamenta. Atualmente, conta Djalma, os moradores vivem de pequenos artesanatos e de serviços para as fazendas vizinhas. No entanto, padecem no esquecimento. “Rio da Casca tem um potencial turístico muito forte, mas foi esquecida pelo poder público. Em 2009 o governo tombou a Usina I e desde então ela está abandonada. O Chalé do governador, as cachoeiras, tudo isso poderia ser explorado”.

A esperança, agora, é que o Santuário de Elefantes chame a atenção da mídia e dos turistas para o local. Apesar de ser fechado para o público – principalmente porque os animais foram levados para lá para ter paz e esquecer os anos de tormenta que viveram ao lado dos humanos – a movimentação pode aumentar nos pontos turísticos do local. Nesta semana, por exemplo, já foi inaugurado o primeiro Hostel da comunidade, “Sombra da Tarde”, com o objetivo de abrigar biólogos, estudantes, jornalistas e documentaristas que eventualmente possam vir ao local.

Primeiras hóspedes


Maia (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Maia tem aproximadamente 44 anos, e Guida tem 42. Ambas foram tiradas de sua casa, a Tailândia, ainda bebês, e trazidas para trabalhar no circo, onde ficaram por quatro décadas. Segundo registros, ambas foram ‘funcionárias’ do Circo de Portugal e, depois de resgatadas, passaram a morar no sítio do advogado do circo, na cidade de Paraguaçu – Minas Gerais – acorrentadas e em uma área de 1500 metros quadrados.



Elas foram as primeiras salvas pelos voluntários e idealizadores do Santuário de Elefantes, um projeto que nasceu em 2010 dos anseios de Junia Machado, publicitária e hoje presidente da SEB. “Eu sempre gostei dos elefantes. Quando era pequena, meu pai me deu um livro sobre vida selvagem e eu fiquei impressionada com eles (…) Até queria ser bióloga, mas fiz publicidade, e trabalhei com isso até que decidi deixar tudo para fotografar o drama do mercado de marfim”. Durante sua saga na fotografia, Junia decidiu que o queria da vida, mesmo, era salvar esses animais. “Hoje existem apenas 375 mil elefantes na África. Eles estão em extinção principalmente porque são mortos para a coleta do marfim, que é mandado para a Ásia para fazer enfeites. São mortos 50 mil elefantes por ano com esse intuito”, lamenta.


Junia Machado, presidente da SEB (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)


Tentando fazer sua parte por aqui, e com a consciência de que mandar estes animais de volta para a África ou Ásia – além de ser caríssimo – é entregá-los aos abatedouros de marfim, Junia decidiu criar o primeiro Santuário da América Latina. Para isso, contou com a ajuda de Scott Blais e Katherine Blais, co-fundadores do Santuário de Elefantes do Tennessee, nos Estados Unidos. A escolha da terra em Chapada dos Guimarães se deu após muita pesquisa.


Scott Blais (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)


“Nós procuramos terras no sul do Pará, no norte de Mato Grosso, e quase fechamos uma em Guarantã do Norte, mas havia problemas legais com a documentação. Quando achamos aqui, a terra era pefeita”, comenta Célia Frattin, diretora financeira do SEB.

A terra onde hoje se instala o Santuário foi uma fazenda de gado, chamada Fazenda Santa Fé do Boqueirão. São 1100 hectares, onde no máximo 50 elefantes (todos os que estão em situação de risco na América Latina) poderão viver em harmonia. Para se chegar lá, no entanto, é preciso dinheiro. Todo o projeto, segundo Célia, custará 7,5 milhões de dólares. Até o momento, foram gastos 2 milhões para a compra da terra e a construção do centro médico e de um pequeno curral. “É importante dizer que nós não temos ajuda de nenhuma esfera do governo, seja municipal, estadual ou federal. Todo o dinheiro que temos vem de doações de pessoas físicas e de empresas”, explica a diretora financeira.


Célia, diretora financeira da SEB (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)


Foi por meio de doações, por exemplo, que foram transportadas as duas primeiras elefantas. Maia e Guida saíram de Minas Gerais no último domingo (9) e viajaram 1600km a bordo de um container, em cima de um caminhão. Só os containers, por exemplo, custaram R$80 mil. Foram arrecadados por meio de uma vaquinha virtual R$52 mil, e a diferença foi paga por empresas patrocinadoras.


Maia antes de sair do container (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

As duas elefantas chegaram à comunidade por volta de 14h30, e foram recebidas pelas crianças com bambus e pedaços de melancia. Somente às 17h15, no entanto, que Maia, a primeira moradora, saiu da caixa e conheceu seu novo lar. Ainda entre barras, a elefanta entrou no Centro Médico, onde ficará nos primeiros momentos até se adaptar ao ambiente maior. A ideia é que daqui a alguns meses, as duas já consigam pastar sozinhas e viver em toda a terra, preparada somente para elas.

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