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Terça-feira, 23 de abril de 2024

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Matriarca

Cuiabana que se formou aos 64 e trabalhava em três empregos para sustentar as filhas conta sua história

Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto

Dona Albina

Dona Albina

Força. Este é o substantivo que pode descrever a matriarca Albina Maria Corrêa, cuiabana ‘de tchapa e cruz’ que criou quatro filhas, tem cinco netos, chegou a trabalhar em três empregos, se separou do marido agressivo, se formou aos 64 e, ainda hoje, cuida de toda a família.

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Albina nasceu em Santo Antônio do Leverger há 68 anos, mas aos três se mudou para Cuiabá com os pais. Vinte e um anos depois, ela se casou e, consequentemente, teve que sair das ‘Lojas Pernambucanas’, onde trabalhava. “Meu marido não deixava. Eu saí de férias para me casar e não voltei mais”, lembra.

Com menos de um ano, já nasceu a primeira filha: Cláudia. Depois dela, as outras: Elaine, Daniele e Gisele. Tudo corria bem na família até que Albina decidiu que voltaria a trabalhar. “É muito ruim quando você está acostumado a ter seu dinheiro, suas coisas, e começa a depender de alguém. Então quando as meninas já estavam mais grandinhas eu vi que o posto de saúde estava com vaga, e me inscrevi sem ele saber”.


Albina em sua casa. Na maior foto do álbum, da esquerda pra direita: As filhas Cláudia e Daniele, a neta Ana no centro e as filhas Gisele e Elaine (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Albina passou na prova, e precisava contar ao marido que iria fazer um curso e, logo depois, começar a trabalhar. “Fiz o almoço, esperei ele comer pra falar, porque se não ele não ia almoçar. Aí eu disse”, conta. “Ele perguntou duas vezes se eu ia mesmo, ficou muito zangado, disse que não queria, quase nos separamos”. O comportamento dele mudou somente quanto a cuiabana foi contratada pelo Governo do Estado. “Ele viu que era estável e que o dinheiro estava vindo, né? Aí foi bom”.  

Com o tempo, Albina passou a trabalhar também em um hospital de manhã, ficando fora de casa nos dois períodos. Com as filhas já mais velhas, algumas trabalhando e outras estudando, outra vez a família passou por uma crise, desta vez, definitiva.

“No início do casamento ele [o marido] não era agressivo. Mas com o tempo começou a beber, e aí chegava em casa destruindo tudo, brigando, era horrível”, lembra.

Ela conta que no dia a dia era comum se deparar com o esposo jogando tudo da geladeira no chão após uma noite de bebedeira, e uma vez ele chegou até a bater nela. “Fui socorrida por minha vizinha, depois que minha filha ligou pra ela para pedir ajuda”. Albina destaca um acontecimento que foi o estopim para a separação:

“A gente estava fazendo uma reforma em casa e estava com um monte de terra do lado da porta. Ele chegou aqui e disse que ia contratar alguém para tirar a terra. Quando o rapaz chegou e me perguntou onde era pra colocar, eu disse pra colocar no quintal. À noite, ele chegou bêbado, muito irritado, e perguntou pra minha filha quem tinha mandado colocar a terra ali. Ela disse que tinha sido eu, e ele ficou muito bravo, disse que não tinha dinheiro para tirar de novo. Ela perguntou pra ele: ‘como pra beber o senhor tem dinheiro?’. Pronto. Ele virou o bicho, pegou minha filha pelo pescoço, enforcou, ela ficou toda machucada”.

No trabalho, Albina recebeu uma ligação das meninas, dizendo que o pai tinha levado a cama, um botijão de gás e as roupas e tinha ido embora. “Minha filha estava chorando, se sentindo culpada. Eu disse calma, não tem ninguém culpado, tudo vai dar certo”.

Superação

De uma época em que ser separada era sinal de fracasso, Albina decidiu deixar claro que sua vida estava melhor daquele jeito. Até mesmo as próprias irmãs chegaram a duvidar da capacidade da mãe de cuidar da família sozinha. “Minha irmã chegou a me dizer que era ruim com ele, pior sem ele. Eu respondi que era pior com ele, e bem melhor sem ele”.

As filhas de Albina se casaram, algumas tiveram filhos, e com o tempo ela instalou em sua casa – junto com o irmão de um genro – um espetinho. Agora, a matriarca trabalhava de manhã no hospital, à tarde no posto de saúde e à noite no empreendimento familiar.

O ex-marido, que tinha saído de casa sem dizer pra onde ia, agora pedia para voltar. “Teve uma vez que me ligaram, dizendo que tinha um homem bêbado, caído em um bar do CPA, e que meu número estava na carteira. Eu passei pra pessoa o número da irmã dele. Ele vivia aqui, me pedindo pra voltar, mas gato escaldado em água quente de fria tem medo, né?”.

Não bastasse os três turnos de trabalho, aos 62 anos dona Albina decidiu voltar aos bancos escolares. Sem a oportunidade de estudar quando moça – segundo ela, a “criação das meninas” era prioridade – na terceira idade ela se inscreveu no curso de Gestão Pública do Instituto Cuiabano de Educação (ICE). “Eu era a mais velha da turma, eu e mais uma colega. Mas é bom demais voltar a estudar, aprender coisas novas, ver gente. Nunca é tarde pra ser feliz, e pra estudar também, nunca é tarde”.


Albina com seu álbum de formatura. Na foto os netos: Pedro e  Ana (acima), Nicole, Murilo e Felipe (abaixo); (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Quando se formou, Albina já tinha seus cinco netos: Pedro, Ana, Nicole, Murilo e Felipe. Foi um pouco depois disso que, numa tarde em que concidentemente ela e mais duas filhas cozinhavam peixe para o almoço, ela recebeu a notícia da morte do ex-marido.

“Eu terminei de comer, me sentei aqui no sofá quando o telefone tocou. Ele tinha infartado enquanto dirigia, e contaram que chegou a gritar para não deixarem ele morrer. Na hora liguei para as meninas pra contar, elas correram pra casa dele”.

Todas as despesas de velório e enterro foram pagos por Albina e suas quatro filhas. Hoje, ela ainda tem de brigar na justiça para não perder os bens que construiu durante o casamento – pedidos pela namorada de seu ex-marido, que chegou a ficar catorze anos com ele depois da separação.

A despeito disso, aos 68 anos ela continua trabalhando no Posto de Saúde, e não pretende parar tão cedo, assim como não quer mais saber de namorado. Em sua casa, vivem ela, a neta Ana, a filha Gisele e o neto Pedro. “Ficar em casa parado dá doença, é bem melhor eu ir todo dia pro meu trabalho, gosto muito de lá”, finaliza. 
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