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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Aids nunca deixou de ser epidemia, diz especialista dos ‘Médicos Sem Fronteiras’ que palestra em Cuiabá

Foto: Da Assessoria

Rafael Sacramento em missão

Rafael Sacramento em missão

A AIDS, causada pelo vírus HIV, é uma doença nova. Surgiu há cerca de 40 anos, causando pânico por onde passava e, até hoje, ainda é mal vista, rodeada de preconceito e informações desencontradas. Apesar disso, ela pode ser considerada uma ‘epidemia estável’, já que já se sabe a melhor forma de prevenção e é de fácil diagnóstico. O problema está aí: perdendo o medo, a população não se previne e novos casos surgem diariamente. O infectologista, mestre em patologia e integrante dos ‘Médicos sem Fronteiras’ há dez anos, vai falar sobre essa e outras ‘doenças tropicais’ em uma palestra que realiza em Cuiabá durante o 53º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MedTrop), que acontece de 27 a 30 de agosto no Centro de Eventos do Pantanal.

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Sacramentou conversou com o Olhar Conceito sobre sua experiência nos Médicos sem Fronteiras, a situação do HIV-Aids no Brasil e na África, e o que mais lhe marcou nestes anos de trabalho. Leia a entrevista na íntegra:
 
Olhar Conceito
– Quando e porque você passou a integrar a organização Médicos Sem Fronteiras?

Rafael Sacramento - Desde o início da faculdade de medicina me interessei pela ética, história e contextos de trabalho de MSF. Então quando terminei a residência médica e o período de experiência exigido por MSF que são pelo menos 2 anos, no fim de 2009, me inscrevi para a seleção. Meu perfil foi criteriosamente avaliado e em janeiro de 2010 já estava na minha primeira missão, em Lichinga, no norte de Moçambique, na fronteira com o Malawi.

OC – Você já se interessava em estudar sobre HIV – Aids antes de ser voluntário?

Sacramento - Sim. Muitas vezes as pessoas acham que MSF recruta pessoas jovens, impetuosas e cheias de energia. Isto é verdade em parte, mas é fundamental que o profissional seja experiente e que seja amplamente capacitado para a função que vai desempenhar. Então, eu já era especialista em HIV quando comecei a trabalhar com MSF. Porém admito que aprendi muito nas missões, inclusive lembrando que MSF investe constantemente na formação e reciclagem de suas equipes, mantendo sempre alto nível técnico, operacional e resolutividade em suas atividades.

OC – Neste tempo de trabalho, qual a situação que mais te chamou a atenção?

Sacramento - A situação de uma senhora que vivia entre Moçambique e o Malawi. Ela não sabia exatamente onde havia nascido e nem a própria idade, calculo que ela devia ter entre 50 e 60 anos. Após as consultas, sempre conversávamos muito e em uma de nossas conversas acabamos falando sobre o HIV e sobre o machismo que, muitas vezes, tirava das mulheres os direitos mais básicos. Surpreendentemente ela me relevou que durante toda sua vida, nunca tinha pensado ou ouvido falar que era um direito das mulheres consentir, ou não, com os desejos dos homens. Até onde ela sabia, as mulheres apenas obedeciam, fossem eles pais, irmão ou maridos. Estas ideias “modernas” só haviam chegado lá com os projetos de MSF e de fato isso tinha ajudado muitas mulheres a enxergar seu real papel social e a defender a si mesmas e as outras.

Muitas vezes os impactos culturais são sutis, mas mais profundos que as condições médicas ou o sofrimento declarado.

OC – Você acredita que o HIV-Aids está ‘voltando’ a ser um problema epidêmico, ou nunca deixou de ser?

Sacramento - Nunca deixou de ser! No contexto brasileiro, vivemos uma estabilidade na epidemia, o que de forma alguma pode ser considerado uma coisa boa. O HIV é facilmente descoberto por um teste que leva menos de 20 minutos para ser feito, o tratamento é relativamente barato e disponível no SUS e a prevenção é conhecida por todos, tendo como principal item o uso do preservativo. Então por que continuamos a ter novos casos todos os anos?

Por que as pessoas têm medo, receio ou vergonha de serem testadas, de certa forma perdemos o “medo” do HIV e acabamos não usando o preservativo. Assim, silenciosamente o HIV vai ganhando a batalha contra a prevenção e temos casos novos o tempo todo. No Brasil uma pessoa se contamina com o HIV a cada 15 minutos.

OC – Quais são as principais razões, a seu ver, do HIV-Aids ser mais comum em países da África?

Sacramento - As questões culturais são muito importantes. Mais uma vez posso citar o machismo como algo fundamental. As parcerias sexuais diversas, a descrença em um “mundo microscópico”, o não uso de preservativos, a pobreza e a falta de acesso aos cuidados de saúde são um amálgama poderoso. Lembrando que a África é um continente e que cada lugar tem questões diferentes. Para dar uma ideia, posso citar que mais de 95% das crianças contaminadas com o HIV durante a gestação ou no parto, nasceram na África subsaariana.

OC – De que forma é possível diminuir os índices dessa doença?

Sacramento - Basicamente de 3 formas:

- Testando todas as pessoas que se exponham de alguma forma. Isto inclui qualquer pessoa que tenha relações sexuais, sejam homens, mulheres, pessoas solteiras, casadas. Enfim, todo mundo.

- Garantindo o tratamento a todos os casos positivos.

- Conscientizando a todos que a única forma de se proteger é usando o preservativo.

OC – Qual será o tema da sua palestra em Cuiabá?

Sacramento - Será uma palestra, informativa e bastante ilustrada, sobre a atuação de Médicos Sem Fronteiras no contexto das doenças tropicais, falando dos desafios e sucessos em atuar de maneira tão efetiva em condições adversas. O objeto é informar sobre o trabalho e sobre contextos e doenças esquecidos pela maioria das pessoas.

OC – Você acredita que ainda existe muito preconceito quando o assunto é HIV-AIDS? Por que?

Sacramento - Embora seja uma doença muito recente, identificada há menos de 40 anos, foi desde o início associada a muito preconceito e a grupos específicos e marginalizados. Então, o estigma que ainda traz, é de uma condição carregada de culpa e discriminação. Leva mais tempo para desfazer um preconceito do que para cria-lo. E infelizmente existe uma tênue diferença, no conhecimento popular, entre uma doença que causa medo ou indiferença. A verdade é que o preconceito nasce da ignorância, se as pessoas entenderem como se prevenir e como lidar com este problema, perceberão que o medo não faz sentido, porém compreenderão que não devem se arriscar para evitar o contágio.

OC – Tem algo a acrescentar, que eu não perguntei?

Sacramento - Eu apenas gostaria de acrescentar que Vitória Ramos, Analista em Assuntos Humanitários de Médicos Sem Fronteiras também estará no MedTrop2017 participando da reunião do Fórum de Enfrentamento das Doenças Infecciosas e Negligenciadas.

Este Fórum foi criado em 2017 para unir movimentos sociais em defesa de políticas públicas que combatam doenças infecciosas negligenciadas. Um dos objetivos do Fórum é promover o debate sobre doenças que já poderiam ter sido eliminadas se não fossem ignoradas e estigmatizas. O Mato Grosso, por exemplo, é líder há quase 30 anos em casos de Hanseníase, segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde, e pouco se fala a respeito. Essas doenças não podem continuar inviabilizadas. Então, todos estão convidados a participar do Fórum, que acontece dia 27, durante o 53º MedTrop. Eu estarei lá!

MedTrop

O 53º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MedTrop) acontece dos dias 27 a 30 de agosto, no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá, e tem como tema “Ambiente e Doenças Tropicais: desafios para campos e cidades”. Seu objetivo, além de promover o debate central entre os participantes de diferentes formações na área da saúde, é também abrir espaço para as discussões sobre as principais pesquisas realizadas ou em andamento sobre as doenças tropicais.

Junto  ao Congresso, acontece também a reunião de Pesquisa Aplicada em Chagas e Leishmaniose, a Nacional de Pesquisa em Malária, e ainda serão conhecidos os vencedores do Prêmio Jovem Pesquisador, o Pesquisador Sênior da SBMT, os ganhadores do Prêmio Jornalista Tropical e o Jornalista Tropical 2017, em que os profissionais das categorias TV, Impresso e Online vão receber uma quantia em dinheiro.

Confira a programação completa AQUI.

Serviço

53º MedTrop
Data: 27 a 30 de agosto
Local: Centro de Eventos do Pantanal – Cuiabá (MT)
Informações: SITE 
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