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Terça-feira, 28 de maio de 2024

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Entre trancos e barrancos, foliões criam novo bloco e lutam para manter carnaval cuiabano vivo

Foto: Olhar Direto

'Unidos do Araés' realizaram 9 ensaios este ano

'Unidos do Araés' realizaram 9 ensaios este ano

Em meio a um cenário desanimador, com prêmios menores, blocos desistindo de entrar na avenida e corte até mesmo das emendas parlamentares para o carnaval, um grupo de foliões decidiu se organizar e criar um novo bloco para desfilar em Cuiabá por um só motivo: o amor pelo samba.


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O ‘Unidos do Araés’ nasceu no segundo semestre de 2017, da vontade do atual presidente, Gudo Ferreira, e de diversos amigos - que hoje são diretores - dentre eles o músico Alex Almeida, 33, e o professor universitário Cleyton Normando, 43. Na próxima terça-feira (13), eles e outras quase 1500 pessoas desfilam na Orla do Porto, com um enredo em homenagem ao grupo folclórico Flor Ribeirinha. 

Cleyton (esq.) e Alex (dir.) (Foto: Olhar Direto)

Apesar de este ser o primeiro ano do ‘Unidos’ na Avenida, a história dos organizadores com o samba é muito antiga. Gudo, Cleyton e Alex participaram, inclusive, da fundação de outros dois blocos do bairro – o Banana da Terra e o Tradição do Araés – que neste ano não vão desfilar.

“O Araés tem uma história muito grande com essa questão do carnaval, de tradição”, explica Cleyton. “Antes do Araés propriamente dito, nós tínhamos no Santa Helena, que é um bairro vizinho, uma escola de samba chamada Estrela do Oriente, de dona Tereza. Isso na década de 70. E tinha outro bloco lá no bairro, que também era muito forte, e que foi um dos grandes blocos de Cuiabá, chamado Urubu Cheiroso”.

Segundo os carnavalescos, toda a comunidade cresceu em meio a esta ‘efervescência’ cultural. “Os filhos desses fundadores, que viraram colegas nossos, também participaram desses movimentos nos bairros. Foi aí então que o pessoal teve a ideia, lá atrás, de montar o Banana da Terra, e a gente estava junto. E foi muito interessante porque a comunidade abraçou, independente de qual bloco aparecia lá ela abraçava”.

O Banana da Terra nasceu há vinte e dois anos, e há dez anos surgiu no bairro um segundo bloco, chamado Tradição do Araés. Com o tempo, a ‘turma’ de Cleyton – que além de professor, é compositor e sambista – passou a vender sua força de trabalho ora para um bloco, ora para outro. No segundo semestre de 2017, então, eles ficaram sabendo que nenhum dos dois blocos iria desfilar em 2018, e surgiu a ideia de Gudo de investir em algo novo.

“Mas eu mesmo não estava levando muito a sério”, contou Cleyton. “Falei, cara, bloco da um trabalho danado... harmonia, bateria, isso aí a gente faz, mas um bloco não é só isso”. O presidente, no entanto, insistiu, e disse aos colegas que com a quantidade de apoio que eles tinham, seria mais fácil fazer acontecer. “A comunidade do Araés tem essa tendência de abraçar os blocos que por ali passam, só que ela é muito desconfiada, depende de quem está fazendo. E como nós vivemos na comunidade, no meio deles, a gente conhece todo mundo. A gente vem de uma geração, eu e esses meninos, que a gente assistiu o pessoal do Urubu Cheiroso e do Estrela do Oriente fazer carnaval, e hoje a gente vem fazer carnaval e levamos nossos filhos pra lá”.

A vontade de homenagear o Flor Ribeirinha surgiu neste meio tempo, pelo significado cultural que o grupo carrega, por seus vinte anos de trabalho e, também, pelo título recém-conquistado de campeão mundial. Com a parceria, o bloco conseguiu, também, quem fizesse as fantasias, já que o Flor vai cobrar somente o valor dos materiais para isso – o que dá cerca de R$16 mil.

Esta é apenas uma pequena parte dos gastos para colocar o bloco na rua. Segundo Cleyton, as contas ainda não foram para a ponta do lápis, mas a estimativa é de que a brincadeira custe em torno de R$50 mil, já que é preciso, ainda, pagar os músicos para tocarem na Avenida, a roupa da diretoria e por aí vai. De onde vem esse dinheiro? Por enquanto, do bolso deles.

Ensaios



Para tentar bancar parte do desfile, o bloco realizou, nestes últimos meses, nove ensaios da bateria no Centro Comunitário do Araés – o que também já é tradição no bairro, sempre às sextas-feiras, às 19h. Como não se cobra entrada, o lucro vem todo da venda de bebidas.

“Pra montar aquela estrutura, a cada ensaio é R$3500, e a gente paga do nosso bolso”, conta o professor. “Agora colocamos um grupo [o SeduSamba] e a bateria no ensaio. A gente tentou fechar uma parceria, mas a condição financeira não possibilitou. Aí a gente falou, olha, como a gente conseguiu agregar mais gente - hoje são 18 diretores aproximadamente - hora que a gente viu que pegando a cerveja em consignação não dava lucro pra ninguém, cada um deu R$100, R$150, R$200... compramos a cerveja, fizemos mais dois ensaios e lá no terceiro que deu o lucro pra fazer o outro ensaio. Nossos 4 últimos ensaios que a gente consegue ter lucro de mil, mil e quinhentos reais, só”.

Além de ter que pagar a cerveja, Cleyton explica que tem muito mais. Nos últimos quatro ensaios, por exemplo, não tinha água, e eles tiveram que chamar um caminhão pipa. Há, ainda, os gastos com faxina, e com o pagamento dos músicos e com a impressão de cópias do samba-enredo. “O Alex, por exemplo, vive da música. Ele toca nos melhores grupos de Cuiabá de samba e pagode. Então ele está parando a vida dele de sexta, sábado e domingo pra ficar no bloco. E não é justo com ele, porque ele ganha 500, 600 reais por final de semana. E está ganhando quanto lá no bloco? Uns R$200”, lamenta.

Pela situação financeira difícil, os diretores explicam que alguns cortes tiveram que ser feitos. Dentre eles, por exemplo, a gravação do samba – que custa em torno de R$700. “O ideal é que grave faltando uns cinco, seis ensaios, porque você coloca no intervalo, vende, a comunidade compra, leva pra escutar... é outra coisa na avenida”, explica.

Outra medida ‘provisória’, segundo eles, foi a decisão de vender os abadás, e de pegar emprestado grande parte dos instrumentos da bateria. “Não existe vender abadá pra comunidade, não pode. Você imagina tirar de um pai de família 20, 25 reais? Que é o que ele tem pra ir lá pro Porto, pra comprar as coisas pro filho, pra ele mesmo? Não dá. Aí a gente conseguiu uma parceria esse ano, que falou, olha, vou pagar metade do abadá pra vocês, e nós vamos pagar a outra metade. Só os abadás deu uns 8 mil reais”. Para dar uma amenizada, os abadás vão custar para a comunidade R$10, com a promessa de que ano que vem ele será de graça e, ainda, que no domingo seguinte ao carnaval, dia 18, ganhando ou perdendo, o bloco vai oferecer uma festa no Centro Comunitário.

Com tanta dificuldade, porque, então, investir na criação do bloco? Não há outra explicação se não o amor, tanto pelo samba, quanto pela comunidade. “Tem gente que trabalha com isso, e nós [cuiabanos] já tivemos uma cultura muito maior de trabalhar com carnaval e de empregar pessoas, porque a gente emprega pessoas. Tem uma senhora lá, que ela falou: ‘Eu preciso vender espetinho aqui’, e ela vende mais de 200 espetos por noite nos ensaios, e é aquela a única renda que ela tem. A outra que está limpando o banheiro, está desempregada, vem ela e o filho e eles ganham 50, 60 reais por noite cada um dos dois, é o que a gente consegue pagar agora. O pessoal da limpeza, da organização que pega cadeira, mesa... então tem muita gente, se a gente conseguir fazer isso durante boa parte do ano a gente movimenta a economia”, desabafa Cleyton.

Para além da questão econômica, ele enxerga o carnaval como uma das poucas opções culturais do bairro. “O Araés não é um bairro elitizado, e tem muita gente lá que é trabalhadora, que talvez não tenha outra opção de diversão. Mas a gente não quer que ele enxergue só isso, a gente quer que ele enxergue cultura! A gente quer, por exemplo, ensinar eles a fazer enredo, a fazer samba enredo, ensinar a tocar determinado instrumento”, afirma. “[O poder público precisa] olhar com mais carinho, porque não se produz apenas diversão, se produz cultura. E cultura com muita responsabilidade”, finaliza.

Serviço

O Unidos do Araés desfila na Orla do Porto na terça-feira (13), a partir das 20h. Quem quiser participar do bloco, deve entrar em contato pelo telefone (65) 99265-4101 ou pela FAN PAGE.
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