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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Em Cuiabá, Cortella nega voto a Bolsonaro: "Não é meu inimigo, é só um adversário nas ideias"

Foto: Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

Cortella em Cuiabá

Cortella em Cuiabá

Filósofo, escritor, professor. Não são poucos os títulos de Mario Sérgio Cortella, um dos mais bem pagos em sua área no Brasil. Também não são poucos os livros lançados, mais de dez, com temas como ética, felicidade, conhecimento, educação e mais. Nesta sexta-feira (4), ele esteve em Cuiabá para palestrar em um simpósio promovido pelo Hospital Santa Rosa, e, antes, conversou com a imprensa em um espaço anexo ao hotel Gran Odara.

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Cortella falou sobre o tema de sua palestra, ‘Como gerar valor ao paciente’, pontuando como o bem estar mental pode ajudar na cura física. Tocou em temas espinhosos como a ascensão do pensamento totalitário no mundo, sua opinião sobre Bolsonaro, se é possível fazer filosofia sem envolver política e, é claro, sobre a felicidade.

Veja os principais pontos da entrevista:

Bem-estar dos pacientes

“Qualquer hospital, público ou privado, precisa estar conectado à noção de cuidado. E o cuidado não é apenas a interveniência científica de natureza médica ou clínica, que é importante, mas acima de tudo a capacidade de olhar a pessoa, que naquela situação está, como sendo alguém que está fragilizado naquela circunstância. Ela precisa ganhar mais vitalidade, e por isso o valor que se agrega não é apenas e tão somente na área de hotelaria, isso também, dentro de um hospital. Área de equipamentos? Isso também, dentro de um hospital. Mas a possibilidade de eu me sentir, por exemplo, como paciente, alguém que ali é acolhido, como uma pessoa que está com um problema, e não como um problema que está em uma pessoa. Isto é, o foco tem que ser aquilo que comigo é a referencia. E nessa hora, a noção de excelência passa, sem dúvida, pela capacidade técnico-científica, mas ela precisa atingir em cheio aquilo que é a minha capacidade de não desistir, não esmorecer, e não perder, naquela circunstância, a vitalidade. E portanto, quando eu, paciente - que é o meu caso - quando eu tiver alta, que eu seja capaz de ter com aquilo uma relação de gratidão, e que eu tenha uma boa lembrança, mesmo com toda a dificuldade que ali existiu”

“Toda pessoa, em qualquer circunstância, quando ela tem uma percepção de que ela está sendo cuidada, de que ela não está deixada no grande sertão sem veredas, ela se sente muito mais energizada. Evidentemente que não há, de modo algum, uma relação direta entre o bem estar psicológico e a redução de algum tipo de patologia que seja mais destrutiva, não é desse modo, mas eu estar numa condição melhor de natureza psicológica, colabora pra que aquilo que eu tenho, e que pode ter intercorrências laterais, que ela não venha à tona. Portanto, ganho mais vida e a vida fica mais cuidada".


Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

É possível fazer filosofia sem falar de política?

“Há uma diferença entre a neutralidade e objetividade. Cabe a quem lida com o conhecimento a busca da objetividade. Mas a neutralidade não existe. A neutralidade seria a capacidade, que ninguém tem, de se colocar numa situação qualquer, como professor, médico, jornalista, filósofo, sem que seus valores internos e os conceitos prévios que já tinha venham à tona.

Existe um princípio em ciência que é não o da neutralidade científica, mas o da objetividade científica, em que eu busco deixar de lado tudo aquilo que eu sei, que pode interferir na minha avaliação, na minha análise, no meu estudo, na minha pesquisa, e por isso é buscar ali algo que, até de uma certa forma, vez ou outra se chama de ateísmo metodológico, em que até os valores de natureza religiosa - não que fiquem fora, porque não tem como - mas que eles sejam levados em conta como sendo um processo que pode alterar o meu olhar sobre alguém e sobre a minha atividade. Por isso, é possível fazer filosofia de modo mais objetivo, mas de modo neutro jamais".


Avanço do pensamento totalitário

“Num país como o nosso, que tem uma democracia que neste ano está fazendo 30 anos - nós não somos uma democracia jovem, como às vezes se diz, mas nós somos uma democracia ainda imatura - ela não é jovem, ela tem 30 anos, já entrou numa fase mais adulta, mas ela ainda é imatura num modo de cuidado. Nós temos pouco afeto pela nossa democracia. E pelo fato de nós, historicamente - em 518 anos de história, nossos períodos de democracia, somados todos, não chegam a 10% desse tempo - nós não estamos habituados ao esforço que a democracia exige. E por isso não é tão estranho que dela se desista com certa facilidade. E como democracia dá trabalho, e ela não é apenas e tão somente ir ao dia da votação - e algumas pessoas até pra ir ao dia da votação reclamam, dizem poxa, vou ter que sair de casa, como se a política primeiro se desse só naquele ato, e segundo que aquilo fosse um encargo, e não é, é um patrimônio.

Nesse sentido, o Brasil vem vivendo, o que não é tão estranho, a Europa também vive isso, a América do Norte, especialmente os Estados Unidos também está com essa condição.  À medida mesmo que há uma integração internacional das economias, e há uma afetação muito recíproca daquilo que acontece, vários valores que são mais marcantes, que diminuem a nossa capacidade de uma sobrevivência mais exuberante, eles parecem ameaçadores. Na Europa, os refugiados, no Brasil aqueles que hoje estão vindo de outros países pra conseguir aqui sobreviver. Claro que isso não é estranho. A grande diferença entre a democracia e aqueles que têm ideias ditatoriais, é que na democracia nós podemos falar sobre isso, como nós estamos fazendo agora. E na ditadura não poderíamos falar sobre democracia”.

“A democracia coloca a possibilidade, inclusive, de se eleger pessoas que são avessas a ela. Essa é uma possibilidade, mas nós não podemos, em nome dessa possibilidade, retirar as participações. Todos os candidatos, e candidatas, por exemplo, que em 2018 estão no cenário, têm o direito de participar. Há pessoas que são convictas com as ideias deles. Outro dia me perguntaram em uma entrevista se eu votaria em determinado candidato. Eu disse, não, e nem ele em mim se eu fosse. Nós estamos iguais nesse ponto. Eu tenho ideias com as quais ele não concorda, e ele tem ideias com as quais eu não concordo. Eu não votaria nele, e ele provavelmente não votaria em mim. Aliás, seria muito estranho que ele em mim votasse por conta das ideias que ele carrega, e o contrário também. Agora, isso é só uma diferença, ele não é meu inimigo, ele é só um adversário nas ideias, mas não é meu inimigo".


Bolsonaro

"Não, eu não votaria nele e ele não votaria em mim. Mas ele é uma possibilidade na democracia. Há pessoas que o apoiam, ele tem de estar no circuito. As pessoas que com ele não concordam, e não só com ele, com outros, que disputem no voto e vençam a eleição. Se a maioria da nação acha que a candidatura correta é essa, eu, que nele não voto, tal como ele em mim não votaria, tenho que disputar, dentro da democracia, para que isso seja substituído num outro momento democrático. A gente sabe que a democracia não favorece apenas aquilo que eu desejo, mas também aquilo que eu não gostaria que acontecesse, ela faz com que venha a tona".

Alienação X felicidade

“Se a pessoa deseja uma auto-ilusão, ela não precisa pensar sobre os porquês. Mas aí eu diria que é uma felicidade muito superficial, porque é uma felicidade que vai ser evanescente, vai desaparecer, ela terá a profundidade de um pires. O que vale é a capacidade de, se eu tenho momentos em que a felicidade eclode, que ela vem à tona, que ela seja consciente, que não seja um mero engano. Isso é entorpecimento. Eu não fico feliz quando eu bebo além da conta, por causa do álcool. Aquilo é euforia. Ou quando eu consumo uma droga, se eu o fizesse, uma droga ilegal. Não se confunda felicidade com euforia. A euforia pode ser conduzida inclusive por substâncias químicas. A felicidade é um processo muito mais refletido, muito mais adensado, que não vem sempre, e quando vem vai embora, mas volta. Mas vai embora outra vez. Por isso a gente tem que ter clareza de que a felicidade é um evento, não é um lugar onde você chega. Pessoas que dizem ‘um dia eu vou ser feliz’, nunca o serão. Porque ela não está num ponto futuro, ela está na sua existência, no cotidiano, mas não está sempre. Alguém que se colocar como feliz o tempo todo, não é feliz, é tonto. A vida tem turbulências, dificuldades. Alguém que disser, não, eu sou feliz o tempo todo, é porque não está entendendo direito o que está acontecendo”.

“A felicidade é uma vibração existencial. É quando você sente que a sua vida não está sendo inútil, descartável, fútil. Ela não é contínua, não é perene, não é o tempo todo, mas ela quando é, vem como essa condição. Portanto, é uma vibração intensa. Não se confunda felicidade nem com mera euforia, nem com uma alegria apenas. Há situações que me alegram, mas que não necessariamente me deixam feliz. Acima de qualquer coisa é preciso entender que a felicidade é um episódio, ela não é o contínua. Aliás, nós só a notamos porque ela se ausenta. Se ela fosse contínua, nós não daríamos nenhum valor a ela, e nem a perceberíamos. Água é muito bom quando você está com sede. Quando você tem que fazer um ultrassom de vias urinárias e vai tomar dez copos, ela é absolutamente desagradável. A mesma coisa vale pra outras coisas. É a carência que dá valor. E porque nós não somos felizes o tempo todo é que quando essa vibração da vida vem à tona, ela nos dá um sentimento que a gente pode chamar de felicidade. Mas não é idêntico pra todas as pessoas. As pessoas têm modos diversos de sentir isso”.
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