Olhar Conceito

Sábado, 20 de abril de 2024

Notícias | Comportamento

Enfrentando a sociedade

Cuiabanos relembram sofrimento no Dia Internacional contra a Homofobia

Foto: Reprodução

Kédna, Hendson e Rosani

Kédna, Hendson e Rosani

Certo dia, Hendson Santana estava andando pelas ruas do centro de Cuiabá com alguns amigos, quando um homem passou jogando ovos neles, e gritando ‘bichinha!’. Quando revelou sua orientação sexual para a família, aos 14 anos, Rosani Pacheco Fos teve que lidar com a reação do irmão, que resolveu parar de falar com ela. Kédna Carvalho já ouviu diversas vezes que só era lésbica porque ‘ainda não recebeu um trato de um homem’. Estes são só alguns relatos de cuiabanos que tem de lidar, diariamente, com a homofobia.

Leia também:
Após boicote, coletivo gay de MT lança nova série que aborda homofobia, HIV e intolerância

Apesar de serem experiências pessoais, as histórias se parecem e se cruzam. Hendson, Kédna e Rosani podem se considerar, ainda, sortudos por não terem entrado na triste estatística: em 2017, a cada 19 horas, uma pessoa LGBT foi assassinada no Brasil. O número foi levantado pelo Grupo Gay da Bahia, e divulgado em janeiro de 2018. Neste dia 17 de maio, nomeado o ‘Dia Internacional Contra a Homofobia’, o debate volta à tona em todo o mundo.

Hendson é cantor, criador do projeto ‘Música Gorda’ e militante contra a gordofobia, o racismo e a homofobia. Ele contou ao Olhar Conceito que tem de lidar com a homofobia desde cedo. “Aos 14 anos, quando resolvi me abrir pra algumas pessoas, tive que aprender a lidar com a exclusão de algumas pessoas da família, amigos e da escola”, lamenta.

Para ele, a existência de um dia contra a homofobia é importante para dar visibilidade à causa. “Mesmo a OMS descaracterizando a homossexualidade como patologia, essa ideia ainda permeia na cabeça de muitas pessoas que usam desse argumento pra efetivar seu ódio através da violência. Muitos héteros se opõe à data, às leis, com discurso de que são regalias, de que combate a violência deveria servir pra todos. Só que a partir do momento que um grupo de pessoas é violentado ou excluído por sua condição humana, sim, temos um problema muito grave e merece uma atenção maior dos nossos gestores”, afirma.

O Dia Internacional Contra a Homofobia (International Day Against Homophobia, em inglês) acontece em 17 de maio, porque foi nesta data que o termo “homossexualismo” passou a ser desconsiderado e a homossexualidade foi excluída da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 17 de maio de 1990. A data foi reconhecida no Brasil em 2010.

Quatro anos antes, em 2006, um projeto de lei anti-homofobia foi apresentado à Câmara dos Deputados, pela deputada Iara Bernardi (PT – SP). Ele foi arquivado oito anos depois, após ser vetado no Senado. A lei propunha a criminalização dos preconceitos motivados pela orientação sexual e pela identidade de gênero, equiparando-os aos demais preconceitos que já são objetos da Lei 7716/89 (preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional).

Em Mato Grosso, a deputada Janaína Riva apresentou, em 2017, um projeto de lei que estabelece diretrizes para a Promoção da Cidadania da classe LGBT no estado. Em abril do mesmo ano, o projeto passou pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Amparo à Criança, ao Adolescente e ao Idoso.

Apesar de toda a dificuldade de conseguir fazer com que as leis sejam aprovadas, somente elas, também, não são suficientes. “A lei 122/6 é bem-vinda e muito importante pra nos proteger judicialmente”, afirma Hendson. “Só que não é só a lei que protege. É preciso educar a sociedade, principalmente os jovens, a trabalhar mais a aceitação, é um processo de desconstrução diária do machismo institucionalizado no país”, afirma Hendson.

Para Kédna, um dos principais objetivos das leis é ajudar na divulgação e prevenção de novos casos. “Para ter um resultado mais concreto, tem que ser divulgado em massa quanto a resultados de julgamentos de homofobia, para que vejam que estamos sendo realmente reconhecidos e temos o amparo legal, que a lei está ao nosso lado”.

Rosani Pacheco Fos, por sua vez, acredita que a lei, sozinha, não muda nada. “Eu acho que as leis são importantes, lógico, nós temos que ter leis no Brasil e no mundo inteiro”, afirma. “[Mas] eu não acredito que essas leis vão diminuir a homofobia no Brasil, acho que não, ela só vai diminuir quando as pessoas tiverem bom senso e respeito ao próximo”.

Ela, que é barbeira e casada com uma mulher, Laís, há 14 anos, conta que foi aos catorze anos que disse à família que era homossexual, e o resultado foi péssimo. “Acho que tem que mudar primeiro dentro da família mesmo. Qualquer homossexual eu você pergunte, vai te responder que o preconceito primeiro, a homofobia primeiro veio de dentro da família”, lamenta. “Eu mesmo, na época em que me assumi, meu pai era super preconceituoso e não me aceitou. Ele só veio me aceitar quando eu tinha meus 25 anos. Eu me assumi com 14, foi uma tristeza só, porque minha mãe não aceitou, ela chorou muito... meu irmão ficou um ano sem falar comigo... meu pai não aceitou nem a pau. As únicas pessoas que me aceitaram foram minhas duas irmãs. Foi muito difícil”.

Fora de casa, a homofobia também esteve presente. “Nos primeiros meses em que eu entrei numa barbearia, os caras não cortavam cabelo comigo por eu ser mulher e por ser sapatão. Achavam que eu não ia ser capaz de cortar um cabelo, fazer uma barba... e aí eu fui conseguindo cativar os clientes, entrar no mercado, ter minha posição dentro da barbearia”, conta.

Atualmente, Rosani já é proprietária de seu negócio, a ‘Barbearia Bravos’. As lembranças, no entanto, nunca vão sair de sua mente. “Eu entendo cada lágrima, cada sofrimento de todos os gays, trans, travestis... porque é difícil, não é fácil. São muitos olhares de discriminação, preconceituosos, muita gente tem maldade no coração mesmo, e que não aceita”.

Kédna, que tem 28 anos, concorda: “Gostaria que as pessoas entendessem que só estamos querendo nossos direitos e pedindo mais respeito. Estamos pedindo para não morrer por preconceito e ignorância alheia. Estamos pedindo mais amor ao próximo. Só queremos viver nossas vidas sem ter que ficar com medo de frequentar lugares e voltar para casa em um caixão”, finaliza.
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet