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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Cuiabano cria programa que permite comunicação de pessoas que não falam e não se movem

Foto: Arquivo Pessoal

Cuiabano cria programa que permite comunicação de pessoas que não falam e não se movem
Um estudante cuiabano de 23 anos está desenvolvendo um projeto pioneiro no Brasil que permite a comunicação de pessoas mudas, sem qualquer movimento muscular voluntário e que só conseguem mexer os olhos. Guilherme Manfrim Siviero cursa engenharia da computação na Unilins e desenvolve um software acessível que tem o potencial de revolucionar a vida de quem se encontra em uma situação de total isolamento e privação de interação com o mundo.

O projeto foi pensado para vítimas de esclerose lateral amiotrófica, doença neurodegenerativa que ataca neurônios motores e células do sistema nervoso central, mas também pode ser usado por pacientes com sequelas de acidentes e com paralisia cerebral. “A família nunca sabe se a pessoa está com fome, com sede, não sabe nada. Esse é um jeito da pessoa se comunicar”, explica Guilherme.


O cientista Stephen William Hawking tem esclerose lateral amiotrófica.

Uma webcam na mão e uma ideia na cabeça

O trabalho de conclusão de curso desenvolvido pelo estudante em parceria com os colegas Guilherme Buzatto de Souza e Jefferson Douglas de Mello, sob a orientação do professor doutor Carlos Eduardo Formigoni, usa aparelhos “baratos” aliados a uma tecnologia cujo valor é difícil de calcular.

Os estudantes desenvolveram um software utilizando o sistema eye tracking, no qual o usuário controla o computador com os olhos. Eles criaram uma espécie de óculos com uma webcam de alta definição, que capta o movimento ocular e transmite para a tela do computador. Também fizeram um teclado virtual no qual o usuário formula palavras e frases com os olhos para que o computador emita os sons, possibilitado uma conversa.

Para o usuário clicar em algo, basta levar o cursor com os olhos e piscar por dois segundos. Além de usar o teclado virtual para diálogos, o usuário pode navegar pela internet e usar as outras funcionalidades do computador com aparelho como mouse. Mas o foco do projeto é a comunicação. “Muitas dessas pessoas acabam sofrendo depressão por não conseguir se comunicar com ninguém”, sustenta o estudante.


Teclado virtual desenvolvido pelos estudantes

Revolução que cabe no bolso

A revolucionária tecnologia eye tracking já vem sendo usada há tempos em dispositivos semelhantes por empresas estrangeiras. O que torna mais relevante o trabalho desenvolvido pelos três alunos é o potencial barateamento de aparelhos dessa natureza, o que traria uma consequente popularização do dispositivo garantindo acesso para pacientes mais carentes.

Para se ter uma ideia, os valores de computadores eye tracking com essa finalidade desenvolvidos pela líder de mercado no segmento, a empresa sueca Tobii Technology, orbitam entre R$ 40 e R$ 70 mil no Brasil. Enquanto isso, o material necessário para fazer os óculos do trio de estudantes não ultrapassa o valor de R$ 200.

É claro que o preço apresentado só contabiliza o custo material usado na confecção do hardware, sem levar em consideração o trabalho intelectual aplicado na pesquisa e a tecnologia desenvolvida. “As peças são baratas, custam R$ 150, mas a tecnologia que a gente utilizou fica difícil dar um preço agora porque a gente fez muita inovação”, estima Guilherme.

“No começo a gente apanhou muito, achou que não ia conseguir [terminar o projeto] porque não achava nada mesmo. Tivemos que buscar tudo lá fora. Não encontramos nada em português, só livros em inglês e conseguimos ajuda em alguns fóruns, mas agora está praticamente pronto, está muito avançado”, completa o estudante.


Aparelho desenvolvido pela Tobii Technology

Cientista desde criancinha

A escolha pelo trabalho de conclusão de curso acabou sendo por influência de um professor que já desenvolvia algo semelhante na faculdade e indicou o projeto, mas a escolha pelo curso de Engenharia da Computação acabou sendo natural para o jovem nascido em Cuiabá. “Desde guri eu sempre fui meio louco com essas coisas de eletrônica”, resume.

“Guilherme desmontava os brinquedos dele desde criança”, lembra o pai, Nivaldo Siviero. “Ele sempre foi assim, sempre adorou essas coisas”, completa, orgulhoso, ao reencontrar durante as férias o filho que mora longe.

“Teve uma vez que todo mundo ficou impressionado, ele devia ter uns oito anos e construiu um cinema de lego. Eu nem sei explicar direito, mas ele fez uma parede, fez as cadeirinhas e criou um projetor de fotos. Ele era muito pequeno, isso foi uma coisa que me marcou muito”, lembra a irmã mais velha, Letícia Manfrim.

A paixão pelo que faz garantiu não só a entrada na faculdade, mas também a saída, etapa considerada das mais difíceis entre os estudantes de engenharia da computação. O aluno deve terminar o curso neste ano. “Na minha sala entraram 23 pessoas e não vão se formar nem 10”.

Fase final

“Falta só fazer uma calibragem porque o mouse ainda está meio imperfeito, não está 100% ainda. Vamos colocar alguns filtros e até um mês antes a gente quer deixar o projeto 100% porque tem um setor da Prefeitura de Lins que tem pessoas com essa doença e a gente vai tentar implementar lá pra ver se funciona, se é viável ou não”, revela.

Apesar da complexidade do projeto, ele não tomou todo espaço na criativa cabeça de Guilherme. “Meu irmão sempre foi meio nerd, mas ao mesmo tempo saiu, se divertiu, teve banda de rock, depois ele tocou sertanejo, sempre conseguiu conciliar”, conta Letícia. Desta vez, Guilherme concilia o trabalho de conclusão de cursos com projetos paralelos, como um sistema para monitoramento cardíaco, mas isso já é assunto para outra matéria.
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