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Terça-feira, 16 de abril de 2024

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Reprodução assistida

Sonho, luta, incerteza e investimento alto: a batalha das mulheres que sonham em ser mãe

Foto: Arquivo Pessoal

Roseli e Jean, quando conseguiram engravidar após 9 tentativas

Roseli e Jean, quando conseguiram engravidar após 9 tentativas

Uma mulher entra em uma loja. Pede para experimentar um vestido de gestante, depois uma bata. Conversa com a atendente, que lhe pergunta quantos meses tem o bebê em seu ventre. Ela chega a comprar as roupas, mas não há bebê. Não naquele momento, não fisicamente. Um bebê imaginário em seu útero representa a segunda tentativa frustrada de um tratamento desgastante, de meses longe da família e do marido, de milhares de reais que parece que se foram pelos ares. Aquele momento, em que está sozinha, mentindo para uma vendedora, é talvez o fôlego que encontra em meio a tantos anos de ‘nãos’. A mentira é para si mesma. Em outra cidade, em outro ano, outra mulher abre o porta-joias da família e faz as contas de quantas rifas teria que vender, de quantas doações teria que conseguir para realizar seu sonho. Ouve de muita gente que está ‘obcecada’, mas segue firme em seu objetivo. Essa é a realidade de quase 20% das mulheres que querem ser mães: elas não vão conseguir sem ajuda médica. Uma ajuda que requer investimento físico, financeiro e emocional, e que não tem garantia de sucesso.

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De acordo com o especialista em medicina reprodutiva Sebastião Freitas de Medeiros, PhD em Ginecologia pela University of Adelaide South Austrália, Austrália (1993), que atende em Cuiabá, o ideal é que um casal procure assistência depois de um ano de tentativas sem sucesso e ter filhos. Caso a mulher tenha mais de 35 anos, este tempo diminui para seis meses e, caso tenha 40 anos, três meses. Em quase metade dos casos, o problema está na mulher. Em quase metade, no homem. E na porcentagem que ‘sobra’, está nos dois.

Nas mulheres, os principais motivos para ter dificuldades são endometriose, problemas com ovulação, como o ovário policístico, e infecçoões nas trompas. No homem, é a má qualidade do sêmen. Para ser saudável, um adulto deve ejacular pelo menos 15 milhões de espermatozoides por vez, e 40% deles devem conseguir 'subir' o canal vaginal.

Existem diversas formas de tratamento para realizar a reprodução assistida, desde os mais simples, como o coito programado e a inseminação intrauterina, até o mais complexo, que é a fertilização in vitro (FIV). No coito, o médico prescreve um medicamento subcutâneo, e o casal deve ter relações sexuais exatamente doze horas depois. Na inseminação, o espermatozoide é colhido, melhorado, e injetado em um tubo dentro do útero. Em ambos os casos, a taxa de sucesso é de no máximo 20%. Já na FIV, a taxa sobe para cerca de 50% (60% nos melhores casos).

Grande parte das mulheres realiza estes dois procedimentos antes de fazer a FIV. Esta, por sua vez, é realizada depois de um estímulo para que a mulher superovule, e da retirada destes óvulos. “Existem duas maneiras de fazer inseminação”, explica Sebastião. “Ou colocamos 50 mil espermatozoides para um óvulo numa plaquinha de cultura, e deixamos que ele entre sozinho, ou pegamos um espermatozoide com agulhinha e injetamos dentro do citoplasma do óvulo, o que se chama injeção intracitoplasmática do espermatozoide, e que é o mais comum”.

Dr. Sebastião (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Depois desta injeção intracitoplasmática, o médico aguarda de três a cinco dias para que se formem os embriões e coloca alguns no útero da mulher. Os outros ficam congelados para caso seja necessário repetir o procedimento.

Antes de entrar na loja e ‘mentir’ sobre sua gravidez, Roseli de Oliveira Figueiredo, comerciante que vive em Rondonópolis (MT) e hoje tem 48 anos, já tinha passado por três tentativas de coito programado, três inseminações intrauterinas, e recebera, naquele dia, a notícia que a segunda fertilização in vitro não tinha dado certo.

Para chegar até ali, ela já havia sido enganada por um médico, que ficou por três anos dizendo que só precisava ‘relaxar’ para conseguir engravidar, mudado de ginecologista, descoberto uma endometriose e feito uma raspagem antes de iniciar os tratamentos. Para fazer a FIV, ela foi para São Paulo, ficou na casa de uma tia, e realizou os procedimentos na Faculdade de Medicina de Santo André, com auxílio do governo federal em uma das tentativas. Mesmo assim, gastou mais de R$20 mil somente com as fertilizações, fora o desgaste emocional.

“Fiquei frustrada, engordei muito. Pesava 80kg e fui para 100kg. Tomei muito hormônio, estava muito deprimida. Eu chorava muito, chorava por besteira. Foi uma fase muito difícil na minha vida, porque abri mão da minha loja, da minha cidade, fiquei seis meses em São Paulo longe do meu marido. Já estava cansada, desanimada, gorda, inchada, muito abalada emocionalmente. Não podia ver uma grávida na rua que tinha inveja daquela pessoa”, lembra.

Foi somente na terceira tentativa de fertilização – nona tentativa, se somados todos os tratamentos – que a gravidez finalmente veio. “Eu tinha prometido pra mim que eu ia tentar até cinco vezes, porque a maioria engravida depois da terceira vez, e graças a Deus eu tenho o Jean Junior hoje”. Depois do primeiro filho, ela chegou a fazer mais uma fertilização, aos 40 anos, mas não conseguiu, e desistiu.

Roseli e Jean Junior (Foto: Arquivo Pessoal)

A desistência, segundo Sebastião, que já tem mais de vinte anos de experiência na área, acontece sempre por causa do custo ou dos problemas emocionais. “É difícil não dar certo. A gente dá um jeito. Empresta útero, empresta óvulo, empresta espermatozoide de outro, empresta embrião que está congelado. Dá um jeito. Mas a maioria que não tem, desiste por causa do custo ou de problemas emocionais. O custo é um problema limitante”, confessa.

Para se ter uma ideia, mesmo depois de rifar as joias da família e fazer uma vaquinha virtual, o que lhe rendeu R$40 mil, a psicóloga Daniela Mendes ainda precisou buscar outras formas de conseguir dinheiro. Hoje, aos 42 anos, já são sete de tentativas, e R$100 mil gastos no total, fora o desgaste emocional.

Daniela e o marido (Foto: Arquivo Pessoal)

Daniela teve um aborto espontâneo e uma gravidez ectópica antes de descobrir que precisaria de ajuda. Além disso, ela quase morreu pelo que considera que foi um erro médico, após realizar o procedimento para ‘regredir’ o óvulo e ter uma hemorragia interna.

Foi uma médica do SUS que disse para ela que precisaria da FIV. “Ela conversou comigo, não viu nenhum exame, e falou: você só vai engravidar se você fizer uma FIV. E nisso eu já tinha 39 anos. Eu fiquei desesperada”. Foi aí que veio a ideia de rifar as joias. Desde então, passaram-se dois anos de tratamento, e três tentativas de fertilização.

“Meu processo de captação de óvulos foi muito difícil”, conta. “Eu só consegui fecundar cinco óvulos - geralmente a média numa mulher saudável é de coletar entre 15 e 20, pra resultar em 12, e eu consegui 5. A gente implantou o primeiro, eu perdi. Fizemos uma biópsia e descobrimos que eu tinha uma atividade autoimune no endométrio. Fiz a segunda tentativa, não deu. Eu já fiz a terceira, e na terceira eu implantei dois [embriões]. De cinco, eu só tenho dois congelados agora, e por último eu vou fazer, depois de julho, a minha última tentativa. Meu médico e meu marido queriam fazer em duas tentativas, mas eu não quero mais. Eu acredito que tudo tem um limite. Meu limite é esse, mais uma tentativa, em que vamos colocar os dois de uma vez”.

O grande problema da reprodução assistida está na dúvida e, para muitas, nos custos. Georges Kabouk (foto à dir.), que também é médico em Cuiabá e trabalha há dez anos na área, especialista em reprodução humana pelo Hospital Pérola Byington e pela clínica Alfa em São Paulo, no entanto, explica que o preço relativo dos tratamentos vem diminuindo, e que é justificável.  

“A questão de caro é muito relativo. No Brasil a maioria das pessoas tem acesso à saúde ou pelo SUS ou pelo plano. Então elas têm ideia que a saúde não custa nada”, afirma. “O tratamento de reprodução tem um tempo de uns 15 dias, com várias consultas, vários ultrassons, investimento em medicação, os ultrassons, o procedimento de aspirar o óvulo, de transferir, a parte do laboratório de reprodução - em que você tem a agulha que aspira, o cateter que transfere, a incubadora, o embriologista... são varias coisas envolvidas no tratamento”, explica.

“A gente compara [com o preço] há uns 20, 30 anos, quando começou, um tratamento custava o mesmo que um carro de luxo, como se fosse R$100 mil para a época. Há 10 anos, um tratamento custava como se fosse um carro popular. E hoje, um tratamento custa menos da metade de um carro popular. Se a gente comparar com os valores do carro, o tratamento está diminuindo”, garante. Atualmente, o coito programado custa de R$2 a R$4 mil. A inseminação intrauterina, cerca de R$5 mil, e a FIV, de R$15 a R$20 mil cada tentativa. 

Para longe das cifras e porcentagens, a reprodução assistida tem a ver com sonhos. E é por isso que os médicos precisam ser cautelosos. “Com a fertilização, a chance média de sucesso é em torno de 50%. Nos melhores casos a gente chega em 60%, com uma tentativa. Com três tentativas, temos uma taxa cumulativa de 95% de sucesso nos melhores casos”, garante Kabouk. “Mas a gente nunca sabe quantas vezes terá que fazer”, complementa Sebastião. “E não gostamos que o casal tenha dinheiro pra fazer só uma vez. Porque se eu faço, e não dá certo... a mulher fica deprimida. Temos que fortalecer a mulher pra isso, mas ela se frustra. E o médico não pode lesar. Eu não posso, como médico da reprodução, criar mulheres deprimidas”.

Para Daniela, que já chegou a seu limite, apesar de tudo o que passou, o processo lhe trouxe ensinamentos: “Hoje eu olho pra trás e vejo que eu sou uma pessoa melhor, porque eu sofri muito”, diz. “Eu já disse que eu queria ser mãe, que eu queria ser mãe de um bebê vivo, e hoje o entendimento que eu tenho é que eu sou mãe. Eu sou mãe de cinco estrelhinhas que estão no céu. Porque são o total das minhas gestações”, afirma. “Maternidade pra mim é o complemento de uma família. É poder plantar uma semente no mundo, poder me ver numa criança que cresce, poder passar os meus valores, as minhas crenças, e ver como eu cresci como ser humano através deste outro ser humano que eu posso chamar de filho. Eu penso na maternidade como um processo a dois. Complemento de um pai, com uma família, então quando eu penso em ser mãe, eu penso no meu marido, na minha casa, nos meus filhos pets que tenho em casa... é um conjunto muito amplo de fatores”.

Para Roseli, que conseguiu ter seu filho após sete anos de tentativas, a resposta não é muito diferente. “Eu amo ser mãe. Olho meu filho todos os dias, o beijo dormindo e agradeço a Deus porque eu sou mãe. Sou realizada com ele. Ele mudou a minha vida, agora eu sei o verdadeiro sentido do amor, sei o que é o amor de verdade”.

No final das contas, para elas, a batalha valeu a pena. Seja pelo caminho, seja pela chegada.
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