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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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'Colo vazio': fotógrafa passou por duas perdas gestacionais e encontrou acolhimento em grupo

Foto: Arquivo Pessoal

'Colo vazio': fotógrafa passou por duas perdas gestacionais e encontrou acolhimento em grupo
Quando busca formas de resumir a própria vida, a fotógrafa Glaucia Couto, de 38 anos, lista cinco pessoas: o marido, Erley, o filho Jorge Antônio de 10 anos, João Antônio, Laura e Matheus. Ela ainda se lembra dos mínimos detalhes e do desespero que sentiu quando perdeu João Antônio e Laura ainda na gestação. 

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Com o colo dos dois filhos vazio, Glaucia precisou enfrentar o luto e a falta de sensibilidade de pessoas que lhe disseram frases como: “ainda bem que a gestação ainda estava no início” ou “poderia ter nascido com deficiência”. Foi no grupo “Mães de Anjos”, criado pela enfermeira e doula Beluci Bianca, que a fotógrafa encontrou o acolhimento que precisava. 

"Todo processo de luto é muito dolorido, as pessoas acham que falar algo ajuda, mas não. Falar 'ainda bem que estava no início', 'Deus quis assim' ou 'vai que teria alguma síndrome' são os básicos que escutamos.'Você não pode sofrer', 'tem que ser forte'. Isso me fez entrar em depressão e ter crises mais crises de ansiedade que trato até hoje". 

O primeiro aborto de Glaucia foi o de João Antônio, em 26 de julho de 2017, exatamente um mês depois de descobrir a gravidez. A fotógrafa se lembra das datas com exatidão, afinal, a chegada do novo integrante era esperada ansiosamente pela família, principalmente pelo primogênito Jorge Antônio.

"Minhas amigas programaram tudo e no dia 14 de julho de 2017 descobrimos com um delicioso chá revelação que viria o João Antônio. Mais um menino para alegrar nossa casa. Ele foi muito pedido e desejado pelo irmão”. 

O dia 26 de julho de 2017 foi quando Glaucia descobriu durante uma ultrassom que o bebê não tinha mais batimentos cardíacos. A notícia foi informada de forma tranquila pela médica, mas fez o mundo da fotógrafa desmoronar. 

"Meu chão se abriu, escureceu tudo, mas a médica foi muito humana e disse: 'mãezinha, pode ficar na sala o tempo que precisar, sinto muito pela sua perda'. Eu só queria sair dali correndo. O pior ainda estava por vir quando contássemos para o irmão mais velho tudo que aconteceu". 

Mulheres que passam pela perda gestacional relatam que luto passo por série de invalidações. (Foto: Mães de Anjos)

Na época, o filho mais velho de Glaucia tinha apenas quatro anos, mas também se desesperou quando soube do aborto. Além de precisar acolher a tristeza do filho, a fotógrafa conta que se a incerteza dos próximos passos fez com o que o sentimento de medo crescesse. 

“Meu maior medo era de expulsão espontânea, por isso pedi para fazer a curetagem. Os medicamentos introduzidos para a dilatação não faziam efeito. Em 28 de julho de 2017, quando a médica chegou para fazer o procedimento, me informou que iria tentar induzir com mais medicação. Com isso minha curetagem foi agendada para a tarde". 

Enquanto o marido deixou o hospital para encontrar o filho na casa dos avós, Glaucia contou com a companhia de uma amiga. Quando foi ao banheiro, ela passou pelo processo de expulsão e, mais uma vez, se desesperou. Foi acolhida pela amiga e precisou ser corajosa para enfrentar a situação.

"Meu filho coube na palma da minha mão e, num momento único e só nosso, batizei ele com o nome que o irmão havia escolhido: João Antônio. Para mim, aqueles dois ou três minutos, foram os mais longos da minha vida".

Glaucia precisou ser levada ao centro cirúrgico para passar por um procedimento por conta do aborto. Nos meses seguintes, ela precisou passar pelos momentos depressivos provocados pelo luto, mas reforça que João Antônio esteve sempre na memória. 

“Agora somos 5”

Em 23 de agosto de 2018, a fotógrafa descobriu que estava grávida pela terceira vez. Ela lembra que só foi fazer um exame, mesmo sem estar com a menstruação atrasada, por conta dos pedidos do filho, que dizia para a mãe que ela estava grávida.

"Veio mais um positivo. Ele [o filho mais velho] dizia o tempo todo que era uma menina e se chamaria Laura. Fiz uma surpresa para o meu marido quando ele chegou de viagem com um balão escrito: agora somos 5. Não contei ao meu filho por receio dele sofrer caso algo de errado acontecesse".

Menos de um mês depois de descobrir a nova gestação, Glaucia teve um sangramento do "tamanho de um grão de arroz", mas que a fez gritar como a plenos pulmões, já que temia por, novamente, passar pela perda gestacional.

A fotógrafa foi para o hospital no mesmo momento e fez uma ultrassom. No final do procedimento, recebeu o resultado que informava um "possível abortamento".

"Não caía a ficha. 'De novo não, comigo não". Voltei ao outro hospital e o médico já queria fazer a curetagem. Disse que não, que levaria o exame para minha médica, porque o laudo estava inconclusivo, 'possível abortamento' não diz nada, pode ser que sim ou que não".

No dia seguinte, Glaucia procurou a médica de confiança, que realmente constatou a perda gestacional. Uma biópsia constatou que ela, de fato, estava grávida de Laura, assim como o filho mais velho afirmava há dias.

"Muito tempo depois, em um encontro de mães de anjos resolvi contar ao meu filho que havíamos perdido uma menina também. Ele muito tranquilo disse: 'eu sabia'. Eu chorei com ele naquele dia. Agora tínhamos a Laura inclusa também nas orações. Tínhamos dois anjos". 

Glaucia passou pelas perdas gestacionais de Laura e João Antônio antes de engravidar do bebê arco-íris. (Foto: Arquivo pessoal)

O arco-íris 

Depois de enfrentar mais um processo de luto, Glaucia decidiu engravidar novamente, mas em agosto de 2019 foi surpreendida com a notícia de que estava com câncer. Com a "cabeça a mil", como define a fotógrafa, ela precisou enfrentar o tratamento necessário. 

Em dezembro do mesmo ano, Glaucia descobriu a quarta gestação. No final do período turbulento que precisou enfrentar, ela foi surpreendida mais uma vez, mas agora com a chegada de um arco-íris, como são chamados os bebês que nascem depois de perdas gestacionais.

"Era o meu bebê arco-íris, minha riqueza... Curtimos cada detalhe da gestação. Hoje o Matheus tem dois anos e oito meses. Nosso pingo de gente". 

Glaucia conta que busca não associar datas como o Dia das Mães a sofrimento. "Curto meus meninos e meus anjinhos e pronto". Para a fotógrafa, o grupo Mães de Anjos foi essencial para passar pelas dificuldades que antecederam a chegada de Matheus.

"O grupo me deu um norte e a vontade de seguir, de tentar sempre. Esse grupo é muito importante para mim. Tem dias até hoje que somente lá falamos 'hoje estou com saudade', 'hoje ele estaria com quatro ou cinco anos'. Somos ouvidas e validadas. Não ligo a data com sofrimento. Tudo tem seu propósito". 

Mães de Anjos

Apesar de não ter passado por uma perda gestacional, Beluci sentiu necessidade de estudar sobre o tema para aprender a acolher mulheres que estavam passando pelo luto materno. De acordo com ela, dados constatam que de dez mulheres, quatro podem passar por uma perda durante a gestação. 

“No final de 2016, uma amiga minha e do meu marido teve uma perda muito traumática. Foi quando decidi que precisava entender como poderia ajudar essas mães. Comecei a estudar e fui acolher as mulheres mais próximas de mim. Comecei a acolher essas mulheres e abri o grupo”. 

A doula explica que a maioria das mulheres que chegam no Mães de Anjos não receberam acolhimento de profissionais de saúde durante o procedimento, seja de curetagem, parto normal ou cesárea, além de terem a dor invalidada pela sociedade. 

“Às vezes, em vez de ajudar, acabamos prejudicando esse processo de luto que essa mulher precisa concluir com frases erradas. Hoje em Cuiabá o único que acolhe é o Hospital Santa Helena, eles têm uma psicóloga que conversa e encaminha para o grupo, além de abrirem para irmos lá. Vai de cada gestão, porque não existe uma lei”. 

Decisões como possuir um leito específico para mulheres que passaram pela perda gestacional não são a realidade. Ela explica que apenas o Hospital Santa Helena possui esse tipo de acolhimento para as gestantes. 

“Acaba que colocam uma mulher que está perdendo o filho no mesmo leito que uma que acabou de ganhar o filho. Ela está chorando porque o filho dela acabou de morrer e colocam do lado de uma mulher que está super feliz com a chegada do filho. São essas pequenas atitudes e sensibilidade que não existem”. 

No grupo, a dor das mães que enfrentam o luto é validada, conta a enfermeira, que busca oferecer a escuta especializada para que as mulheres passem pelo processo de “ressignificação do luto”. 

“Elas se sentem mais fortes para dar o próximo passo. Falamos que depois do processo de luto ela precisa voltar a viver, mas ela não vai ser como antes, vai existir a saudade do filho, mas ela vai escrever uma nova história. Então, elas conseguem sorrir após a perda de um filho e conseguem enxergar um futuro mesmo diante de uma perda”. 

Para os que conhecerem mulheres que já sofreram perdas gestacionais em datas como o Dia das Mães, Beluci aconselha que basta "lembrar que ela é uma mãe". 

“Não fale frases prontas, fale que você sente muito e que não tem ideia do que ela está sentindo. E reconheça que ela é uma mãe no Dia das Mães, mesmo ela não estando com o filho nos braços. Independente de estar com o filho aqui, ela tem um amor imenso. Falamos que o amor de mãe é eterno e esse filho será lembrado para sempre”. 
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