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Terça-feira, 16 de abril de 2024

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Ricardo Guilherme Dicke: um nome que ecoa eterno pela literatura de gigante

Foto: Reprodução

Cena do documentário

Cena do documentário

Sua imagem cresce diante de mim, imponente e serena. O contraste de um gigante. E me olha com seus olhos pesados, cadenciados, que desejam algo que não tem nome. Deseja algo além da própria vida. Deseja todas as suas letras. E apenas o que escuto é o bater na máquina de escrever. Pesado como a sua partida, sem despedidas. Nasceu em Chapada dos Guimarães, morreu em Cuiabá e carregou o peso do mundo em suas palavras. Ricardo Guilherme Dicke é seu nome.

Um nome que ecoa por toda a eternidade. Romances, poesias, e até peças de teatro. Autor de Cerimônias do Esquecimento, Madona dos Páramos, O Salário dos Poetas, Rio Abaixo dos Vaqueiros, Deus de Caim. Biscoito fino, para poucos, como diz os conhecedores de suas obras. É grande. Maior que o Brasil, maior que a si próprio. Morreu calado em Cuiabá em 2008. E as lágrimas desta ausência não irão cessar.

Os que puderam conhecê-lo de perto ressaltam a sua aura no fim da vida, cansado de viver, mas em paz com suas inquietações. Este eu conheci. Estive em sua casa, olhei seus manuscritos e em seus olhos. Tive a oportunidade única de transcrever Deus de Caim no ido dos meus 15 anos. Com 71 anos, sua dicção estava em parte comprometida. Era preciso muito atenção para captar seus pensamentos, traduzir a sua alma.

Posso dizer que Dicke transcorreu pelas minhas veias e através de meus dedos ganhou vida novamente. Uma vida que não irá me deixar. Às vezes quando me coloco a escrever, posso sentir a energia poderosa de Deus de Caim. Posso sentir que estas palavras tocaram fundo em mim e estarão presentes aqui e ali na minha trajetória. 



“Na rede Lázaro. Zumbidos. O irmão morto na rede. O mundo rodeando sua roda indiferente. As moscas voavam lentas e pousavam na cara dele. Não se importava, Lázaro morto, narinas paradas. Todos os telégrafos diziam: Lázaro morreu e vai ser enterrado. Para sempre. Antigamente, diziam, havia a ressurreição. Agora não. Agora a sombra que abandona este reino de sombras, caminha para sempre só, num outro reino de sombras ainda mais solitárias. Só, como um rei perdido, só, sem reinado, na essência redonda da morte. Tão fácil, morrer”, primeiro trecho do primeiro capítulo de Deus de Caim.

“Há silêncios que falam e há silêncios que escutam”, “Deus é um grande mágico que fabrica realidades”. Frases suas ampliadas em poesia no documentário “Cerimônias do Esquecimento” de Eduardo Ferreira, amigo íntimo do escritor, e também o Lorenzo Falcão que interpretou Dicke mais novo, outro amigo e companheiro de letras. Ouço suas histórias sobre ele e sinto a falta que sentem das conversas no fim da tarde, de dividir lembranças.
Prefiro não arriscar conjecturar porque tanto cansaço no fim da vida, talvez seja a desesperança que acompanha todo escritor, ou as memórias que se acumulavam e doíam em seu peito, ou ainda, quem sabe seja o fato de que Dicke, um dos maiores escritores da literatura brasileira, morreu esquecido. Era considerado por Guimarães Rosa, Antônio Olinto, Jorge Amado e Hilda Hilst como um dos gigantes da literatura mundial.

Lembrado pela imprensa a nível nacional no caso de seu falecimento e com os louros que mereceu na sua terra natal. Mas o problema não é esse. O problema são as inúmeras obras que estão esquecidas dentro de suas antigas gavetas. Os volumes sem edição. As palavras guardadas. E Dicke as soltou para estarem libertas, mas, elas ainda não encontraram seu caminho.

O grito de Dicke é para continuar a viver. É para que as suas palavras sejam perpetuadas na história. O grito é a luta para não esmorecer. Para continuar grande, mesmo com todo o cansaço. É gritar fundo para sentir a alma doer. Dicke ainda grita. Seus escritos gritam na gaveta, se sacodem e querem fugir para o mundo. O seu lugar, o mundo.

“No fundo não se assustava. Sabia o que era a morte. Viviam dentro dela, respirando vida, mas tudo era estar-se para morrer, nada mais. Tinha de ser”, de Deus de Caim.

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