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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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A Era de Ouro cuiabana: Zelito Bicudo compositor de rasqueado, poeta, escritor e advogado

Foto: Arquivo Pessoal

Zelito Bicudo em valsa com a esposa Niza

Zelito Bicudo em valsa com a esposa Niza

Com a vitrola dançando sobre o disco, a sua primeira neta, Júlia, uma pequena criança com olhos curiosos e questionadores, se encantava com os vinis de chorinho apresentados pelo avô, que lhe abriram um mundo novo de imaginação. Um amante da música, da literatura, da poesia e das artes em geral, Zelito Bicudo (1922-2000) incitava o amor à criatividade em todas as suas formas. Um homem excepcional, arrisca a adjetivar o pai, a filha mais velha Verônica. Um homem que acreditava que abrir as portas para novos universos não só era possível, mas necessário.

Uma vida riquíssima em múltiplas experiências. Um homem à frente do seu tempo: saiu de Santo Antônio do Leverger, sua cidade natal, para estudar Direito no Rio de Janeiro (coisa rara para a época), e acabou ficando por lá por 20 anos. Foi delegado da Barra da Tijuca e diretor de censura tendo trabalhado durante o governo de Getúlio Vargas. Retornou à Cuiabá para atuar como secretário de Segurança no governo de João Ponce de Arruda.

As memórias dos familiares revelam a sensibilidade única deste homem que criou o hino de Santo Antônio do Leverger, figurou entre os compositores do rasqueado cuiabano e incentivou a cultura e a arte como pode, principalmente, aos que estavam sempre perto de si. Outras composições como “Cuiabá dos meus amores” e “Garota Poconeana” marcaram a vida de Zelito.

São muitas recordações: caixas e mais caixas de memória que estão guardadas. Verônica explica que mexer neste passado causa uma emoção muito profunda (irão se fazer 14 anos desde a morte do pai), mas, ao falecer, Zelito deixou muitos escritos, são poemas, contos e músicas (um espólio que deve possuir verdadeiros tesouros).

Era um contador de ‘causos’. Viveu muito e perpassou por diversas experiências. Lá do Rio de Janeiro contou para a filha Verônica como um homem matou um ladrão que entrou em sua casa, ao se abaixar para ‘calçar’ o chinelo e pegar um revólver de duas balas e disparar contra o infrator. Zelito se assustou com o sangue frio.

Talvez tenha se assustado com a crueza humana por possuir dentro de si, um sentimento forte de acreditar na vida que permite tanta beleza e arte.

Lia dois livros ao mesmo tempo, podia ser política e romance, e os terminava em uma semana. Sua leitura acabava sendo antagônica, assim como sua vida: trabalhou como promotor e procurador-geral do Estado, atuava no Ministério Público, gostava de debater política, mas não queria atuar nesse campo. Era especialista em direito do trabalho, e quando se aposentou começou a ensinar pupilos, um desses é o atual procurador-geral do Estado, Paulo Prado.

Foi um dos fundadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) onde ministrou aulas de direito, e era conhecido como professor Cátedra. Era amigo de Silva Freire e Aníbal Bouret (os três mosqueteiros inteligentes de Cuiabá). Também foi amigo de Rubens de Mendonça, um dos maiores historiadores do Mato Grosso. Por isso, colecionava muitas histórias e estórias. Vivia em um mundo fantasioso, mas ao mesmo tempo, realista, com os pés no chão. Queria abrir as portas para todas as possibilidades.

Mas sua paixão nas artes não se limitava só a música e a literatura. Ia muito além, cultuava a cultura global e regional em todas as suas formas. Era um apaixonado por cinema. Verônica recorda do primeiro filme de Charles Chaplin que viu com o pai, que a acordava nas madrugadas para ver os clássicos que passavam na TV. À época como diretor de censura no Rio de Janeiro, pode ver muitos filmes nacionais e internacionais.

E Zelito Bicudo me parece assim: contemplativo, sério porém sereno, e imaginativo, com estórias guardadas na cartola que se encaixavam em cada situação. Gostava muito dos ribeirinhos, e toda a família era do “Rio Abaixo”. Colecionava antiguidades, até aquelas que encontrava nos quintais das casas cuiabanas. E imagino que com toda sua reverência, transcorria Cuiabá como se a cidade fosse completamente sua.

Com o ritmo do rasqueado na cabeça, e as letras que corriam soltas e se formavam em rimas, Zelito Bicudo não era só advogado: era um poeta, um artista, um espírito livre que encontrou a arte e o amor, nas margens do rio que tanto venerou.
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