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Sábado, 20 de abril de 2024

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José de Mesquita: a maior herança de Mato Grosso era escritor, poeta, advogado e historiador

Foto: Reprodução

José Barnabé de Mesquita presidindo a Corte de Apelação em Cuiabá

José Barnabé de Mesquita presidindo a Corte de Apelação em Cuiabá

Semana atribulada, na quinta-feira a noite pensei: Ícones Cuiabanos. E agora? Sobre quem falar? E eis que meu pai surge com um nome. Recorri a minha memória e pensei que já havia estudado sobre. Abri as páginas do livro de Yasmin Nadaf “Rodapé das Miscelâneas” (utilizado em minha monografia sobre literatura e jornalismo), e o encontrei, com seu nome quase a pular da página: José de Mesquita, a maior herança. Poeta, cronista, jornalista, historiador e genealogista. Ah, e não podemos esquecer que era formado em direito pela USP e presidiu o Tribunal de Justiça de Mato Grosso por 11 anos consecutivos.

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Sua biografia é extensa. São inúmeras atividades realizadas ao longo de sua vida (1892-1961). Um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (1919) e da Academia Mato-grossense de Letras (1921), a qual presidiu até a data de sua morte. Foi procurador-geral do Estado, professor de português, condecorado pelo Papa Pio XI com a Comenda da Ordem de São Silvestre e foi o mais profícuo escritor de Mato Grosso, tendo publicado mais de 30 obras. Escreveu crônicas, ensaios e críticas.

Povoou o embrião da imprensa mato-grossense com suas palavras que se libertavam nos textos. José Barnabé de Mesquita possui o mesmo nome do pai e é meio irmão de Dom Aquino Côrrea. Mas, agora quero falar um pouco sobre aquilo que José de Mesquita fez pousar na pena e revelar a essência da sua alma poética e apaixonada. Era nacionalista de verde e amarelo, mas também sabia quando ensejar em suas palavras críticas, como crônica publicada no jornal católico A Cruz e que pedia ao poder público, um olhar mais atento para Cuiabá. José de Mesquita reivindicava arborização, transporte público e espaço de lazer e cultura para os cuiabanos.

Para escrever suas crônicas, Mesquita utilizava pseudônimos. Já foi Hélio Maia e Marciano, mas nunca deixou de ser Barnabé. E fez reflexões filosóficas sobre o homem e a vida e também o processo de criação literária. “Falou, por exemplo, das características comuns ao ser, tais como o egoísmo, a vaidade, o desamor ao passado, e censurou-as, discorreu sobre a paixão e a dor, (...) apontou para as semelhanças existentes entre a viagem tênue e efêmera da vida e a viagem de trem – ‘da estação inicial – o berço, à terminal – a tumba’”, destaca Nadaf em seu livro.

Mesquita também publicava resenhas críticas de obras literárias brasileiras e estrangeiras. Em seu trabalho na imprensa, Mesquita fundia o humor ao sério e a imaginação à realidade, sempre com uma linguagem clara e simples, em que chamava o leitor de amigo. Para despertar a curiosidade dos leitores dava graça e vida ao texto como quando conversou com um vaga-lume. Mas, ia além, sempre além, e trazia reflexões de forma natural quando citava Ibsen, Montaigne, Hamlet e Moliére, bem como os brasileiros Cruz e Souza, Olavo Bilac, e principalmente, Machado de Assis.

Realizou o registro da história empírica de Mato Grosso nos séculos XVIII e XIX e que foi publicado pela Prefeitura de Cuiabá em 1978. Completamente apaixonado pelo saber, pelas letras, pela poesia, arte, vida. Falar de José de Mesquita não é fácil devido à sua grandeza. Parece que os sentidos fogem das palavras ao tentar descrever qualquer pedaço de sua memória. Não me atrevo a ir além, deixo que os feitos de Mesquita falem por si só.

“A eternidade da Poesia se afirma, em que pese aos espíritos materializados e monetizados, que só ouvem a sonância do metal e só tem receptividade para as puras impressões sensoriais. Ainda é a alma, que domina, estes duros tempos de tanques, bombardeios e paraquedismos. O homem do século XX não se animalizou de todo – e disso dá prova a evasão espiritual para um mundo melhor, de que uma ou outra vez, nos falam os Poetas dignos desse nome (...) A Poesia – insisto – é eterna. Só ela, e a Música, sua irmã-gêmea, tem o dom de reconciliar-nos com a vida (...) O sofrimento universal me fazia ver quão pequeno é o nosso próprio sofrimento. A esperança universal me abria clareiras novas na minha quase apagada confiança. Os Poetas são os magos da vida interior. E só a Poesia – filha do Amor e da Fé – tem o dom de cicatrizar as feridas mais fundas que a vida vai abrindo em nosso meio...”, sonhava o poeta em meio ao caos da Segunda Guerra Mundial.

Civitas Mater
[A Cuyabá]

Meu carinho filial e meu sonho de poeta
vêm-te, ó doce cidade ideal dos meus amores,
em teu plácido valle, entre collinas, quieta,
como um Éden terreal de encantos seductores

Tuas várzeas gentis estrelladas de flores
sagram-te do sertão a Princesa dilecta
e o sol te elege, quando, em íris multicores,
na esmeralda dos teus palmares se projecta.

Nenhuma outra cidade assim á alma nos fala.
Dos teus muros senis a tradição se exhala
e a nossa Historia inteira em teu brasão reluz.

Ainda hoje em teu ambiente, ó minha urbe querida,
paira dos teus heróes a sombra estremecida
— nobre Villa Real do Senhor Bom Jesus!

- José de Mesquita, em "Terra do Berço". Cuiabá: Escolas Profissionais Salesianas, 1927. (grafia original).



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