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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Bar do Bip Bip traz a alma do Rio de Janeiro e se confunde com a história do Brasil

Foto: Reprodução

Bar do Bip Bip traz a alma do Rio de Janeiro e se confunde com a história do Brasil
A noite na esquina da rua Almirante Gonçalves, no bairro de Copacabana, do Rio de Janeiro, ouve-se apenas um silêncio. Ao longe um grupo de pessoas em pé em volta de um pequeno estabelecimento comercial. A música chorada que sai da roda do bar do Bip Bip só pode ser contemplada por ouvintes realmente interessados pela arte, o som não ecoa além da calçada do boteco.

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Aos que insistem em utilizar o ambiente para jogar conversa fora são convidados a saírem da roda depois de levar um frenético esporro dado por Alfredo Melo, o Alfredinho, dono do bar mais tradicional do Rio de Janeiro.

Coincidentemente o Bip Bip foi inaugurado no dia 13 de dezembro de 1968, no mesmo dia em que o governo brasileiro publicava o decreto que instituía o “Ato nº 5”. O decreto não só fechou o Congresso como também estabeleceu uma rígida censura no país. A austeridade que era imposta a toda população acabou por obrigar os frequentadores do boteco a adotarem uma postura mais reservada.

Assim, prevaleceu o tradicional costume de celebrar a música com estalar dos dedos ao invés das palmas. Se antes era proibido fazer barulho devido ao governo, a restrição permanece segundo as regras de Alfredinho, que cuida para não incomodar os vizinhos. Por isso, ele não perdoa os barulhentos e manda-os calarem a boca assim que são flagrados por seus olhos que já contam mais de 70 anos de idade.

Bip Bip não é tradicional porque foi eleito pelo grande público e nem por revistas conceituadas. Ele é clássico por sua própria história e seu principal personagem é seu dono. Socialista declarado, Alfredinho não perde a chance de alternar um esporro e um discurso em todas as noites em que o bar é aberto. Lições de solidariedade, gentileza, respeito e amizade são ensinadas por ele, que, com o dinheiro do bar ajuda mais de 40 famílias carentes.

Além desse gesto, Alfredinho não abandona suas origens. O que os novos visitantes enxergam como rusticidade, para ele é o normal que não precisar ser mudado, pois funciona. Somente uma caneta e um caderno colocados em cima de uma mesa na porta do bar é o suficiente para controlar a retirada da cerveja ou cachaça feita diretamente pelos clientes. Eles precisam apenas mostrar o produto retirado ao dono do bar que se encarrega de lançar nas comandas dos clientes.

Basta apenas dizer o primeiro nome, Alfredinho tem olhos atentos e logo associa o nome a algum apelido, seja por uma vestimenta, ou algum episódio decorrido no bar, como, por exemplo, ao de alguém que foi embora sem pagar a conta e quando voltou, mesmo pagando, já tem seu novo nome na comanda, “esse ai é o caloteiro”, diz Alfredinho, que não perde a chance de sempre criar um personagem aos frequentadores assíduos de seu bar.

Não há luxo no lugar. O espaço é pequeno e dentro do bar ficam apenas os músicos que se revezam ao redor da mesa de samba. Um dia ou outro, algumas visitas ilustres aparecem, músicos consagrados como Beth Carvalho, Zeca Pagodinho e outros dão uma palhinha por lá. Afinal, alguns dos grandes sucessos do samba de hoje tiveram o Bip Bip como o palco principal.

Mesmo consagrado pela tradição conquistada, hoje o dono do bar ainda precisa lidar com o “sistema impositivo e excludente”. No início deste ano, Alfredinho foi proibido de colocar suas míseras quatro ou cinco mesas na calçada em frente ao bar, devido a uma restrição da prefeitura do Rio de Janeiro.

“Mas eu não vou me render ao suborno, não vou me vender, estou tentando junto à prefeitura a liberação das cadeiras e mesas, mas se isso não for possível, infelizmente, minha gente, eu terei que fechar. Pois, não dá para continuar sem dar um devido conforto aos meus clientes”, discursou Alfredinho diante de uma platéia incrédula de que o fim do Bip Bip poderá acontecer.
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