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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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O Bugrinho apaixonado por Cuiabá e pela vida: Silva Freire o poeta do cerrado é eterno em lembranças

Foto: Marianna Marimon

Livro de Daniela Freire sobre o pai

Livro de Daniela Freire sobre o pai

Um homem que perseguia utopias. Um homem que acreditava na vida, no ser humano, no amor, na igualdade. Um homem que perseguia sonhos e os delineava no papel em seus poemas que engoliam o sentido do mundo. Um homem que acreditava tanto em suas ideias e ideais que foi preso pela Ditadura Militar em 1964, pelo período de mais de 50 dias. Um homem com o nome de São Benedito para pagar promessa da mãe ao santo ‘neguinho’, e Sant’Ana pela devoção à santa. O nome deste homem é Benedito Sant’Ana da Silva Freire, mais conhecido como “Bugrinho”.

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Filho de Joanna e Randolpho, o Bugrinho nasceu em Mimoso (MT) em 20 de setembro de 1928 e faleceu aos 62 anos, em 11 de agosto de 1993. Agora, a data do seu nascimento é celebrada como o Dia do poeta mato-grossense. Falar de Bugrinho não vai ser fácil, mas para essa empreitada contei com as lindas histórias guardadas por Leila Freire, sua companheira até os últimos dias de vida.

O chamavam de escultor de palavras. E deste escultor que esculpiu lindos poemas sobre o cerrado, o Bom Clima de Cuiabá, a infância, a devoção, o amor, os filhos, Leila. Talvez o episódio mais emblemático de sua vida que traduza realmente quem é, seja o da prisão pela ditadura militar.

Considerado o ‘cabeça’ em Mato Grosso, Silva Freire, foi preso simplesmente por acreditar que os homens são iguais, que a riqueza deve ser dividida, que devemos perseguir os sonhos. Não era comunista, apesar de quererem taxá-lo como tal. Era apenas um idealista, um apaixonado em viver, que queria distribuir seu empenho para colorir o mundo. As notícias do que acontecia lá fora, chegavam por bilhetes guardados na gola da camisa ou na manga do pijama que a família levava durante as visitas.

Antes tinha orgulho de dizer que os direitos políticos haviam sido cassados durante a “Revolução Militar”, mas, depois que começaram a cassar por corrupção, o Bugrinho se decepcionou. Não tinha mais orgulho. E assim Leila percebeu a integridade absoluta do marido.

Bugrinho desenhava com as palavras. Ao lado de Wlademir Dias-Pino e como dizia “vomitou o intensivismo” em Cuiabá. Na juventude, com apenas 14 anos, Silva Freire e Dias-Pino já faziam jornais na madrugada adentro e distribuíam pela cidade, foi assim que nasceu: Sarã, Arautos da Juvenília e o Japa.

Mas Silva Freire não era só poeta e escritor, era professor e um dos fundadores da faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), da qual teve que se afastar por 10 anos devido ao episódio militar.

Era homem trabalhador: vendia os doces que a mãe fazia, foi açougueiro, contínuo do Ministério do Trabalho, foi pro Rio de Janeiro onde se formou em Direito, virou professor e advogado. Foi presidente da Ordem dos Advogados de Mato Grosso, atuou na União Nacional dos Estudantes (UNE) quando estudava fora (um dos motivos para ter sido perseguido durante a ditadura), e ainda ocupa cadeira na Academia Mato-grossense de Letras.

E na sua trajetória também fundou o Teatro Afro-Brasileiro, escrevia poemas, críticas e distribuía pela cidade. Ficava hipnotizado em gráficas, e também atuou como jornalista. Foi diretor da Caixa Econômica Federal e abriu crédito para os pobres, também fez projeto social para presídios.

Mas o principal, Bugrinho era apaixonado por Cuiabá “pátria minha, do meu coração”. Com uma preocupação profunda com a arte a consciência cultural do povo e sempre reverenciava as raízes do Brasil: os negros e os índios.



Tentou entrar na política, mas não logrou êxito. Se apaixonou por Leila e logrou êxito em quatro filhos: Daniela, Larissa, Murillo e Glenda. Escreveu poemas para todos. O peito inflava de amor. Na casa da família, o pé de caju ficou murcho e triste com a partida do Bugrinho, nunca mais deu frutos.

Sempre foi um sonhador, perseguia a utopia, disse o amigo Gabriel Novis Neves. Trabalhava pelos excluídos, pelo direito de todos, acreditava que o homem merecia ser tratado como igual em todas as esferas, não aceitava as misérias da vida e lutava contra elas. Por isso foi perseguido na ditadura. Não era comunista. Era nacionalista e progressista.

Era um boêmio. Lapidava as palavras em poemas na mesa de bar. Com seu chapéu panamá e camisa de linho branco mesclava entre o homem ativo na cultura, na política e no social, com o chefe de família.

E depois de me mostrar tantas lembranças, Leila me olha e diz que era na cama que a família se entendia, que quando o Bugrinho chegava em casa e deitava no colchão, os filhos o rodeavam para contar sobre o dia a dia, para resolver os conflitos, compartilhar os sonhos. E com os olhos cheios de saudades ela me diz: “Agora que eu reparei, estamos aqui vendo o filme da vida dele, falando sobre ele, e você está deitada no mesmo lugar que ele dormia”.

E ela ainda acredita em sonhos, porque o Bugrinho nunca deixa morrer a chama da crença, e quando deita a cabeça no travesseiro, Leila relembra o baile do Carnaval onde se conheceram, da filha Larissa sentada na cama de bruços lendo poemas para o pai, e que os dois caiam na gargalhada, do cajueiro, da casa, das promessas, da história, de todo o amor. E fecha os olhos serena, pois sabe que o Bugrinho, nunca vai sair dali: o coração.
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