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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Destemido, irreverente e sarcástico: Jejé de Oyá, o colunista social que apavorou Cuiabá por mais de 30 anos

Foto: Reprodução

Destemido, irreverente e sarcástico: Jejé de Oyá, o colunista social que apavorou Cuiabá por mais de 30 anos
Sua presença é cheia de irreverência e a memória de sua figura evoca diferentes cores, que combinam com as suas vestimentas em estilo bizantino, mas destoam daquele lugar-comum cheio de referências do passado. Sua presença é ainda moderna, porque a autenticidade não se perde com o tempo, apenas se acentua e se concretiza. E foi assim com sua personalidade. Antes, poderia ser enquadrado como mais um enjeitado pela sociedade, porém, sua história foi diferente. Ao desafiar tudo e todos, romper com os padrões morais e revelar as facetas da conhecida cuiabania, teve que se desfazer da sua roupagem tradicional e inventar um personagem. Personagem este que se transfigura em ícone e se perpetua no imaginário popular da cidade. Nascido José Jacinto Siqueira de Arruda será sempre lembrado como o Jejé de Oyá.

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O mais famoso colunista social de Cuiabá que desafiou a conhecida cuiabania, a tradicional elite da capital de Mato Grosso, com o poder econômico, social e político, Jejé de Oyá é temido. Conhece como poucos as nuances das principais famílias do Estado, que fizeram história nesta terra, em diferentes espaços e cenários. Jejé se aventurou a narrar este cotidiano social, as festas, os ‘bafos’, e declarou em entrevistas que se fosse escrever um livro, estaria morto no primeiro parágrafo.

Os mistérios e segredos de Jejé de Oyá serão levados para o túmulo. E porque evocar o seu personagem nesta sexta-feira, 28 de fevereiro? Por que o carnaval chegou. E não há figura melhor para representar a folia que toma conta das ruas cuiabanas, do que um dos personagens mais irreverentes oriundos da nossa Cuiabá.

Jejé de Oyá é homossexual assumido, negro e nasceu pobre, mas acabou sendo adotado por uma família cuiabana, já que sua mãe não tinha condições de cuidar dele por ser doente mental. Eu não o conheci, e sei que está nos momentos finais da sua vida, mas o imagino sarcástico, com a ironia correndo-lhe pela boca, e as sacadas e tiradas que deixavam os figurões de cabelo em pé. Jejé de Oya é homossexual, mas é cabra macho, afinal, mexer com tanta gente poderosa, como ele sempre fez, não é para qualquer um.



Podemos dizer que durante os 30 anos que fez colunismo social em Cuiabá, Jejé foi destemido e por isso se tornou temido.

Nascido em Rosário Oeste, veio para Cuiabá ainda criança, com apenas quatro anos de idade. E por ser adotado, pode estudar em uma escola particular e depois optou por fazer sapataria na Escola Técnica Federal, antiga Escola Industrial de Cuiabá. Mas, devido a ‘sujeira’ e cheiro incomodo da cola de sapateiro, Jejé optou por mudar para a alfaiataria, pois, era mais chique. Depois, devido a sua língua ferina ao delatar a postura incorreta de um professor para sua esposa, teve que terminar o curso de alfaiataria na Escola Profissional Salesiana, hoje Colégio São Gonçalo. E fez todo o tipo de vestimenta, inclusive para Dom Aquino Côrrea.

Porém, o sonho da vida de Jejé contrasta com a sua própria história, pois, destoa daquilo que representou. Seu sonho era ser padre. Vestir a batina e realizar missas. Este era seu desejo desde criança, e do mesmo jeito que sonhou, viu tudo se evaporar, quando fez o internato de cinco anos na Escola Salesiana. No último ano do curso cometeu um sacrilégio: colocou as vestimentas do padre e começou a rezar a missa em latim. Quase foi expulso do colégio.

A caracterização de seu personagem como colunista social foi acontecer lá no fim da década de 1960, quando começou a frequentar festas e conhecer as pessoas. Jejé gostava era de participar dos grandes bailes, como o Operário e no Clube Feminino, e neste último chegou a sofrer discriminação por ser negro. Não deixavam Jejé adentrar a pista de dança, só podia ficar se permanecesse sentado, como um eterno observador, sem poder fazer parte da folia.

Foi assim que decidiu escrever sobre tudo o que via e ouvia, e assim nasceu o colunista Dino Danuza, um pseudônimo para protegê-lo. Logo descobriram o disfarce e Jejé Oyá incorporou o seu personagem principal para sempre: ele próprio. De José para Jejé, se transformou em um arquivo vivo sobre tudo o que acontecia em Cuiabá.

E conheceu tudo e todos, através de um universo festivo e desejado. Jejé vivenciou tudo de perto, com seus olhos curiosos e transcreveu com ironia para revelar um mundo que era fechado em um pequeno círculo e o expandiu para toda a cidade.



O Diário de Cuiabá fez uma enquete por volta dos anos 90, e por maioria do povo cuiabano, Jejé Oyá foi eleito a personalidade que tem a cara da cidade.

Festivo, odiado por muitos, mas venerado por todos, Jejé de Oyá será sempre lembrado pelo colorido das roupas, pelo brilho no olhar, pela escrita ferina que destilava o veneno e a realidade daqueles que não queriam se enxergar neste espelho social.

Jejé é um símbolo porque é negro, é homossexual e ainda assim, desafiou uma capital patriarcal e não se recolheu. Jejé representa Cuiabá porque é desbocado, com o linguajar puxado, e é a cara do povo que só quer ser lembrado, como parte preponderante, de toda boa história, mito, ou lenda que circunda tantos mistérios nesse cerrado.

Destemido, levanta da cadeira sem se importar com preconceitos, e toma seu espaço definitivo na dança do baile da vida.
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