Olhar Conceito

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Notícias | Ícones Cuiabanos

ícones cuiabanos

Com a missão da música e da arte, Professora Pitu, é Zulmira Canavarros com sua alma de poeta festiva

04 Abr 2014 - 14:50

Especial para o Olhar Conceito - Marianna Marimon




(Leia a matéria enquanto escuta a música inspiradora) 

Maria Luiza rodeada dos filhos com os pequenos olhos de crianças curiosas que ouviam atentos as histórias sobre a avó: uma mulher ousada com um coração sonhador em uma época arraigada em tradições e normas. Compositora, pianista, professora, com a literatura e as peças de teatro. A Egéria Cuiabana, a mulher que inspira e transpira ainda que já tenha se ido há muito tempo. Sua história permanece na memória, na tradição, de se sentar nas portas dos antigos casarões cuiabanos e contar e recontar os causos. Conhecida pelos alunos como Pitu, sua missão era ensinar, elevar, revelar. Levava o piano em um caminhão para tocar nas periferias, para alcançar as pessoas com a poesia da música. A sua memória ficou e se perpetuou como mais um dos ícones cuiabanos. A professora Pitu, compositora, uma das fundadores do Mixto Esporte Clube, do Clube Feminino, é Zulmira Canavarros (1895-1961).

Leia também: O lirismo, a poesia e a religião marcaram a vida de Dom Aquino Correia cuja trajetória se inspirou nas palavras divinas

Os relatos são de uma mulher intensa, dotada de inteligência e uma pitada de ousadia, que a fazia circular entre espaços que eram negados à figura feminina. Rompeu o padrão do seu tempo e ao lado do seu marido, Danglars Canavarros, o neto Gilberto lembra que das histórias da mãe, o apoio e a liberdade que tinham em seu casamento, a fizeram ser o que deveria ser. Em busca de seus sonhos, capaz de doar-se ao próximo pela sua própria realização.

Para demonstrar a ousadia da Professora Pitu, um dos seus trabalhos que mais chamou a atenção foi a peça “A noiva e a égua”, em que mostra sua visão de como eram as mulheres ‘noivas’, criadas para serem submissas e as mulheres ‘éguas’, que foram as rebeldes na época. E era com esse espírito libertário que palpitava em seu peito, que compunha peças como a que ouço para escrever sobre ela. “Recordação de amor”.

Era Zulmira quem dava vida ao cinema mudo, e era considerada uma das manifestações culturais mais expoentes na década de 20. No Cine Parisien lá estava ela para dar o tom as cenas dos filmes, drama ou comédia, interpretava junto ao piano e encenava a história. Há muito o que falar sobre Zulmira Canavarros que tirou os primeiros rasqueados no piano ao lado da amiga Dunga Rodrigues. Mas a proposta não é ser prolixo, mas tocar o coração como a sua música. E para isso, os olhos das crianças curiosas se tornaram grandes, Gilberto seguiu os caminhos da avó e com a arte se envolveu. Com a música no grupo Alma de Gato ou com o teatro, confessa que parece sentir sua presença, como uma musa inspiradora, como a Egéria Cuiabana.



Gilberto conta que o pai de Zulmira, Gabriel decepcionado por ter tido uma filha ao invés de filho vestia-a com roupas de menino. E assim, o próprio pai abre um mundo que difere do que as demais pessoas da época viviam. A porta para o futuro estava aberta, e Zulmira entrou. Era tão festiva e cheia de gente perto de si, que a casa estava sempre viva, até no dia dos finados, pois, os amigos ao saírem do cemitério da Piedade iam visitá-la. “Essa era a matéria-prima desta incansável professora Zulmira. É a Egéria Cuiabana como diz o professor Benedito Pedro Dorileo: ‘certo que em seu tempo, na pequenina e pacata cidade, com a primariedade dos meios de comunicação, Zulmira em si era uma instituição cultural, de lazer, liderança e crença’”.

Mas, o neto também credita a liberdade vivenciada por Zulmira ao avô Danglars, que permitia que a mulher fosse plenamente ela própria. E entre as histórias curiosas, Gilberto relembra que a avó rebatizava as pessoas que conhecia, quando encasquetava que não se pareciam com seus nomes. Era o tipo de professora que reescrevia os livros grossos e que davam preguiça nos alunos, em obras resumidas à mão e gastava noites inteiras com a ajuda do marido, apenas para dar-lhes o gosto da literatura. Era essa mesma professora que pediu ao marido que a levasse com o piano no caminhão para levar música aos que eram desprovidos para que os grandes compositores também pudessem tocá-los.

“Zulmira morreu em 1961 e eu nasci em 1960. Quando eu chegava, ela estava indo embora. Uma pena! Pois se ela tivesse vivido pelo menos até a idade com que minha mãe está hoje, poderia ter desfrutado de sua companhia por vinte cinco bons e afortunados anos. Quanta coisa boa nós faríamos juntos? Já pensou, eu compondo músicas com a minha avó? Encenando peças de teatro com ela? Seríamos uma dupla e tanto. Contento-me em saber que, pelo menos ela me conheceu.

Mamãe me conta que em seu leito de morte, já agonizante e sofrendo bastante pela paralisia e esclerose, ela pedia: “Quero água. Quero água de meu neto. Quero água de Gilberto.” Sempre pensei nisso. E nunca pude entender. Que sede poderia eu saciar naquela mulher tão extraordinária?

De qualquer maneira, fui seu único descendente que se tornou artista, uma vez que minha mãe abdicou da sua carreira de cantora, apesar de ter conquistado para sempre o título de “O Rouxinol da Cidade Verde”. Desde pequeno invento modas no teatro, na música, na literatura e sou um apaixonado pela arte e suas manifestações. Por isso, na verdade, sou eu que bebo da água de Zulmira, essa fonte inesgotável de cultura, arte, criatividade, vanguarda, vida e luz que foi e é Zulmira Canavarros, a minha Vovó Zulmira, como mamãe sempre fez questão que nós a chamássemos, mesmo não estando mais entre nós. Mamãe preocupou-se em manter a memória dela muito viva entre eu e meus quatro irmãos, falando dela quase todos os dias e contando muitas histórias. Assim, através de mamãe, nós conhecemos Zulmira com riqueza de detalhes. E eu muito mais, pois em cada música que componho ou arranjo, em cada peça de teatro que escrevo ou dirijo, em cada poesia que faço, sinto sempre sua presença, seus conselhos, palpites, idéias. É como se ela estivesse o tempo todo do meu lado me ajudando a “pintar o sete”. É uma honra e um orgulho muito grande poder dizer que descendo de figura tão ilustre e marcante da história desta terra”, emociona Gilberto que me rouba qualquer palavra ou manifestação para elucidar um final para este texto sobre uma mulher tão complexa e marcante. 
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet