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Sábado, 25 de maio de 2024

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Discos, festas e tributos apimentam a inusitada adoração de Morrissey pelo público mexicano e pela comunidade hispânica nos EUA

Discos, festas e tributos apimentam a inusitada adoração de Morrissey pelo público mexicano e pela comunidade hispânica nos EUA
RIO - José Maldonado atende o telefone e pede desculpas pela voz ofegante. Tinha acabado de sair da piscina, onde treina todos os dias. O exercício é fundamental, já que Maldonado trabalha como salva-vidas em Los Angeles, cidade onde nasceu. À noite, porém, a sua praia costuma ser outra. Com o cabelo engomado, valorizando o vasto topete, ele se transforma no “Morrissey mexicano”, cantando à frente do grupo Sweet & Tender Hooligans, especializado no repertório do cantor e compositor britânico — que se apresenta no Brasil em novembro — e de sua ex-banda, The Smiths.


— Preciso ficar em forma para agir no mar e também para ter fôlego para os shows — conta Maldonado, que formou o Sweet & Tender Hooligans, meio de brincadeira, com um amigo, o guitarrista David Collett, no final dos anos 1990. — Há alguns anos, porém, resolvemos tornar a coisa um pouco mais profissional. Hoje diria que a banda é um hobby seríssimo.

Não falta audiência para o Sweet & Tender Hooligans em LA, San Diego, Tijuana e outros pontos além da fronteira com o México. Tal demanda reflete um inusitado fenômeno pop — a adoração de Morrissey pelo público mexicano e pela comunidade hispânica nos Estados Unidos — cujo mais recente exemplo é a gravação do álbum de estreia do grupo Mexrrissey, que faz apimentadas e originalíssimas versões de composições do artista. Previsto para ser lançado até o fim do ano, ele vai transformar “Everyday is like sunday” em “Cada dia es domingo”, “Ask” em “Dime” e “Girlfriend in a coma” em “Mi novia esta en coma”.

— O disco vai cristalizar nossa apropriação do trabalho de Morrissey — conta o músico, DJ e produtor Camilo Lara, que encabeça a banda formada por um time estelar de artistas mexicanos, incluindo integrantes do Cafe Tacuba e Calexico. — Nunca pensamos em ser uma banda cover. Sabíamos que era possível buscar novos caminhos com esse repertório, capaz de enriquecer o culto que temos por Morrissey.

DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

Apesar de já ter sido até tema de dois documentários independentes — “Is it really so strange?” e “Passions just like mine” —, a origem desse inesperado relacionamento entre um artista britânico, vegetariano, apaixonado por Oscar Wilde, que tem, segundo o jornal “Guardian”, “fãs no Reino Unido tão brancos que chegam a ser pálidos” e um exército de “latinos mozheads” ainda é tema de inúmeros debates. Mas algumas pistas ajudam a esclarecer o enigma — como a origem do cantor, por exemplo, que tem pais irlandeses, que migraram para o Reino Unido, assunto abordado na música “Irish blood, English heart”.

— Morrissey representa o outsider. Como descendentes de mexicanos morando nos EUA, também fomos criados entre duas culturas, nunca nos sentindo à vontade em uma ou na outra — explica Marina Garcia-Vasquez, do blog Mex & The City, que cobre as manifestações culturais da comunidade mexicana nos EUA e já organizou diversas festas em tributo a Morrissey. — Nossos eventos têm um público misturado, com todos dançando em comunhão, colocando para fora as mesmas aflições presentes nas letras de Morrissey. Elas têm o mesmo teor dramático dos corridos (canção popular mexicana).

Para Camilo Lara — que se apresenta em São Paulo no dia 20, com seu projeto paralelo, Mexican Institut of Sound —, esse teor dramático das letras de Morrissey é o mesmo das famosas novelas mexicanas.

— As novelas mexicanas são bem melodramáticas. É outra uma coisa que nos une a Morrissey, já que suas músicas têm personagens sofridos, que lidam com suas angústias com ironia e até mesmo sarcasmo, que é como assistimos às novelas.

O próprio artista contribuiu para que essa relação se intensificasse. No começo dos anos 1990, sem gravadora, Morrissey se mudou para LA, onde morou, numa espécie de exílio, entre 1998 e 2005. Lá, criou músicas como “Mexico” e “First of the gang to die” (sobre gangues latinas), além de uma série de vídeos chamada “Oye Esteban”, também nome da turnê de 2000, que o trouxe ao Brasil pela primeira vez (e na qual, durante um show em Las Vegas, disse que adoraria ter nascido mexicano). Em 2004, ciente da adoração em torno da sua figura pelos “latinos mozheads”, começou um show em LA (onde todo ano acontece uma convenção de fãs de Morrissey) apresentando sua banda como Sweet & Tender Hooligans e a si mesmo como “José Maldonado”.

— Estava na frente do palco e fiquei paralisado — revela Maldonado. — Parecia que todo o ginásio estava olhando para mim. Foi surreal. Depois encontrei Morrissey nos camarins e ele foi muito gentil. Acho que falamos a mesma língua, em todos os sentidos.

Traduzir as letras de Morrissey para o espanhol, porém, tem sido uma dura tarefa para Lara à frente do Mexrrissey, em seu disco de estreia. Para evitar tropeços perante um artista de letras elaboradas, que tem paixão pelo idioma inglês, ele optou por adaptar alguns temas, para que fizessem sentido para seu público-alvo. Assim, a letra de “Girlfriend in a coma” ganhou uma referência ao desaparecimento de 43 estudantes mexicanos em Guerrerro, em 2014, atribuído ao tráfico.

— Foi uma forma de dar outro contexto para uma música já dramática. Mas nossa versão não ficou para baixo. Como no original, ela lida com esses assuntos com esperança e humor. No ritmo, ganhou elementos de cha cha cha. Vai soar quente — explica Lara, que, diferentemente do seu ídolo, não é vegetariano. — Adoro burrito de carne.
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