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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Adão e Eva: A resignificação do vampiro e a sutil mensagem à cultura em “Only lovers Left Alive”

Adão e Eva: A resignificação do vampiro e a sutil mensagem à cultura em “Only lovers Left Alive”
Cultuados como rockstars da literatura e do cinema, vampiros são personagens que resignificam-se com o passar dos anos e adapta-se aos medos e fetichismos da geração em que se situam. Comumente representados como parasitas soturnos sedentos por sangue humano, vampiros adquirem novos elementos e alteram seus significados na mão de diferentes autores, “Only lovers left alive” de Jim Jarsmuch trás uma visão glamurosa a lá séc XXI para o símbolo medieval.

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Símbolos dos medos da sociedade medieval quanto aos males da peste, as lendas Bálcãs europeias do sec. XIV tomaram o cinema nos trabalhos de Murnau e Herzog (Ambos em momentos distintos - Nosferatu); e já nos trabalhos de Louis Feuillade (Os Vampiros), o termo “vampiro” já era resignificado para simbolizar os ladrões organizados que aterrorizavam Paris, e sugavam da sociedade toda sua vitalidade. “M, O Vampiro de Dusseldorf” de Fritz Lang, não contentava em sugar-lhe a vitalidade, mas tomava-lhe também o futuro, como o sequestrador de crianças que aterrorizava as famílias de Dusseldorf no filme de 1931.


(“Nosferatu – 1922” “M, “Os Vampiros – 1915”, “Deixe ela entrar – 2008” “Fome de Viver – 1985”)

Sugando sangue, ou tomando o que lhes era precioso, os vampiros também significaram a apreciação da finitude humana. Sempre “condenados” a viver eternamente nas sombras solitários em suas maldições, glorificavam nossa sorte em sermos humanos e termos para nós a iminência do tempo. Sempre carregados de seu simbolismo soturno, perderam seu apelo no século XXI devido a não atualização do símbolo. Numa sociedade que não teme grandes epidemias e vive num estado de conforto e vigilância sobre tudo e todos, difícil imaginar um elemento que viva nas sombras, e que estas ainda existam.

Com sua mítica carente de novos elementos e novas simbologias que a conectassem com a nova geração no século XXI, os vampiros permaneceram sem grandes obras até 2008, com o surgimento do aclamado filme do suíço Tomas Alfredson, “Deixe ela entrar”. Utilizando o vampiro como elemento fantástico numa relação afetiva de desenvolvimento emocional de duas crianças, Alfredson que contou com o roteiro escrito pelo autor do livro em que se baseava, construiu um conto macabro como a aceitação do mal como forma de desenvolvimento emocional e elevou um mero suspense de vampiros à um drama com 65 premiações e 88 indicações internacionais, que inspirara outros a retomarem o poder do símbolo para novas interpretações.

A mais significativa até então, lançada esse ano pelo diretor americano Jim Jarmusch, utiliza-se de elementos antigos para inserir sua visão contemplativa do eterno símbolo soturno. Em “Only Lovers Left Alive” seu mais recente trabalho, Adão e Eva, os vampiros originais, não mais representam a doença, mas a análise da mesma. O casal vive reclusamente em casebres decrépitos, separados por quilômetros de distância, um em Detroit, outro em Tangeer. Eternos há um bom par de séculos, racionam o pouco sangue que conseguem contrabandear e produzem rock´n Roll entre guitarras antigas e fotos de grandes nomes da história da humanidade.



Eternamente puros desde o jardim do Éden, Adão e Eva conservam a essência dos humanos originais, apaixonados pela natureza e pela cultura que cultivam. Como guardiões da beleza da cultura humana, vivem em antiquários pessoais onde preservam suas memórias de um tempo onde humanos não eram os parasitas que um dia os vampiros representaram.

Referindo-se aos humanos como “Zumbis”, Adão – personagem de Tom Hiddleston – destila todo seu descontentamento quanto ao rumo tomado pela humanidade. Muito mais fracos que as representações vigorosas de Bram Stoker e Anne Rice, os vampiros de Jarmusch lutam para sobreviver com o pouco sangue “puro” que conseguem numa era onde agrotóxicos e drogas poluem nosso sangue com substâncias diversas. Nunca representados como alimento ou como objeto de desejo, mas sempre como um erro na conduta de um vampiro, os humanos são como adolescentes que desvalorizam antiguidades por desconhecerem seu valor.



Com a presença hipnótica de Tilda Swinton, e os trabalhos competentes de Jhon Hurt e Mia Wasikowska, “Only Lovers Left Alive” trás belezas esguias e com traços seculares para emular suas personagens de pálida matiz. Com tons pastéis mesclando com o preto e o vermelho presentes nas jaquetas e nos óculos escuros, a direção de arte consegue inebriar o espectador em uma névoa macabra sem recorrer às sombras e à escuridão. Preocupado em enaltecer sua existência mística, os vampiros – mesmo que nunca citados como tal – estão sempre sob a luz amarelada e artificial de alguma lâmpada, como se atraídos pela ilusão do sol que lhes é proibido.



Repletos de estilo tanto quanto os amantes de “Fome de Viver” de Tony Scott, Adão e Eva desfilam luvas de couro, botas e jaquetas entre taças de sangue e rock underground na vitrola. Embalados pela distorção da guitarra e do baixo, as sanguessugas underground de Jarmusch passeiam entre os zumbis em busca de algo a mais para sentir numa vida de eternas sensações. Quando os humanos desistem de sentir, resta aos caminhantes da noite buscar inspiração na cultura que nos cerca, - seja nos livros antigos, na arquitetura labiríntica ou na abandonada Detroit cheia de poesia em ruínas – algo que retorne a vitalidade antes roubada. Pois quando tudo já foi sugado, utilizado e destruído, só os amantes e aqueles que ainda sentem o pulsar em suas veias são deixados, de fato, vivos.

*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.



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