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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Com carta a sua mãe como discurso, Luciene Carvalho é a última empossada na atual administração da AML

Foto: Isabela Mercuri / Olhar Conceito

Com carta a sua mãe como discurso, Luciene Carvalho é a última empossada na atual administração da AML
A Academia Mato-Grossense de Letras estava em festa na noite da última quinta-feira (13). Luciene Carvalho chegou, ovacionada por uma plateia lotada, com um turbante cor-de-rosa na cabeça e uma blusa cheia de brilhos.

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A manta azul dos imortais – que receberia dali a pouco - poderia até esconder um pouco do brilho de suas roupas, mas o de seus olhos estaria ali até o final da festa. A poetisa entrou sob a trilha sonora de ‘O mundo é o Barro’, de O Rappa. Os versos “Moço, peço licença, eu sou novo aqui. Não tenho trabalho, nem passe, eu sou novo aqui” anunciavam que o novo veio para ficar.


Luciene Carvalho (Foto: Isabela Mercuri / Olhar Direto)

Luciene tomou posse da cadeira número 31, cujo patrono foi José Delfino da Silva, e o último ocupante Adauto Dias de Alencar. A primeira mulher a ocupar a cadeira, e a primeira negra a ser imortalizada na academia. Tudo isso era detalhe.
Nas palavras do presidente da Academia, Eduardo Mahon, Luciene “foge do lugar comum, do regionalismo de semióticas conhecidas, e fotografa com estrema competência o bairro do Porto”, continua, “Ela quer mostrar uma Cuiabá cosmopolita plugada no cenário nacional e internacional, como, aliás, sempre foi, uma cidade voyeur”.


Eduardo Mahon, presidente da AML (Foto: Isabela Mercuri / Olhar Direto)

Sua obra foi mostrada diversas vezes e de diferentes formas durante a noite: Com apresentações dos atores Vital Siqueira (que interpretou o poema ‘Lembrança de Pescador’) e Maurício Ricardo (que interpretou vários poemas) e também com textos declamados por Mahon durante seu discurso.


Vital Siqueira interpretando "Lembrança de Pescador" (Foto: Isabela Mercuri / Olhar Conceito)


Maurício Ricardo interpretando poemas da empossada (Foto: Isabela Mercuri / Olhar Conceito)

Já em suas palavras, Luciene não usou nenhum texto que já havia escrito. Por outro lado, declamou uma poesia emocionada que fez à sua homenageada da noite: “A minha face artista dizia ‘seja intimista, se exponha! ’ Decidi: eis aqui. Meu discurso tem nome, chama-se: Carta a minha mãe”.

Como em uma conversa, a poetisa contou a sua mãe – Conceição, que faleceu dois dias antes de ela ser escolhida para ocupar uma cadeira na Academia – como chegou até ali, sua trajetória, e como se sentia. Agradeceu a todo o momento, com voz de menina cheia de amor à sua genitora.

Sobre ser a primeira negra a entrar na AML, ela disse (ainda com a mãe como interlocutora): “Do jeito que a senhora é, deve estar toda orgulhosa. Eu não estou não. Primeiro, porque o orgulho em demasia, mãe, expande o ego. E o egocentrismo cega o homem. Nós estamos no século vinte-e-um e a herança escravocrata brasileira ainda não foi equacionada. Eu me vejo apenas como mais um elo no processo de empoderamento dos negros da nossa terra. Os negros do Brasil devem praticar protagonismo social no cotidiano, lindos e elegantes”.

Foi só no meio do discurso que ela se tornou mais dura, ao falar diretamente com o público sobre o lugar dos escritores na sociedade Mato-Grossense:

“Cuiabá ama sarau. Mas nestas terras - precisava saber de antemão - nestas terras escritor é profissão? Sem dúvida, talento é uma riqueza. Então porque quem trabalha com poesia vive na pobreza? Porque profissionalizar o ofício de escritor é uma batalha? Porque a cadeia literária produtiva em Mato Grosso nunca esteve ativa? Porque a construção do mercado literário é deixado de lado? Pobre é quem não tem cobre. Poesia em Cuiabá não tem cobre nem cobertura. Poeta - ou poetisa, como já fui ensinada aqui na AML - precisa ter profissão precedente, como se ser escritor em nossa terra fosse indecente”, bradou.

No final voltou a falar com sua mãe. A doçura, quase infantilidade na forma de falar, não fez com que o texto perdesse nem um pouco de suas alfinetadas. Todos estavam convidados para um chá com bolo na varanda, ao som de rap cuiabano. E na despedida, a poetisa sorriu: “Nesta noite, meu nome é gratidão”.
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