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Estrada a fora: A reconciliação com o passado e a busca pelas rédeas do novo cinema em Nebraska

25 Fev 2014 - 10:28

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

Estrada a fora: A reconciliação com o passado e a busca pelas rédeas do novo cinema em Nebraska
Marcado por seus personagens à deriva, seus dramas intimistas, e suas conclusões enigmáticas que tornaram 2013 um ano característico para o cinema atual, deixara para o ano que viria o papel de dar continuidade à transição que iniciara. Dentre os nove indicados à categoria de “Melhor Filme” no Oscar®, dramas, comédias, ficções científicas e histórias reais definiram uma nova tendência no cinema onde seus personagens voltam a tomar controle de suas tramas. Em alguns casos, para tomar as rédeas de sua vida de volta, é necessário revisitar o passado e fazer as pazes, como demonstra o novo trabalho de Alexander Payne, “Nebraska”.

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Um Road-movie em aparência, “Nebraska” partilha do gênero a ideia do percorrer grandes distâncias em busca da transformação pessoal. Gênero que teve sua ascensão nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, durante o crescimento da produção de automóveis e a cultura Hippie nos anos 70, e bebe da fonte da Odisseia grega e sua jornada pelos mares, caracteriza-se pela trama crescente que propõe aos seus protagonistas confrontos e obstáculos para superação de seus dilemas. Filmes como “Easy Rider” de Dennis Hopper, “Thelma & Louise” de Ridley Scott, “Road Movie” de Joseph Strick, “Bonnie & Clyde” de Arthur Penn e “Paris, Texas” de Wim Wenders pontuam o gênero e trazem a estrada como cenário da jornada de seus heróis, ou anti-heróis.

                   
                              (Sem Destino – 1969”, “Paris, Texas – 1984”, “Thelma & Louise – 1991”)

Acostumado aos dramas familiares e a utilizar-se do humor ácido para cutucar suas feridas, o diretor Alexander Payne - que já havia sido indicado na categoria alguns anos atrás por “Os Descendentes” e já havia comprovado sua competência ao receber o prêmio de melhor roteiro duas vezes, tanto com “Os Descendentes” quanto com “Sideways – Entre umas e Outras” – retorna à premiação com uma obra que além de aproveitar-se dos aprendizados de sua carreira e permanecer sempre na zona de conforto que criara para si, busca também um resgate do antigo cinema americano para encontrar o seu.

Rodado em preto e branco e recheado de transições e cortes não mais tão utilizados no cinema, preocupa-se em enaltecer os detalhes da velha América e da antiga maneira de fazer cinema sempre com humor jocoso e ácido, típico de seus trabalhos. Com planos parados e uma fotografia que carrega a apatia e animosidade de um Estados Unidos esquecido, o diretor em parceria com roteirista estreante Bob Nelson, contam a história de Woody Grant (Bruce Dern), um idoso que acredita ter ganho um milhão de dólares após receber um panfleto de promoção de uma revista. Com o intuito de retirar seu dinheiro, Woody decide ir até Nebraska, mesmo que sua família esteja de todas as maneiras tentando impedi-lo. Após ser repetidamente resgatado por seu filho David (Will Forte), acaba sendo levado de carro pelo filho de forma a resolver o problema, mas é aí que eles realmente começam.

            

Juntos dentro do carro, David conduz uma viagem ao estado de origem de sua família e ao passado de seu pai, um homem fechado e tacanho que nunca partilhara com os filhos nenhuma informação a respeito de sua vida. Lado a lado e com a estrada a sua frente, o filme que parece seguir o caminho dos Road-movies em busca da redenção logo chega a Nebraska onde o contato com o passado, e os antigos desafetos e familiares desencadeiam a trama. Com personagens cativantes e com momentos artificiais que servem ao ode que diretor tenta fazer aos maneirismos do antigo cinema, “Nebraska” é antes de tudo, a história de um homem que quer de volta a rédea de sua vida.

Entre uma mulher controladora e desbocada que não mede esforços para difamar cada um dos membros da sua família, amigos que sempre se aproveitaram de sua inocência e familiares que sempre crucificaram seus vícios, Woody é um homem sempre guiado pela vida e sua angústia é clara em seus cabelos bagunçados, seu rosto perdido e sua tendência alcoólatra. Ao lado do filho que trás a tona seus antigos conflitos, Woody, o homem que deixara para trás as origens e se perdera-se no processo, vai em busca de sua Nebraska, e o prêmio de um milhão, o ouro no fim do arco íris, aos poucos vai tomando outros formatos.

Entre casas coloniais “feitas para durar”, ferrovias solitárias na imensidão das fazendas americanas, e seu pálido preto e branco, “Nebraska” assim como “Álbum de Família” faz muito lembrar “A última sessão de Cinema”, filme dos anos 60 lembrado sempre como o último de sua geração a seguir os antigos moldes. Como uma forma de libertarem-se ao reconciliarem-se com as origens, estes filmes definem de forma pontual a transição no cinema. Apesar de emular o passado, e trazer em sua roupagem esta névoa inebriante que nos leva aos anos 50 com sua música country e suas camisas xadrez sobre as cadeiras de balanço na beira da estrada, o filme de Payne tem em seu humor cítrico e na franqueza ao expor seus personagens aos dramas que os constrangem uma roupagem atual e característica dos filmes deste ano.

 

Apesar de não tão revolucionário em suas técnicas cinematográficas e não ousar ao manter linear sua narrativa, “Nebraska” conquista seu espaço dentre os melhores filmes por vestir tão bem os conceitos do cinema atual ao abraçar o passado. Sua trajetória é tão satisfatória quanto seu desfecho e seu ritmo lento pontuado de forma inteligente com humor e uma boa trilha sonora oferecem além de uma reflexão uma boa experiência cinematográfica. No banco do carona, assistimos Woody, David, Payne e Nelson nos guiar estrada a fora, primeiro ao antigo cinema, para acenar pela janela e com respeito dizer tchau, e seguir viagem.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.

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