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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Cristina Campos

Lançamento de "O Falar Cuiabano" é adiado para novembro; Conheça mais sobre a obra

Nada diz mais sobre um povo do que sua cultura. E isto inclui um universo de coisas, não só o que a pessoa produz, como também o que ela faz, fala, seus hábitos e costumes. Os cuiabanos, neste sentido, são ricos. A linguagem dos moradores da capital mato-grossense é cheia de palavras próprias, trejeitos e pronúncias peculiares. E é este o tema do livro da escritora Cristina Campos, “O Falar Cuiabano”.

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O lançamento da obra, que estava marcado para esta quinta-feira (25), foi adiado para o mês de novembro pela Secretaria de Estado de Cultura (SEC), ainda sem dia definido. A ideia do livro surgiu em 2013, quando a Secretaria de Estado de Cultura registrou o dialeto cuiabano como Patrimônio Histórico e Artístico Estadual (através da Portaria n° 017/2013). Para que o ato não ficasse só no papel, a então secretária de cultura, Janete Riva, firmou um convênio com a Integrar, que contratou a pesquisadora Cristina Campos para produzir o livro “O Falar Cuiabano” e explicasse, de modo didático, como se deu a constituição da Cuiabania.

“O falar cuiabano é singular, ou seja, muito distinto dos sotaques acostumados do Centro-Sul do país, valorizados pela mídia como variantes do português de prestígio social. Então, há uma tendência a negá-lo e desvalorizá-lo, porque a diferença causa estranhamento e recusa, sobretudo num contexto de disputa territorial. Ele se encontra fortemente presente em alguns municípios, bairros, comunidades e famílias tradicionais, ainda não ou menos impactados pelos agenciamentos de (des)envolvimento” disse Cristina Campos em entrevista à editora Carlini e Caniato, que materializou a obra.

“O Falar Cuiabano”, depois de seu lançamento oficial em novembro, será distribuído gratuitamente nas bibliotecas das escolas públicas e à quem se interessar. O livro destina-se principalmente aos professores, pesquisadores e alunos de Mato Grosso.

A obra divide-se em duas partes. A primeira trata dos aspectos históricos importantes na constituição da cultura na Baixada Cuiabana, valorizando os povos indígenas. A segunda começa com descrições técnicas de traços linguísticos que caracterizam o linguajar cuiabano, exemplificando-os. O livro traz ainda um artigo sobre a habilidade local de colocar apelidos, com “causos” que contextualizam este dialeto. Em seguida, homenageia os saudosos artistas: o ator Liu Arruda, mostrando trechos de suas peças teatrais, e o poeta etnógrafo Benedito Sant’Ana da Silva Freire, apresentando fragmentos de sua obra. Por fim, pincela alguns provérbios comuns na região e situações engraçadas. Como anexo, traz a referida Portaria n° 017/2013.

Enquanto a data do lançamento não chega, confira a entrevista com a autora Cristina Campos, feita pela editora que irá publicar a obra, a Carlini e Caniato:

Como a cultura cuiabana, a Cuiabania, é absorvida em outras partes do Estado de Mato Grosso?  Está mais forte no falar ou nas artes – música, literatura, cinema, artes plásticas...

Não sei responder a esta primeira pergunta. É difícil saber até mesmo como se encontra o falar cuiabano na própria Baixada Cuiabana, ou mesmo em Cuiabá. Seria necessário colocar muitos pesquisadores em campo para cartografar o contexto dos municípios e das comunidades tradicionais, porque a língua não é um fenômeno isolado, ela se manifesta num espaço-tempo determinado, ou seja, é parte constitutiva da cultura.

O que sei é que a língua, como a cultura, é dinâmica e se modifica. O processo migratório acelerado em virtude da política desenvolvimentista do governo militar, a partir dos anos 1970, e a presença do agronegócio, nos anos 1990, vêm alterando radicalmente paisagens, costumes e, consequentemente, as linguagens em Mato Grosso. A população de fora sobrepujou em número os mato-grossenses e veio com a intenção de se estabelecer, conquistar espaços. Com isso, a Cuiabania tende a se diluir, a ser absorvida em meio a um processo histórico avassalador.

O falar cuiabano é singular, ou seja, muito distinto dos sotaques acostumados do Centro-Sul do país, valorizados pela mídia como variantes do português de prestígio social. Então, há uma tendência a negá-lo e desvalorizá-lo, porque a diferença causa estranhamento e recusa, sobretudo num contexto de disputa territorial. Ele se encontra fortemente presente em alguns municípios, bairros, comunidades e famílias tradicionais, ainda não ou menos impactados pelos agenciamentos de (des)envolvimento.

O papel das universidades é muito importante no registro de traços linguísticos e culturais do Estado. Ainda que muito lentamente, elas vêm legitimando alguns elementos, como o dialeto cuiabano e a Literatura de Mato Grosso. Na música e na dança, o Siriri e o Cururu vêm ganhando destaque; a viola de cocho se tornou um ícone regional; o rasqueado, recentemente incorporado pelo Jazz, (in)fusão, no Jazzqueado... Na Literatura, temos a presença do falar cuiabano (sem apelo folclórico e pejorativo) nas obras de Silva Freire, Ricardo Guilherme Dicke, Aclyse Mattos, Wlademir Dias Pino e Manoel de Barros, entre outros. No cinema, Amauri Tangará tem produzido coisas interessantes.

Creio que as Artes Plásticas possuem uma força expressiva maior, porque os artistas se organizam bem. Além disso, a potência do sol geodésico ilumina especialmente as formas do Cerrado, que possuem uma beleza plástica inigualável, de colorido muito sensual... A vocação bíblica pantaneira de ser representada como um Éden é bastante retratada, enfim, a natureza mato-grossense apresenta uma visualidade especial e provocativa ao olhar sensível.

O que representa para você, Cristina Campos, conduzir este trabalho que resultou no livro 'O Falar Cuiabano'?


Abracei este desafio porque o meu trabalho de pesquisa consiste em registrar e valorizar a singularidade da Cuiabania.

Mesmo com o advento da tecnologia, em especial aos aparelhos móveis [celulares, tablets, smartphones...], o falar típico de Cuiabá pode ser mantido ou ele corre risco de se perder?

A vida é dinâmica, portanto se transforma continuamente. Não são os suportes tecnológicos que colocam em risco a cultura cuiabana; em alguns casos, facilitam o seu registro. A migração massiva e desordenada, a rápida destruição de paisagens e a consequente alteração dos costumes locais são a ameaça maior.

A questão dos apelidos, típicos da cultura cuiabana, não soa estranho em um Brasil 'politicamente correto', onde, ao menor sinal, se evoca o preconceito ou o 'bullying'?


O hábito de apelidar as pessoas não é exclusivo dos cuiabanos; é um costume interiorano. Há uma gradação que vai da brincadeira carinhosa à ironia mordaz. A forma como acontece aqui é que difere de outros locais.

O bullying é um conceito recente, que surgiu a partir de humilhações e abusos em escolas norte-americanas, num contexto distinto do nosso. É claro que todo excesso deve ser reprimido, de modo que haja respeito entre as pessoas. Só que a Cuiabania tem o saudável hábito de rir (até de si mesma).

Antes, a censura era menor. A imprensa em Mato Grosso no século XIX, por exemplo, publicava contendas políticas em que as pessoas se agrediam de modo feroz. Também havia ‘antipropagandas’, onde um comerciante esculhambava o concorrente e seu empreendimento. Em alguns casos, curiosamente, isso era feito em forma de poesia, com métrica e rima. Hoje, é diferente e, dependendo do caso, o “engraçadinho” pode ser processado. Isso vale não só para os apelidos.

Para quem é alheio à cultura cuiabana, o livro consegue apresentar os seus principais traços?

Creio que sim. Na Parte 1, busquei mostrar os aspectos históricos importantes na constituição da cultura e do dialeto cuiabanos, valorizando a presença indígena. Na Parte 2, há uma descrição exemplificada dos principais traços linguísticos que caracterizam este falar, na qual compilei dados de pesquisadores, principalmente aqueles que se tornaram artigos publicados na obra Vozes Cuiabanas: Estudos Linguísticos em Mato Grosso, organizada pelos professores doutores Manoel Mourivaldo Almeida e Marinês Pagliarini Cox.

O Falar Cuiabano destina-se, principalmente, a professores e alunos de 2o grau, portanto procurei apresentar seu conteúdo de uma forma didática. Espero ter conseguido.

Qual idioma estrangeiro mais influenciou o falar cuiabano?

O português de Portugal é a grande matriz brasileira. Além dela, o dialeto cuiabano recebeu contribuições indígena, castelhana e africana. Em que medida, é difícil precisar.

Cristina Campos, fale um pouco sobre sua trajetória cultural.

Vivi mais de 20 anos em uma chácara, na beira do rio Coxipó, no Coxipó da Ponte – o ‘Sítio do Pica-pau Amarelo’ da minha infância, embebida e embalada pelas águas daquele rio, em uma comunidade unida, que sabia exercitar o sentido de compartilhar.

Quase toda a minha formação – exceto o ginásio – se deu em escolas públicas. Na UFMT, graduei-me, fiz três especializações mais o mestrado, além de diversos pequenos cursos, pelo que sou muito grata. Fiz doutorado na USP. Minha pesquisa se volta para a Cultura e a Literatura de Mato Grosso. Além disso, gosto das artes: escrever, tocar violão, pintar...
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