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O Vento se ergue: O fim de uma Era no cinema e a visão de um mestre sobre a arte da animação

05 Mar 2014 - 10:54

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

O Vento se ergue: O fim de uma Era no cinema e a visão de um mestre sobre a arte da animação
Desde “Fantasmagorie” em 1908, poucos anos após o surgimento do cinema, a animação com seus stop-motions e outras técnicas se desenvolveu até os conhecidos filmes em computação gráfica, longas que atualmente abocanham bilheterias maiores que certas superproduções Hollywoodianas. Perpetuada e disseminada no cinema por Walt Disney (Mickey Mouse – 1928), os irmãos Warner (Pernalonga e sua turma – 1929) e outros estúdios hoje não mais existentes, a animação vem lutando ao longo de sua história para estabelecer-se como uma obra digna de adoração dos amantes da arte.

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Por muito tempo ligada ao público infantil, ganhou status de arte após trabalhos exponenciais e singulares de visionários que viram na liberdade criativa dos quadros desenhados a mão uma ferramenta para exercitar seus mais absurdos sonhos. Walt Disney, e “Fantasia” de 1940, traziam em seu conceito a ideia de unir música clássica e a animação colorida e divertida característica de Disney. O projeto singular só ganharia outro equivalente pelo mesmo estúdio 60 anos depois. Devido a pouca recorrência deste tipo de trabalho e a crescente aceitação pelo público infantil, a animação só ganharia adição realmente importante à sua história com a entrada de Hayao Miyazaki e Isao Takahata com seu Studio Ghibli nos anos 80.

             

Crescidos sob a sombra dos trabalhos de Disney que alcançavam o oriente e influenciados pelo Mangá e os quadrinhos europeus e seus quadros extremamente detalhados, Hayao e Isao trouxeram à animação uma preocupação com os detalhes, e uma profundidade pertencente aos dramas para adultos, assim como uma herança do cinema japonês carregada de delicadeza ao lidar com as inseguranças de seus personagens, afastando seus protagonistas das caricaturas rasas e antropomórficas criadas no ocidente.

Incorporando elementos da literatura fantástica europeia e o folclore e a cultura nipônicos tão presentes em seus cotidianos, O Studio Ghibli com “Túmulo dos Vagalumes”, “Nausicaa da Ilha dos ventos” e “Meu Vizinho Tottoro”, assim como outros diretores japoneses como Katsuhiro Otomo responsável pelo apocalíptico e frenético “Akira” de 1988, Oshii Mamoru que inspirou até mesmo “Matrix” com seu “Fantasma do Futuro” de 1995, e Satoshi Kon que chegara a ser comparado à Hitchcock devido a seu thriller intenso e sexual “Perfect Blue” de 1997, estabeleceram um padrão que realmente colocava à prova seu desapreço junto à academia, e conseguiram conquistar a atenção da crítica no ocidente.

   

O mais famoso e bem sucedido deles, Hayao Miyazaki, o único a ter a bilheteria de seus longas metragens disputando com grandes produções ocidentais, aposenta-se esse ano, segundo anúncio feito após a estreia de seu último trabalho, “Vidas ao Vento”. Vencedor do Oscar® de “Melhor filme em animação” em 2002 por “A Viagem de Chihiro” e indicado mais duas vezes por “Castelo Animado” e “Vidas ao Vento”, o senhor de 74 anos que ainda colore e retoca quadro a quadro á mão em seu estúdio, alega cansaço físico além de sentir ter contribuído de forma satisfatória ao cinema, além de pressentir a perda de espaço da animação 2D no cinema atual.

Apesar de seu trabalho primoroso ter inspirado desenhistas europeus e orientais que parecem decididos a manter viva a arte da animação de quadros por segundo, sua força na indústria e seu espaço vem diminuindo gradativamente com o passar dos anos e o incentivo à computação e seu domínio no mercado de animações. Em “Vidas ao Vento”, trabalho mais sério e cinematográfico de Miyazaki, conhecido pela fantasia absurda que permeava seus roteiros, o gosto de despedida esconde-se atrás da necessidade de deixar uma última mensagem.

Filme biográfico que narra a vida de Jiro Horikoshi, designer de aviões japonês que criou um dos modelos nipônicos durante a guerra, especula a respeito da vida íntima do engenheiro para construir uma história de amor dramática e conflituosa, típica aos trabalhos japoneses, sempre marcados pelos conflitos das relações e as obrigações da vida que parecem exigir a felicidade de um cinema marcado pela angústia. Reservando a fantasia recorrente aos seus trabalhos aos sonhos de Jiro - onde o mesmo se encontra com seu herói -, limita a mesma à paixão pela física e a realidade que embalam a aerodinâmica e a ciência por trás da construção de aviões, amplamente explorada durante o filme.

        

Trazendo como pano de fundo a guerra e as tragédias dos terremotos, Miyazaki utiliza-se sem julgamentos ou profundas críticas do cenário destrutivo da guerra para criar sua fantasia colorida. Acusado de maquiar as desgraças da guerra, Miyazaki parece não se preocupar e isentar seu trabalho de lições ideológicas já tão presentes em seus outros trabalhos, e parece muito mais preocupado em deixar em sua obra um recado à indústria e aos fãs. Rico em detalhes e mais realista que qualquer uma das obras do diretor, “Vidas ao Vento” é o mais refinado e estarrecedor de seus trabalhos, e garante à Miyazaki o lugar junto aos grandes mestres do cinema japonês.

Consciente da nossa fragilidade e efemeridade em relação à história, Hayao sugere aqueles preocupados com o fim da arte em 2D e de trabalhos como os seus que “Deixem o vento os levar” e enquanto o mesmo continuar soprando a vida deve seguir, e que certos processos são inevitáveis. Para o público ocidental acostumado com as tramas de fácil assimilação que englobavam também crianças e adolescentes em sua compreensão, “Vidas ao Vento” pode parecer confuso e mal explorado, mas carrega em sua montagem uma sutileza típica dos filmes asiáticos que respeitam o silêncio das imagens e seu poder em transmitir mensagens.

        

Sóbrio, linear e repleto de esmero, Miyazaki se despede do cinema com a certeza de que se encerra aqui uma Era no cinema mundial. As animações 2D, ainda que presentes e repletas de futuro pela frente, perdem com sua saída um artista único em seu trabalho. Requinte, sensibilidade e paixão nunca foram tão bem dosados em filmes que sabem captar a essência da humanidade e a simplicidade da magia de desenhar e inventar. Seus personagens, tão de carne e osso quanto os conhecidos pela história do cinema, permanecem em nossas memórias e em nossos corações, e sua última lufada de genialidade leva consigo os receios com sua partida. Outros virão, e o vento se ergue, então é preciso erguer-se e seguir adiante.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.



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