Olhar Conceito

Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Notícias | Comportamento

Ciência sem fronteiras

Um ano estudando no Canadá: A história de um cavalo caolho de suéter

Foto: Isabela Mercuri

O cavalo de suéter

O cavalo de suéter

Havia um cavalo com um olho só no quintal da minha vizinha. Pra mim, em janeiro de 2013, era apenas um cavalo com um olho só. E que às vezes usava suéter.



É engraçado pensar que quase tudo era novo e diferente pra mim. As casas grandes e sem muros, as árvores pontudas, a temperatura, os esquilos marrons e pretos no fundo da casa que eu morava. A comida, indiana e bem apimentada, com que tive que me acostumar.

Leia mais:Documentarista e músicos cuiabanos fazem parte da Virada Cultural de São Paulo

Lembrando de mim mesma há quase um ano e meio, via uma pessoa totalmente diferente também. No primeiro dia, minha host-mother me levou pra faculdade. Nós pegamos o ônibus na direção errada e eu achei engraçado que ela não soubesse o caminho, mas também achei fofo da parte dela, ter a preocupação de me ajudar.

Meu inglês ainda era fraco, mas eu ficava feliz porque entendia quase tudo o que me falavam. Às vezes eu fingia que entendia.

Os brasileiros na faculdade eram sempre os mais barulhentos e acolhedores. É inevitável não juntar-se a eles. Por mais que todos digam “se você só andar com brasileiro, seu inglês não vai melhorar”, em uma sala com chineses, coreanos, indianos e brasileiros, foi uma brasileira que sentou ao meu lado e puxou conversa. Ela seria uma das minhas grandes amigas naquele ano.

Histórias que encontramos na rua

O fato de eu estudar jornalismo me ajudou muito a explorar a cidade e as pessoas. Entrevistei uma cantora de rua, certa vez.

Precisava fazer uma vídeoreportagem, e não fazia ideia de quem eu entrevistaria. Então saí na rua com outro grande amigo meu, olhando para os lados e tentando conhecer alguém. Meus olhos não viram nada, mas foram meus ouvidos que me levaram até Sharon Small.



Uma menina bonita, aparentando ter entre 25 e 27 anos, sentada no chão, com um copo do Starbucks do lado e um violão nas mãos. Sua voz doce tentava dizer, por meio da música, o que ela sentia no coração: “I am somebody!” (Eu sou alguém).

Aproximamo-nos dela, apreciando sua voz, e depois nos sentamos. Ficamos ali uns 30 minutos, até que meu amigo teve coragem de perguntar se ela aceitaria dar uma entrevista para nós.

Ela aceitou, e descobrimos que ela estava há pouco tempo livre das drogas, que já tinha morado na rua (quando injetava heroína) e que naquela época dormia em lugares escondidos para que a polícia não a encontrasse.

Outra história que conheci por meio do jornalismo foi a de uma família que adotou uma criança da Romênia, 24 anos atrás. A mãe, Chriss Mann, vivia com sua companheira e queria muito ter uma filha.

Elas decidiram ir até a Romênia, e chegando lá encontraram diversas dificuldades, até que ficaram sabendo de uma garota cigana que estava grávida e não podia cuidar da filha que iria nascer.

Chris e sua companheira precisaram correr atrás de documentos, pagar milhares de pessoas e quase foram linchadas pela população que dizia que elas estavam “roubando as crianças” daquele país.

O cavalo caolho da vizinha

Hoje eu acredito ainda mais num jornalismo que conta histórias pequenas. Cada pessoa que está passando na rua tem milhares de histórias para contar, coisas incríveis que viveu. Coisas que você nunca saberá se não perguntar.

Se eu não fosse uma (quase) jornalista, por exemplo, aquele cavalo da minha vizinha seria só um cavalo caolho. No entanto, hoje eu sei que na verdade ele é uma égua, chamada Lady. Que foi resgatada, quando estava quase morrendo de fome e frio, pela minha vizinha, uma senhora chamada Louise, que também cuida de um boi e uma lhama, e que tem uma escola para cães, onde ensina os donos a adestrarem seus bichos de estimação. E, ah! A égua usa suéter porque não aguenta o frio do Canadá mesmo.

Um cavalo caolho de suéter nunca é somente um cavalo caolho de suéter. Acredite!


Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet