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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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ceia de natal

Com "Amor em Ação", voluntários distribuem alimentos e carinho a moradores de rua de Cuiabá

Foto: Naiara Leonor/ Olhar Conceito

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Imagine uma semana atribulada, dias intermináveis de trabalho, casa para arrumar, compras no supermercado, trânsito. Quem trabalha a semana inteira não vê à hora de chegar o sábado para descansar, colocar os pés para cima no sofá, certo? Errado. A cada quinze dias, um grupo de pessoas de Cuiabá esperam ansiosamente pelo sábado para trabalhar de graça!

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Pois é, essas pessoas existem e fazem isso com sorriso no rosto e amor no coração. Esse grupo de voluntários se reúne duas vezes ao mês há pouco mais de dois anos, na Associação Espírita Paulo de Tarso, no bairro Cidade Alta, para levar carinho e alimento a moradores de rua de Cuiabá por meio do projeto “Amor em Ação”. Sobrevivendo de doações, o projeto atende moradores de rua a cada quinze dias. A ação não possui lugar fixo e nesses pouco mais de dois anos os voluntários levaram comida e atenção para moradores de rua de várias regiões da cidade.

Logo que cheguei ao Centro Espírita, local base do projeto, uma das organizadoras, Elga Rascher me confidenciou dois momentos marcantes nesse tempo de ações com os moradores de rua. A primeira foi a felicidade de um deles ao beber um copo de água gelada e a segunda foi um simples abraço.

Um copo de água e um abraço. O que significam essas atitudes comuns e diárias? Para os atendidos no projeto significa muito. Excluídos pela família, invisíveis para sociedade, eles existem nesses pequenos momentos de solidariedade de projetos como o “Amor em Ação”.

“Muda a vida da gente que vem, nos faz olhar para nossa realidade de uma maneira diferente”, diz  Élida Norberto da Silva, outra coordenadora do ' Amor em Acão". No último sábado (19), na festa de Natal antecipada, organizada no bairro do Porto, às margens do Rio Cuiabá, havia presentes, balas, chocolates, refrigerantes e um jantar, mas o que mais sobrou mesmo foi afeto. Desta vez, não só moradores de rua participaram, mas também a comunidade carente da região. Um dia de trabalho, de lições e de muitas histórias, algumas delas que vou contar a vocês.

Dona Cherinho



Quem vê essa Senhora sorridente e bem disposta nem desconfia de sua história triste e cheia de perdas. Sueli Figueiredo, a Cherinho, como é conhecida entre os amigos e como se refere também aos seus, é uma cozinheira de panela cheia. As mãos que cozinharam em muito garimpo de Mato Grosso, hoje ajudam a alimentar o estômago e a alma dos moradores de rua de Cuiabá.

Mãe de dois filhos já desencarnados, como ela mesma se refere, Dona Sueli hoje cuida do neto Renan que a chama de mãe. Com uma força no olhar ela conta que o filho se foi aos 31 anos vítima de uma parada cardíaca após diagnóstico de uma virose. Quatro anos depois, a mãe de seu neto também faleceu e ela me conta que desconfia de um envenenamento.

“A dor da alma é a pior dor, Cherinho”, diz Dona Sueli sobre a perda dos filhos. Ela conta que por vezes pensou não querer mais viver e que frequentar o Centro Espírita e participar do projeto com os moradores de rua mudou sua vida. “Eu gosto muito desse trabalho, meu coração quer estar lá com os moradores de rua. A gente acha que estamos levando ajuda e que eles estão ganhando, mas somos nós quem ganhamos”. E com felicidade nos olhos ela meche a panela e distribui alegria.

O pregador das ruas



Perdi a noção do tempo em que fiquei escutando o Seu Paulo Nazário ali, no pé do coreto as margens do Rio Cuiabá. Perdi também as contas das histórias bíblicas que ele me contou naquele fim de tarde. Hora encenando um movimento de espada do gigante contra Golias, hora explicando o momento da transformação da água em vinho por Jesus, Seu Paulo me catequisou. Ele foi a prova de que a atenção dada é tão importante quanto o alimento servido. Recusando um gole de pinga de um companheiro de rua ele responde “Não quero pinga não, não to bebendo, eu quero falar”. E eu escutei.

Quando consegui uma brecha na oratória confiante de Seu Paulo, quis saber o que o levou aquela situação de abandono e precariedade. Nesse momento vi a confusão e insegurança surgirem e apenas consegui a idade de Seu Paulo: 58 anos. Entre brincadeiras sugeri então que achava que ele teria sido pastor ou padre na vida, arranquei um sorriso e mais uma porção de histórias.

O pai das muitas “Cris”



De todos com quem conversei esse foi o mais desconfiado, custou me deixar tirar uma foto que fosse. Seu Sebastião foi também o mais consciente da sua situação e mais lúcido, quando superei a primeira barreira de contato ele contou que tem cinco filhas e começou a dizer os nomes, todas começavam com “Cris”. Eram tantas que me perdi e não consegui repetir quando ele perguntou se eu tinha decorado, apenas disse que eram muitas “Cris” e ele riu. Depois da brincadeira com o nome das filhas ele me contou que já estava há 15 anos na rua, mas também não disse o motivo. Contou também que atualmente mora no viaduto do Despraiado, cerca de 5 km do local onde estávamos, e disse que vinha até o a região do Porto porque “gosto de andar”. Sobre o abandono da família, ele apenas se limitou a dizer que as filhas moravam com os maridos. Por fim, consegui a foto.

Desse sábado de sol a pino no bairro do Porto, além das histórias e rostos, ficou na cabeça a frase de Madre Tereza na camisa dos voluntários: “O importante não é o que se dá, mas o amor com que se dá”.
 
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