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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Aqui não tem natal: A realidade e o abandono das recuperandas do único presídio feminino de Cuiabá

Foto: Olhar Conceito

Aqui não tem natal:   A realidade e o abandono das recuperandas do único presídio feminino de Cuiabá
No almoço deste natal, cento e vinte mulheres estarão sem suas famílias. Dentro das grades da Penitenciária Ana Maria do Couto May, cada uma com sua história, seus motivos e arrependimentos, não receberá o aviso de visita. Isso não é regra do outro lado da rua, na Penitenciária Masculina Pascoal Ramos. Essa é a realidade não só de Mato Grosso, mas de diversos estados do Brasil: o abandono das mulheres detentas.

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“Muitas delas chegam até aqui ajudando os maridos, filhos e netos, e depois ficam sozinhas”, lamenta a diretora da penitenciária feminina, a única de Cuiabá, Joadilma do Espírito Santo. A agente penitenciária de carreira assumiu o cargo de direção em 2007 e, desde então, conhece os dramas das reeducandas.



“Atualmente são 200 meninas aqui. A capacidade é de 180. Mas nos últimos anos recebemos muita demanda do interior, já que muitas prisões fecharam por lá”, contou em entrevista ao Olhar Direto. Destas, 60%, ou 120, não recebem nenhum tipo de visita em nenhuma data.

Os dados são de um estudo realizado por Fabiana Thiel, assistente social que também trabalha na penitenciária e faz pós-graduação no Núcleo Interistitucional de Estudos da Violência e Cidadania (Nievci). Entregues no final deste ano de 2016, os números só comprovam a tese de Joadilma.


Joadilma, diretora do presídio (Foto: Olhar Conceito)

De todas as mulheres presas, 53,1% foram condenadas por tráfico de drogas. Em segundo lugar vêm os assaltos e latrocínios, responsáveis por 21,3% das condenações. A maior parte delas é solteira (66%), mas algumas são casadas ou estão em união estável (28%). Poucas até recebem visitas, mas 27% só da família. Os maridos são os visitantes de apenas 12,1%.

Religião e relacionamentos homoafetivos


Recuperandas durante o culto (Foto: Olhar Conceito)

Seja para passar o tempo, se arrepender dos ‘pecados’ ou sentir um pouco de paz, muitas das reeducandas se apegam na religião dentro da cadeia. Para não haver problemas, a cada dia uma denominação vai até o local e celebra seus cultos ou missas dentro dos cubículos.

No último dia 18 de dezembro, sexta-feira, a equipe de evangelismo “Resgatando Vidas”, da Assembleia de Deus, esteve na Penitenciária para ministrar o último culto do ano. “A Assembleia é a Igreja que tem adesão de 98% das recuperandas. E não só aqui, mas em quase todo o país”, contou Joadilma. Segundo a diretora da penitenciária, a maior parte delas só tem contato com a religião dentro da cadeia.

“Isso ajuda também a ter bom comportamento. Dentro dos cubículos evangélicos não tem flagrante, quase nunca tem comportamento ilícito”, conta. Além da Assembleia, tem dias fixos dentro da penitenciária a Igreja Universal, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, a Igreja Católica (Pastoral Penitenciária) e a Congregação Cristã no Brasil.

Outra forma de fugir da solidão, encontrada por muitas das recuperandas, está no amor. Segundo Joadilma, mesmo as meninas que nunca haviam se relacionado com outras mulheres antes, passam a ter relações homoafetivas dentro da penitenciária.

Rotina

As recuperandas da Penitenciária Ana Maria do Couto May ficam separadas em três alas: as provisórias, as condenadas e as do ‘seguro’, onde estão as que cometeram crimes contra crianças. “Elas não podem se misturar com as outras porque ninguém aceita. São como os estupradores no presídio masculino”, contou Janaina Moura, chefe de disciplina e segurança do presídio.

As que têm bom comportamento ganham o benefício de trabalhar dentro da prisão. Ali, elas podem ser empregadas no salão de beleza (como cabeleireiras e manicures), como costureiras fazendo os uniformes para o sistema prisional de todo o estado, como faxineiras, ou até mesmo preparando guloseimas, como pães doces e bolos, que serão vendidos para as outras recuperandas.


Sala de costura (Foto: Olhar Conceito)

“Elas podem receber duzentos reais dos visitantes por semana, e esse dinheiro elas gastam no mercado, no salão ou com os produtos da confeitaria”, explica Janaina. Segundo a agente, quando as reeducandas vendem os produtos, ficam com uma porcentagem do lucro, e a outra parte é usada para ‘melhorias em suas celas’.

Ali dentro, muitas delas frequentam também aulas regulares. 42,5% das recuperandas têm apenas o fundamental incompleto, 23,7% tem o ensino médio incompleto, e 2,4% são analfabetas. O número de mulheres com ensino superior incompleto é irrisório: 1,4%.

“Elas têm aulas do ensino fundamental e médio, e têm também o espaço das artes (...) Mas é difícil. Muitas não aparecem, temos que ir na cela buscar para assistir aula”, reclama Joadilma. Além da educação, elas também têm acesso a dentistas, assistentes sociais e enfermeiras.

No entanto, dentro da penitenciária não existe creche. “Atualmente temos quatro condenadas que estão grávidas”, conta a diretora. Apesar de o presídio não possuir um espaço adequado para visitas íntimas, Joadilma conta que as próprias reeducandas se organizam entre si para liberar a cela quando este tipo de encontro acontece.


Resquícios da creche (Foto: Olhar Conceito)

Quando a recuperanda atinge sete meses de gravidez, no entanto, elas não podem mais ficar na penitenciária. “A gente tinha uma creche aqui, mas fechou para reforma, depois parou por um tempo e até agora não voltou. A ideia é que as crianças fiquem aqui até os três anos de idade, mas eu também não acho que isso é o ideal. Este não é o espaço para elas”.

Enquanto as obras não voltam, as gestantes com sete meses de gravidez colocam tornozeleiras e vão para casa em sistema de prisão domiciliar. As que engravidaram há seis meses se juntam ao coro do abandono. Porque aqui não existe natal.
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