No último sábado (12), alguns moradores de rua flagraram a seguinte cena: um carro estacionou, uma pessoa desceu e, em seguida, abandonou dois cães em um dos canteiros da Praça Ipiranga. As ruas que circundam o local são movimentadas e, segundo relatos, os filhotes estavam desnorteados, correndo risco de serem atropelados. Então, num gesto de extrema compaixão, pois mal conseguem alimentar a si mesmos, decidiram acolher os cachorrinhos, os quais batizaram Tico e Teco. Agora querem doá-los, já que, devido à falta de condições, talvez não consigam oferecer os cuidados necessários. Quem se interessar, basta comparecer à praça, pois não há celular para contato.
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Os mais insensíveis podem estar se perguntando o que faz esta história figurar num site jornalístico. Ora, um dos critérios de noticiabilidade é o fato extraordinário, que foge da rotina. Neste caso, a solidariedade, cada vez mais ausente do cotidiano, ainda mais partindo de pessoas que têm tão pouco (do ponto de vista material) a compartilhar. “Sempre falta muita coisa pra gente, mas se tiver um prato de comida a gente come junto”, explicou Jefferson dos Santos, 36, que desde os 17 divide as ruas com outros moradores.
Atualmente eles estão em seis – agora oito, se contarmos os filhotes – e dormem no coreto da praça. E, apesar das dificuldades, foram tomados por um sentimento de empatia quando se depararam com os cães sendo abandonados. “Eles foram jogados igual a gente tá jogado aqui na rua. E ninguém se importa”, desabafou Jefferson, num tom que misturava um pouco de raiva e angústia.
Essa conversa aconteceu na tarde deste domingo (13), um dia após abrigarem os irmãos caninos, justamente quando a manifestação contra corrupção e a favor do impeachment da presidenta Dilma começava a aglomerar pessoas na praça. No local, policiais garantiam a segurança dos manifestantes, vestidos de amarelo, azul e verde. Enquanto isso, os moradores de rua estavam alheios a tudo e a todos, que, por sinal, também estavam alheios a eles.
Se atentavam mais aos cães, que, ao contrário dos demais, demonstravam algum tipo de afeto. Era uma imagem muito contrastante: no centro da praça, em pleno coreto, se via colchões sujos, cobertores, maltrapilhos e dois cachorros. E, apesar de tanta precariedade, ali não parecia haver perspectivas de dias melhores. Enquanto isso, ao redor, fileiras de policiais escoltavam pessoas bem vestidas e elegantes que se preparavam para reivindicar algum tipo de mudança. Ali constrastavam bem os conceitos de privilégio e direito.
Mas, voltando aos pedintes, não havia unanimidade sobre o futuro dos cães. Alguns, como o apelidado de Baiano, criaram tamanho apego que já não queriam abrir mão de cuidar dos filhotes. Outros, como Jefferson, que foi quem os resgatou, calejado de saber como é viver sem receber cuidados, prefere que os cachorros tenham uma vida mais digna do que esta que leva há anos com seus companheiros. “Peguei pra dar pra alguém que cuida deles, igual eu queria que minha família cuidasse de mim”, afirmou com bastante pesar.
Por isso, independente de quem for ficar com os irmãos Tico e Teco, os próprios moradores de rua ou alguma família disposta a adotar, uma coisa é certa: alguém se preocupará em cuidar e dar carinho a eles. No entanto, e quanto àquelas pessoas? “Quem preocupa com nóis (sic) é Deus”, concluiu Jefferson.
Portanto, enquanto o destino dos cães abandonados segue indefinido, o de moradores de rua é certo. Vão seguir abandonados pelo Estado, excluídos pela sociedade e invisíveis às pessoas. Eles, de fato, levam um vida de cão.
