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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Depois de catorze anos, mato-grossense passa natal 'sóbria' pela primeira vez em clínica de reabilitação

Foto: Olhar Conceito

Claudilene Siqueira, interna da clínica Bem Viver

Claudilene Siqueira, interna da clínica Bem Viver

“É claro que é difícil, eu sinto saudades da minha família. Mas pra mim, passar o natal aqui vai ser uma maravilha, porque será a primeira vez em catorze anos que vou estar sóbria”. As palavras de Claudilene Siqueira, 34, são um misto de tristeza e esperança. Internada há sete meses na Clínica “Bem Viver – Começando Um Novo Caminho”, a mato-grossense de Guiratinga nunca recebeu visitas, mas comemora o fato de ter conseguido deixar as drogas, de quem foi refém desde os dezoito anos.

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Apesar de não ter os R$1800 para pagar todos os meses na clínica de reabilitação, ela conseguiu uma vaga na Bem Viver com o apoio da proprietária, Adelaide Vargas. “Eu procurei o Fórum da minha cidade pra pedir ajuda, e eles me arrumaram uma vaga. Mas três dias depois que eu cheguei, eles avisaram que eu teria que voltar, porque alguma coisa na papelada tinha dado errado. Aí a Adelaine me deu uma vaga social”, contou. Segundo Claudilene, no princípio a vaga era apenas de quatro meses, mas depois deste tempo ela foi renovada por mais três.

A Clínica já existe há quatro anos atendendo somente a mulheres. Quatro anos antes disso, era para homens, e em outro lugar. A proprietária trabalha junto com sua filha e sócia, Adelma Vargas, e sua história pessoal tem muito a ver com a escolha profissional. “Eu fui estudar psicologia depois de velha, digamos. Comecei há dez anos, e na época fiz um estágio na CAPS [Centro Integrado de Assistência Psicossocial] da Prefeitura, e vi que o serviço era muito precário. Quem precisava de ajuda ia lá durante o dia, mas a noite o local fechava e as pessoas voltavam para a rua”, lembra. “Fiquei lá durante seis semanas, e senti a necessidade de fazer algo mais efetivo”.


Adelaide Vargas, proprietária (Foto: Olhar Conceito)

Com um pai e um irmão que sofreram com o alcoolismo, e um filho que foi dependente de drogas por algum tempo, Adelaide conhecia o ‘fantasma’ do vício, mas sabia que ele podia ser superado. Depois de quatro anos liderando uma clínica masculina, decidiu partir para o lado feminino, já que em Cuiabá não existia nenhum lugar específico para elas, e que não tivesse cunho religioso.

A Clínica Bem Viver tem tudo o que a psicóloga acredita ser necessário para ajudar as internas. “Nosso tratamento é feito com base nos doze passos [dos Alcoólicos Anônimos e dos Narcóticos Anônimos]”, explica. Adelaide conta que as meninas ficam internadas por cerca de seis meses e, neste tempo, só tem contato com a família duas vezes por mês, e acesso a um número restrito de cigarros por dia.  

“O cigarro é impossível de tirar, porque temos que ir passo a passo. Mas damos uma quantidade certa por dia, e se acabar, acabou”, explica. Sobre as visitas, ela conta que no primeiro mês, de adaptação, elas são proibidas. “No primeiro mês elas não falam com ninguém nem por telefone. Porque é o momento mais difícil, estão se adaptando, estão muito ansiosas. Depois dos trinta dias, tem direito a um telefonema. E com o tempo, falam uma vez por mês com a família por telefone, e no primeiro domingo do mês podem receber visitas”.

Apesar da possibilidade, há sete meses Claudilene não recebe ninguém. Mãe de dois filhos – uma de 18 e um de 14 – ela sente falta do afeto, mas entende. “Meu filho é o único que me liga todo mês. Ele diz que acredita em mim. É também por ele que estou aqui”. Mas ele não pode visitar a mãe, já que sua guarda foi passada para o pai, que atualmente é casado com outra mulher, e não mantém nenhum tipo de relação com a antiga companheira.


Apresentação de natal das internas (Foto: Olhar Conceito)

No último domingo, dia 18, Claudilene não tinha para quem correr depois da apresentação de natal que fez, junto às outras internas. Com o apoio da poeta Luciene Carvalho, as quinze meninas usaram suas próprias frases – que Luciene compilou – para dizer o que sentiam às famílias. “Eu quero pedir perdão” e “Eu preciso de atenção” eram algumas das frases do poema. Quando disseram “Mãe, eu te amo”, a boca de Claudilene não se mexeu. Mas a de Larissa sim.

Com apenas catorze anos, a garota de Sinop está internada também há sete meses. As ‘más companhias’, segundo a mãe, Mareli Sarbretto, 43, foram as culpadas pelo desvio da filha. Casada com um caminhoneiro e cuidando da sogra que vive acamada, a diarista percebeu quando sua ‘bebê’ mudou de comportamento. “Mãe sempre sente”.


Mareli, mãe de Larissa (Foto: Olhar Conceito)

“Ela começou a querer ficar muito na rua, não obedecer, não fazer os deveres, não querer ir à escola. Eu falava, Sandro, tem alguma coisa errada”, lembra a mãe. Aos poucos, as atitudes rebeldes da garota ficavam cada vez mais frequentes, até que durante a ExpoNop (exposição agropecuária da cidade), ela sumiu. “Ela foi nos primeiros dias com autorização de Sandro. Eu não queria. No segundo dia eu já não deixei, e ela foi mesmo assim. No terceiro ela sumiu. Ficou quatro dias desaparecida”.

Mareli avisou a polícia, mas teve que vir às pressas para Cuiabá por conta de uma consulta da sogra. Neste meio tempo, a garota com quem a filha tinha saído ligou. “Ela me disse que a Larissa queria as roupas dela, porque não ia mais morar comigo. Eu disse que tudo bem, pra ela ir buscar que eu ia dar um dinheiro também. Assim consegui pescar a menina”. A polícia enquadrou a ‘má companhia’, uma garota de treze anos. “Minha filha voltou pra casa, disse que estava sendo aliciada, que tinham feito ela deitar com dois homens. Eu vi que não tinha mais jeito”.

Mesmo contra a vontade do pai, a mãe agiu rápido, e com um empréstimo do cunhado internou Larissa na Bem Viver. Hoje, quase sete meses depois, ela diz que está bem. “Me disse que quer voltar a estudar, e eu vou colocá-la numa escola particular. Agora é esquecer o passado. E eu já falei pra Sandro, a gente precisa dar mais atenção. Ele trabalha, às vezes, até no final de semana, e a menina fica sozinha. A gente olha o problema dos outros e nunca acha que vai acontecer com agente. Até que acontece”.


Foto: Olhar Conceito

Para Mareli, a esperança agora é que a disciplina que Larissa aprendeu na clínica seja levada para a vida. Ali, assim como todas as internas, ela tem escala para limpar, cozinhar e lavar. Também tem horário para fazer ginástica, ir ao psicólogo, fazer aula de artes e diversas outras atividades.

Fora da clínica, ela terá oportunidade de mudar de vida, já que ali é ‘só o começo’. Talvez o caminho não seja tão fácil para Claudilene. Aos 34 anos, sem formação, ela trabalhava em um restaurante, mas não sabe se vai ser readmitida. São sabe o que fazer quando for embora da Bem Viver.

O futuro muitas vezes é incerto para as ex-internas. De acordo com Adelaide, a proprietária, apenas quatro de dez meninas que saem dali não voltam para as drogas. Das seis que sobraram, quatro voltam cerca de um ano depois. Duas delas não conseguirão se livrar do vício nunca.
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