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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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sem estrutura

Hospital afasta especialista em parto humanizado alegando que os gritos das mulheres atrapalham

Foto: Elis Freitas

Dr. Victor durante parto humanizado

Dr. Victor durante parto humanizado

Diversas gestantes e mães se viram desamparadas e até ofendidas na última semana, depois que o ginecologista e obstetra, especialista em parto humanizado, Victor Rodrigues, foi comunicado que não poderia mais realizar os partos no Hospital São Mateus sob a justificativa de que o hospital ‘não tem estrutura’ e que ‘as mulheres gritam muito e atrapalham o repouso dos outros pacientes’.

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Para mostrar sua revolta, as pacientes e ex-pacientes do médico se mobilizaram nas redes sociais e chegaram a gravar um vídeo agradecendo ao doutor por sua dedicação. Formado há 21 anos, Victor sempre se dedicou ao parto humanizado – segundo ele, a “conduta do médico feita com assistência obstétrica, respeitando em primeiro lugar a fisiologia da paciente e em segundo lugar os desejos da mulher”.

Um carinho para o Dr. Victor from Elis Freitas Fotografia on Vimeo.

Procurado pela reportagem do Olhar Direto, Victor confirmou o ocorrido: “Na terça-feira passada eu fui chamado numa reunião, e fui informado que o Hospital não desejava mais que eu internasse meus pacientes lá dentro porque eles não tinham a estrutura necessária. Eu indaguei que se o problema fosse esse, não teria nem estrutura para cesariana também. Aí eles me disseram que no parto humanizado as pacientes gritam muito e atrapalham os outros pacientes que estão em repouso”, afirmou.

Victor não é médico contratado do Hospital, mas há quinze anos interna suas pacientes ali. “Nestes anos eu estruturei a minha vida praquele hospital. Coloquei meu consultório lá perto e tudo mais. Há cinco anos, me disseram que queriam que eu assumisse os partos [de alguns médicos que iriam se aposentar] e que o hospital passaria por uma reforma para melhorar a estrutura da obstetrícia. Mas essa reforma nunca aconteceu. Os partos acontecem mesmo nos quartos, e é normal as pacientes vocalizarem quando estão com dor”, explica.

Segundo o médico, outros hospitais da capital, como o Hospital Santa Rosa e o Femina, fizeram essas reformas e melhoras na estrutura, também porque o parto normal vem sendo indicado e incentivado pela Associação Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No ano de 2015, a ANS criou a Regra Normativa 368, em que obriga as Operadoras de Saúde, sempre que solicitadas, a divulgar os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico. Na época, o diretor-presidente da ANS, José Carlos de Souza Abrahão, afirmou (via Assessoria):

“O parto é um dos momentos mais importantes na vida de uma mulher e de sua família e nós acreditamos que, ao fornecer informações qualificadas à mulher, ao informá-la sobre os riscos que podem ser gerados em decorrência de um procedimento cirúrgico desnecessário, ela estará mais segura na decisão em relação ao seu parto, escolhendo o melhor para sua saúde e a de seu bebê. Essa medida é parte de uma estratégia maior da ANS, que busca incentivar o setor – beneficiário de planos de saúde, operadoras, hospitais e médicos - a mudar o modelo de assistência ao parto e nascimento, promovendo uma crescente melhoria nos cuidados à gestante e à criança”
. Veja a normativa completa AQUI

De acordo com Victor, o parto normal é mais indicado por ser natural à mulher: “O corpo da mulher foi criado para que ela realize esse tipo de parto. A cirurgia sempre tem mais risco de infecção, hemorragia, e os números mostram que a mortalidade materna em casos de cesáreas desnecessárias é bem maior em relação aos partos normais”, explica. Além disso, as crianças nascidas de cesarianas são as que mais vão para as Unidades de Terapia Intensiva após o parto, “porque muitas vezes o médico faz a cirurgia com 38 semanas, mas o bebê ainda não está pronto”, completa. 


Victor Rodrigues (direita); (Foto: Elis Freitas)

No parto humanizado, o bebê também sai pela vagina, mas o principal é que o médico não faz nada que a paciente não queira: “Às vezes as mulheres não querem que espere a bolsa estourar, ou não querem que use ocitocina, um hormônio que acelera o trabalho de parto aumentando as contrações, ou não querem que se faça o ‘pique’ na vagina para ampliar o canal do parto. E essas vontades são respeitadas, porque não existe nada científico que prove que esses procedimentos ajudem na segurança do parto, eles só aceleram”, explica o médico. Segundo ele, os procedimentos são feitos com segurança, podendo ser feita uma cesariana de emergência quando necessário.

Este foi o caso, por exemplo, de Caroline Araújo. Há pouco mais de um ano, ela passou por um parto humanizado com acompanhamento do Victor, depois de uma experiência não muito boa. “Quando eu descobri que eu estava grávida eu tinha outra ginecologista que me atendia, e no início, conversando com ela, eu deixei claro que eu estava pensando no parto normal e que eu também tava pensando que fosse humanizado. E ela me disse que faria. Quando eu cheguei aos seis meses de gestação ela começou a colocar um monte de restrições. (...) Ela simplesmente me disse que pela minha idade, 33 anos na época, era meu primeiro filho, minha musculatura era mais rígida então com certeza ela teria que me dar um pique e se precisasse ela ia usar o fórceps. Ou seja, eu já tinha deixado claro que eu queria parto normal e sem intervenções, e ela disse que quem decidia o parto era ela. Que se eu quisesse, eu faria um documento e me responsabilizaria pela vida do meu filho”, conta a mãe. 

Depois disso, ela procurou o Victor. “Do primeiro momento em que eu cheguei pra conversar com o Victor até o momento do meu parto foi tudo muito claro e eu senti uma segurança nele”.

Caroline teve um parto humanizado em um quarto do Hospital São Mateus, com a presença de doula, e por complicações (rompimento prematuro da bolsa amniótica), o bebê teve que ir para a UTI. “Quando eu já estava com a dilatação perfeita, quando já estava pra expulsar, eu tive bolsa rota (ia acontecer de qualquer forma, a gente só descobre depois) o meu bebê teve uma pequena falta de oxigênio, a gente teve que ir pra UTI mas não foi por conta do parto. A minha bolsa furou, ele teve uma infecção, gerou uma convulsão, ele precisou ficar na UTI pra ser medicado. E se eu tivesse feito uma cesárea, como eu vi vários bebês na UTI neonatal que a mãe teve isso e foi cesárea, eu não poderia aguentar os treze dias que ele ficou [na UTI]. O parto humanizado me deu uma elasticidade, uma força, que eu não tinha problema nenhum em abaixar, levantar, pegar taxi, e ficar o dia todo ao lado do bercinho dele na UTI. E se fosse uma cesárea isso seria impossível”, explica.


Caroline Araújo e seu filho Benjamin, nascido de parto humanizado com a ajuda de Victor (Foto: Arquivo Pessoal)

Benjamin nasceu com 52 centímetros e quatro quilos. “Eu não me arrependo nenhum minuto embora tenha acontecido isso comigo. E todas as vezes que eu encontro uma mãe que acabou de descobrir que está grávida eu converso muito com ela, pra que ela tenha uma real noção de tudo e escolha o melhor pra ela e pro bebê dela”, finaliza.

Apesar dos benefícios, o parto normal demora mais, podendo chegar a até dezesseis horas de trabalho de parto. Além disso, ele não tem hora pra acontecer: “O parto normal até custa mais caro, mas a média de tempo é de seis horas de trabalho de parto, enquanto a cesárea demora apenas uma hora. Ou seja, a cesárea é mais rentável”, explica o obstetra. “No entanto, a gente acredita que o trabalho do hospital deve ser o de função social, e não puramente comercial”, completa.

Em nota, o Hospital São Mateus afirmou que não tem estrutura para o parto humanizado. Leia a íntegra:

O Hospital e Maternidade São Mateus esclarece que não tem ambiente apropriado para realizar partos humanizados, atualmente tem sido praticado no quarto, o que pela falta de estrutura hoje coloca em risco a segurança da mãe e do recém nascido. Os partos humanizados exigem todo um ambiente preparado conforme normas do Ministério da Saúde. Os partos normais e cesarianas estão sendo realizados no centro cirúrgico normalmente pela entidade hospitalar. Ressaltamos que Cuiabá possui outras três instituições hospitalares devidamente equipadas para atender esse tipo de parto.
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