Notícias / Brasil

31/07/2014 - 09:23

História, disciplina e talento: técnicos gaúchos dominam Seleção há 13 anos

Globo Esporte

 Citada até pelo argentino Alejandro Sabella durante a Copa do Mundo, a escola gaúcha de técnicos tem predominado na seleção brasileira nos últimos 13 anos. Com exceção de Carlos Alberto Parreira, o comando do time canarinho ficou a cargo de treinadores do Rio Grande do Sul desde 2001. Hegemonia que permanecerá por mais algum tempo, já que a CBF anunciou o retorno de Dunga na última semana, de olho na Copa de 2018. A prova que o DNA dos treinadores do Sul tem chamado a atenção dos dirigentes brasileiros.

No total, são dez técnicos oriundos do Rio Grande do Sul que trabalharam na Seleção. O taquarense Oswaldo Brandão foi o precursor nos anos 50 e abriu espaço para João Saldanha, Carlos Froner, mestre de Felipão, e Cláudio Coutinho, por exemplo. Da nova geração, além de Dunga, comandaram o time brasileiro os gaúchos Luiz Felipe Scolari e Mano Menezes. O GloboEsporte.com ouviu treinadores e especialistas para tentar entender essa insistência, sobretudo recente, no sotaque gaúcho na Seleção.

A maioria das teses passa quase sempre pela disciplina, a mão firme, que tanto caracteriza muito os nomes citados linhas acima. O ex-lateral-direito Luís Carlos Winck fala com a propriedade de quem nasceu no futebol gaúcho, mas que soube alastrar seu talento Brasil afora. Revelado pelo Inter nos anos 1980 junto com Dunga, Winck chegou à Seleção e a grandes clubes do centro do país. Foi dele, por exemplo, o cruzamento para o histórico gol de Sorato, que deu o título nacional ao Vasco, em 1989. Hoje treinador, o ex-atleta não tem dúvida do segredo dos técnicos de sua terra:

- A escola gaúcha é de disciplina, respeito e cobrança. Isso faz parte do futebol do Rio Grande do Sul, que foca mais no coletivo. Há uma tradição dos jogadores do Sul, que é de pegada, força e intensidade. Tem a questão também do comando, da personalidade. Acho que isso é um diferencial - teoriza.

Cláudio Duarte também fez história no Inter como lateral, um pouco antes do que Winck, nos anos 1970. No entanto, rodou por tantos clubes como treinador, inclusive pelo rival Grêmio, que o seu clube do coração virou mesmo o futebol. Ele elenca diversos elementos para tentar definir a escola gaúcha:

- Acho que é pela característica, pelo trabalho, pela disciplina, pela seriedade, pela organização. É um conjunto de características.

Curiosamente, ao listar tantos predicados, Claudião conseguiu resumir um dos pais do estilo gaúcho. Porque há uma espécie de "pedra-fundamental" dessa "grife" que remete não aos países vizinhos, mas ao continente europeu. Até os anos 1950, não havia de uma forma tão aberta e conhecida essa "cara" do futebol do Rio Grande do Sul. Tanto que o grande time que o estado havia visto foi o "Rolo Compressor" dos anos 1940. O Inter era uma máquina de vencer, sobretudo o Grêmio, empilhando títulos com um futebol técnico e vistoso.

A mudança de paradigma começou após um fracasso numa Copa no Brasil. Filme parecido ao de 2014? Talvez. Após a derrota para o Uruguai no Maracanazo de 1950, o país passou a importar treinadores, sobretudo da Hungria, vice-campeã da Copa de 1954 e que praticava o melhor futebol da época. O Grêmio teve o seu, em 1954. László Székely, no entanto, não vingou. Deu lugar o Oswaldo Rolla, o Foguinho, que já havia sido ídolo como jogador do clube. Ficou ainda maior ao aplicar no time o que ficou conhecido como "futebol-força", trazendo para o Brasil conceitos pouco vistos, graças a uma excursão à Europa com o Cruzeiro-RS, em 1953.

Remodelou o plantel, procurando jogadores rápidos e ocupadores de espaço. Priorizou a parte física, fazendo os atletas subirem e descerem as arquibancadas do recém-inaugurado Olímpico. Esforço que valeu a pena. Tirou o Inter, do Rolo Compressor e tudo, de sua hegemonia e abriu caminho para o Grêmio conquistar 12 Gauchões em 13 possíveis. Um dos jogadores que ganhou chance com Foguinho exatamente por seu estilo considerado moderno para a época, o ex-meia goleador Milton Kuelle compara o trabalho dos atuais treinadores gaúchos com o antigo chefe.

- As exigências são semelhantes. O jeito deles é parecido. O futebol-força criou uma nova imagem no futebol brasileiro e os gaúchos se baseiam nisso. O Foguinho dizia que a gente não podia tomar gol, que queria os jogadores correndo os 90 minutos. Pedia para a gente se empenhar. Nosso grupo tinha jogadores de força e aquilo funcionava - comentou o ex-atleta, que também foi técnico e dirigente do Grêmio.

- Se notares, a exigência dos atuais treinadores gaúchos é semelhante às características do Foguinho. O jeito deles é parecido. o Felipão era um zagueiro grosso, de Caxias. Se tu não correr e não fizer força, vai ficar no meio do caminho.

Em 1970, ocorrera praticamente o oposto. Um técnico "estrangeiro" ajudando a complementar o estilo de força do Rio Grande do Sul. O líder dessa mudança foi Rubens Minelli, responsável por estruturar o Inter bicampeão brasileiro em 1975 e 1976.

Naquele time histórico, havia a famosa marcação gaúcha, simbolizada no volante Caçapava, que anulou Rivellino no Maracanã. Mas também havia Falcão, Carpegiani e cia. Uma mostra de que as equipes do Sul também podiam jogar bonito.

- Quando vim para o Rio Grande do Sul, o Inter era bastante defensivo e se tornou mais ofensivo comigo. Mudei o jeito de jogar e pratiquei a marcação mais adiantada - orgulha-se, hoje aos 85 anos.

Lateral na equipe de Minelli, Cláudio Duarte enxerga ainda uma questão geográfica. Essa mistura de raça, marcação e talento, que chegou ao seu auge nos anos 1970 com o Inter nos Campeonatos Brasileiros, também pode se ver em abundância nos vizinhos uruguaios e argentinos, muito próximos ao Rio Grande do Sul.

Não à toa, nessa década, houve uma invasão de latino-americanos no futebol do estado, que já havia sido iniciada nos anos 1960. Um pouco mais distante no mapa do continente, está o Chile, que presenteou o Colorado com o zagueiro Figueroa. Inteligência tática, garra ao extremo e também muita habilidade quando precisava usar a bola.

- O futebol aqui tem características mais castelhanas, mais parecido com Uruguai e Argentina. É um pouco mais disciplinado, organizado e defensivo. Acho que isso é o que difere nossos técnicos dos demais estados - explica Cláudio Duarte. - A gente tenta ver o futebol como um todo. E essa escola é longa, vem desde João Saldanha, Cesar Coutinho, Oswaldo Brandão...

Por falar em argentino... A busca pela compactação é coisa antiga no Rio Grande do Sul. Só mudou de nome. Por causa dela, um treinador gaúcho foi citado durante a Copa do Mundo. Após passar à decisão, Alejandro Sabella, da Argentina, disse, diante dos olhos do planeta, que aprendera o conceito de marcação que hoje é moda com um treinador no Grêmio. Era Valdir Espinosa, nos anos 1980.

Antes de treinar o então meio-campista Sabella em 1986, Espinosa foi campeão do mundo aos 35 anos, em seu primeiro ano no comando de um grande clube. Embora exemplar fiel da "escola gaúcha", o treinador também seguiu os passos do paulista Minelli e optou pela mescla. Força, sim, mas sem abrir mão da técnica. Assim, com craques do quilate de Paulo Cesar Caju, Mário Sérgio e Renato Gaúcho, venceu o Mundial Interclubes de 1983, contra o Hamburgo, no Japão.

- Teve um momento que isso era muito pesado, do treinador gaúcho, do carioca, do paulista. A gente tinha pouco contato naquela época e então ficava bem marcado isso. A coisa foi se abrindo. Mas tem que olhar o futebol de uma maneira geral. O Grêmio de 83 (campeão mundial) era uma equipe basicamente técnica, que contrariava, entre aspas, aquilo que era a ideia de equipe gaúcha. Acrescentei a parte técnica ao time, mas mantive a tradicional força e marcação - ressalva o treinador, que hoje apresenta ideias táticas em blog e vídeos na internet.

Títulos nacionais e internacionais não faltam aos treinadores gaúchos. O sonho de voltar a conquistar o mais importante deles, a Copa do Mundo, está, novamente, nas mãos de um técnico do Rio Grande do Sul. Dunga é um privilegiado das estatísticas. Assim como Felipão, tem a segunda chance de chegar a um Mundial, mas, ao contrário do antecessor, não venceu na sua primeira tentativa.

Dunga é o décimo gaúcho na Seleção, mas a maioria não treinou em Mundiais. Apenas ele e Felipão. João Saldanha chegou perto. Acabou demitido pela então CBD meses antes da Copa de 1970 e viu Zagallo comandar o time no tricampeonato no México. Voltando para a atualidade, Mano Menezes também passou próximo ao sonho da Copa, mas foi demitido após a medalha de prata na Olimpíada de Londres, em 2012.

Dunga terá uma segunda chance 2018. Tradição não lhe falta no sangue.

Nenhum comentário

comentar
Sitevip Internet