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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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As armadilhas da Recuperação Judicial

A Lei de Recuperação Judicial completa, em fevereiro, 10 anos de vigência com muitos avanços para o mercado. Mas também inúmeras são as incertezas e dúvidas sobre sua real eficácia no combate à crise da empresa.

O empresário que decide ingressar com essa medida deve saber que muitos são os desafios que o esperam. Por tratar-se de uma lei ainda jovem e sem muitos precedentes de sucesso, traz ainda o estigma de que é usada quando a empresa já está praticamente falida.

Por isso, após o ingresso no Judiciário, o mercado, na maioria das vezes, se fecha para a empresa, que, como consequência, perde linhas de crédito, pena com a postura mais dura dos fornecedores, além de sofrer outros revezes e ainda ter de lidar com a instabilidade e desmotivação da maioria dos funcionários. É necessário muita habilidade e equilíbrio emocional aos líderes para superar essa fase.

Infelizmente, muitas empresas sucumbem numa moratória sem fim e não conseguem sair da recuperação judicial. É de vital importância que o empresário compreenda que a recuperação Judicial não é somente um trabalho jurídico. Exige um amplo planejamento financeiro e econômico, o que muitas vezes significa diminuir faturamento, cortar e controlar custos.

É fundamental que o grupo de decisão se reúna periodicamente com conselho de gestão de crise com o objetivo de buscar soluções e saídas de mercado. A empresa deve ter uma política de governança para crise.

Os fornecedores estratégicos - indispensáveis à operação - e a instituição financeira parceira devem ser comunicados antes do pedido de recuperação Judicial. Esses agentes estratégicos não podem ser pegos de surpresa. Infelizmente, em muitos casos não é o que acontece. E isso causa um verdadeiro caos na empresa, muitas vezes irreversíveis.

A pressão do mercado sobre a empresa somente melhora quando há sinais de que a empresa optou por essa saída para realmente organizar-se, propondo um plano factível e realista, e não como proteção para uma moratória sem fim.

Algumas questões jurídicas sobre a lei também preocupam, como o fato de que mesmo com suspensão das execuções contra a empresa, benefício concedido pela lei, os credores, geralmente instituições financeiras, podem perseguir as dívidas contra os avalistas e fiadores, que quase sempre são os próprios sócios, parentes ou amigos.

Nessa mesma linha, as dívidas fiscais, que em muitos casos são o maior problema do empresário, estão fora do rol dos créditos da recuperação judicial. Tal realidade exige um plano de ação específico alinhado às possibilidades de caixa previstas.

Enfim, muitas são as armadilhas que a lei traz. A recuperação judicial não é um processo para amadores. Para uma empresa sair vitoriosa é necessário ingressar com a medida quando ainda possui viabilidade econômica e financeira, contar com uma consultoria jurídica experiente e eficiente, mas acima de tudo ter gestão financeira capaz de promover uma quebra de paradigma na sua realidade, sob pena da moratória legal agravar ainda mais a crise e trazer mais desconfiança do mercado.

Esse é sem dúvida um grande desafio para a vida profissional e pessoal do empresário e ele deve estar ciente do que o espera, pois somente dessa forma estará preparado e não será pego de surpresa no transcorrer do processo.

Gabriele Chimelo - coordenadora jurídica da Scalzilli.fmv Advogados e vice-presidente da Comissão de Falência e Recuperação Judicial da OAB/RS

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