Olhar Jurídico

Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Os dias eram assim

A Rede Globo está exibindo uma série no final da noite que retrata, mais uma vez, o tempo em que os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos foram mitigados, o que me fez pensar sobre a importância da Constituição Federal em vigor dentro do contexto jurídico.
 
O seriado logo me chamou a atenção pelo fato de que conta a resenha de um médico recém-formado no início da década de 70, fato que logo identifiquei a figura do meu pai, hoje ainda galã, que também na década anterior cursou medicina em uma Universidade Federal no interior do Rio Grande do Sul.
 
Não entrando no debate ideológico sobre o sistema político vigente à época, há quem defenda que hodiernamente deveria ser baixado um Ato Institucional tal qual aquele de número 5 de 1968, que teve em seu preâmbulo a seguinte descrição: "CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria".
  
Assim, numa breve leitura do texto, vimos que o motivo em questão traz um discurso ideológico carregado de sentimento ufanista que em parte vestiria como uma luva nos tempos atuais.
 
Contudo, agora fazendo uma análise jurídica do referido Ato Institucional, percebo que o mesmo determinava também que estavam excluídos de qualquer apreciação judicial, todos os atos praticados de acordo com a referida regra e seus atos complementares, bem como os respectivos efeitos.
 
Portanto, tal comando normativo mutilava de forma gritante a garantia que o cidadão tinha de invocar a tutela jurisdicional quando entendesse que havia qualquer abuso ou ilegalidade por parte do Poder Público.
 
De notar que havia no caso específico uma inequívoca agressão ao Princípio Republicano, do qual depreende-se de sua essência que os Poderes da República, quais sejam, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, são autônomos e independentes, uma vez que o Ato Institucional sob comento impedia que o cidadão buscasse o abrigo do Poder Judiciário quando evidenciada qualquer agressão ao seu direito.
 
Nesse contexto, tirante todas as mazelas políticas e sociais que estamos vivenciando, é de levantar as mãos para o céu e agradecer que é cláusula constitucional pétrea em vigor, ou seja, aquela que não pode ser alterada sequer por emenda à própria Constituição Federal, a garantia ampla e irrestrita de qualquer cidadão buscar o resguardo do Poder Judiciário quando houver inclusive, ameaça ao seu direito por parte do Poder Público.
                                           

Victor Humberto Maizman é Advogado e Consultor Jurídico Tributário, Professor em Direito Tributário, ex-Membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF
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