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ENTREVISTA EXCLUSIVA

Maria da Penha é o que mais gera soltura; juiz explica audiências e fala de empresário que espancou médica; veja entrevista

27 Mai 2016 - 09:18

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Juiz Marcos Faleiros

Juiz Marcos Faleiros

Até o início deste mês, 435 pessoas já foram submetidas à audiência de custódia por práticas de violência doméstica, violência contra menor, estupro, violação de domicílio e cárcere privado – crimes que atingem a dignidade da mulher. A violência doméstica, aliás, ocupa a quarta posição no ranking, ficando atrás apenas de roubo, furto e do tráfico de drogas. Ainda, ocupa o primeiro lugar entre os crimes cujas audiências terminam em soltura. Entretanto, segundo estatísticas da própria 11ª Vara Criminal - Justiça Militar e Audiência de Custódia (Jumac), dos soltos, apenas 2% tornam a ser presos pela mesma prática, ficando na última colocação deste ranking. “O percentual é excelente”, avalia o magistrado responsável pelas audiências, Marcos Faleiros da Silva, e ele explica porquê.

Nesta entrevista, datada de 20 de maio e cuja segunda parte você acompanha abaixo, Faleiros explica em detalhes ao Olhar Jurídico como funciona o instituto da audiência de custódia para crimes de violência doméstica e suas aplicabilidades. Entenda:

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Juiz Marcos Faleiros, em casos de violência doméstica, quando o marido espanca a esposa, por exemplo, o agressor sabe onde a vítima mora, conhece seus hábitos, costumes e estilo de vida. A justiça não assume um risco maior em soltá-lo? Não seria melhor aplicar a prisão preventiva?

Prisão preventiva em 100% dos casos de violência doméstica transgride a ordem institucional. Não é possível esse tipo de procedimento. Você tem que analisar se estão previstos os requisitos da lei. Por exemplo, se há algum risco para a vítima, há de se considerar os autos do flagrante, dialogar com o setor psicossocial que está ali com a gente, considerar as palavras do agressor, (que a gente ouve na hora). Também nós temos tentado ouvir as palavras da vítima, pois nós procuramos ouvi-la. Apesar de que existem entendimentos no sentido de que não se deve fazer isso, nós procuramos falar com ela, mesmo que por telefone. Nesses casos temos tomado esse cuidado.

Mas, veja que na violência doméstica nós concedemos liberdade em aproximadamente 65% dos casos, isso em um ano de audiência de custódia, e determinamos a prisão de 35%, só. E, por incrível que pareça, é o caso que temos menos reingresso (quando o indivíduo volta a ser preso em outro momento). Grifo: violência doméstica é o que a gente mais solta, entretanto, o índice dos que voltam a ser detidos é de 2%, enquanto que o índice geral é de 6%.

É um percentual aceitável?

É bom, é um percentual excelente. Acho que é cedo para comemorar. Precisamos de mais tempo para saber se o índice se mantém. Vale explicar que o "Índice de Reingresso" trata-se de pessoas que são presas de novo. Se ele foi preso ontem e foi preso de novo, ele entra para a estatística.

Mas se você prestar atenção, 94% das pessoas que a gente solta em audiência de custódia não volta a cometer novos crimes. Caso de Lei Maria da Penha é o que a gente mais solta e 98% dos soltos não voltam a cometer o crime previsto nessa lei. Ainda, neste tipo de caso, a gente tem aplicado medidas assistenciais, tornozeleiras, a gente conversa com o infrator, cara a cara com o juiz, oferece orientação na hora, etc.

É um índice bom, é um número no mínimo curioso. Para se parar e pensar: Espera aí, como é que quanto mais você solta, em violência doméstica, menor o retorno ao delito? Ainda não temos hipótese para explicar, mas aplicamos muitas medidas assistenciais, o próprio contato do juiz com o agressor, dos familiares do agressor com o juiz, pode explicar. Mas eu não posso confirmar, pois ainda não há dados científicos.

Recentemente Olhar Jurídico noticiou o caso do empresário Marcos Cesar Campos que foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPE) por crime de lesão corporal e grave ameaça contra a médica Camila Tagliari, de 29 anos. Ele foi solto por audiência de custódia. Como explicar?

Esse tipo de situação é corriqueiro em audiências de custódia. Violência doméstica nós vemos todos os dias aqui. Esse caso tomou pé na imprensa talvez por sua classe social. Mas praticamente vemos todos os dias situações semelhantes e aplicamos o mesmo critério para todos os casos.

Nesse caso concreto, segundo me recordo dos autos, esse rapaz não tinha antecedentes em audiências de custódia, me lembro que foi conversado com a vítima e ela não relatou nenhum tipo de ameaça a vida dela e entendemos por bem que a tornozeleira com botão do pânico seria suficiente para preservar a vida e a integridade física da vítima, preservamos várias outras medidas protetivas, preservamos o patrimônio do casal e toda uma série de situações, e entendemos que aquilo seria suficiente para a profilaxia, vamos dizer assim, para o tratamento do problema. Porque a prisão pela prisão, prisão por vingança é desconhecido para o direito. Este tipo de coisa é desconhecido. Prisões processuais não prevêem esse tipo de situação. Tanto é verdade que, posteriormente, não houve só um descumprimento de medida cautelar. Foram descumprimentos e o magistrado decretou a prisão. Isso é um dos motivos para decretação da pena, conforme a Lei Maria da Penha. Mas hoje não tenho mais contato com o processo e o que sei é pelo que leio em Olhar Direto.

Cito aqui: Artigo 313, inciso III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Entendeu? Ou seja, se ele não cumpriu a medida protetiva que determinei lá, se for o que consta no site Olhar Direto, então a decisão do juiz está de acordo com a Lei.

Agora, é claro. Casos assim chocam a sociedade? Chocam. É um tema que não é popular, não é mesmo. Naquele caso, você está garantindo a integridade física da vítima e entendemos que a tornozeleira já garantia.

Opinião Pública X a Lei:

Garantir direitos constitucionais para infratores não é uma matéria que a opinião pública vá entender bem. Pois o sentimento da opinião pública é de querer que ele vá para a cadeia, é óbvio isso. Obviamente também que não vai ser bem aceita uma notícia que diz que o infrator que agrediu a médica daquele jeito está solto, só que existem normas que temos que cumprir, além de direitos e garantias constitucionais do infrator, que também devem ser respeitados.

Somente ao final do processo que um réu irá receber a condenação merecida. Se precisar ir para a cadeia, ele será sentenciado, condenado e vai receber uma guia de execução de pena e irá cumpri-la na cadeia. Compreende? Não é ali no flagrante, prematuramente, que ele vai cumprir pena antecipada!

Ele tem que ser submetido a um devido processo legal, com direito à defesa, com apresentação de provas, com contraditório, etc. Esse é o ônus de se morar em um Estado de Direito. Se morássemos em uma ditadura, aí seria “mais fácil” (sic). “Vai para a cadeia, acabou, o juiz mandou, morreu o assunto!". Mas não, esse é o ônus do Estado de Direito.

Se a vítima de violência doméstica vier à juízo e manifestar pela prisão do agressor, alegando sentir-se ameaçada e ter a vida em risco, os magistrados serão sensíveis a esse apelo?

Sim! Nós levamos muito em consideração a palavra da vítima...

...ela é determinante?

Assim, obviamente temos que checar o caso concreto, ver se são, à prima face, verossímeis aquelas palavras. Pois, algumas vezes a pessoa quer apenas incriminar o outro. Precisamos avaliar a situação, acompanhado de um laudo médico... enfim. Sempre a palavra da vítima é altamente considerada.

Pode citar um exemplo?


No último caso de violência doméstica que eu fiz os autos da prisão em flagrante demonstravam que o cidadão tinha o direito de sair em liberdade. Porém, o promotor de justiça da execução penal que estava conosco fazendo a audiência de custódia - por sinal um promotor muito bom, o Rubens Alves de Paula – pediu que fosse inquirida a vítima. A vítima relatou um histórico de agressões de forma bastante verossímil e que nos demonstrou bastante temor do acusado. Logo após seu depoimento, voltamos atrás na decisão e optamos pela prisão em flagrante. Ou seja, o pedido do profissional de justiça neste caso foi determinante.

A primeira parte da entrevista encontra-se disponível neste link 
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