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O ANO DAS DELAÇÕES

"Peço desculpas pelo que fiz", relembre as delações premiadas que marcaram a Justiça em 2016

01 Jan 2017 - 16:51

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Fórum de Cuiabá

Fórum de Cuiabá

Avançar sobre o fenômeno da corrupção se assemelha, por muitas vezes, a um intrincado jogo de blocos de madeira, onde cada peça faz o possível para se encaixar as demais e continuar de pé. Assim, não raras vezes, políticos e empresários convergem em discursos sobre um crime que negam existência. Todos os personagens e seus discursos se encaixam e toda a investigação restaria infrutífera, talvez, não fosse o advento da “delação premiada”. Com ela, órgãos de investigação conseguiram uma façanha: retirar uma peça do encaixe e, assim, derrubar toda a estrutura.

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Se o ano de 2015 foi marcado pela novidade do instituto e projeções sobre suas consequências, em 2016 vivenciamos na pele o que pode causar uma delação premiada. Sabendo disto, corruptos e delatores (duas faces da mesma moeda) abusaram da criatividade: filmadoras de bolso, gravadores debaixo da mesa, distorções de voz, troca de celulares e chips, ar condicionado para abafar diálogos, até conversas por meio de placas e códigos.

Ainda que corruptos fizessem o possível para manter cada peça encaixada ao esquema, algumas figuras se arrependeram e condenaram toda a estrutura criminosa.  

O empresário Giovani Bellato Guizardi fez, sem dúvida, a maior delação homologada em 2016 pela Justiça de Mato Grosso. O proprietário da Dínamo Construtora afirmou à Justiça que o esquema de fraudes na Secretaria de Estado de Educação (Seduc), investigado pela “Operação Rêmora”, do Grupo de Atuação Especial em Combate ao Crime Organizado (Gaeco), foi criado para ressarcir R$ 10 milhões em doações feitas para a campanha do governador Pedro Taques  em 2014. O governador rechaça qualquer ato ilícito e considera as afirmações quanto ao esquema como fantasiosas e mentirosas.

Os efeitos das declarações do empresário foram devastadores para uma figura bastante conhecida, o empresário Alan Malouf, sócio proprietário do prestigiado buffet, Leila Malouf.
 

Empresário Giovani Guizardi
 
Guizardi garante que entrou nas fraudes quando já estavam acontecendo, sendo operadas pelo então secretário de Educação, Permínio Pinto (PSDB), Fábio Frigeri, Leonardo Guimarães e Ricardo Sguarezi.

O declarante conta que o critério utilizado para a divisão da propina foi dar a maior porcentagem, de 25%, para as figuras formalmente responsáveis pela pasta, como, Alan Malouf.

"Quanto mais (propina), melhor. Era um saco sem fundo!"


César Zílio admitiu crimes na gestão Silval Barbosa.

Trocam-se as gestões, mas não as práticas criminosas. Assim, soubemos da delação premiada do ex-secretário de Estado de Administração (SAD), Cézar Roberto Zílio, que diz ter pedido propina a empresários a mando do ex-governador Silval Barbosa. Segundo Zílio, o pedido era feito para saldar dívidas de campanha. A delação subsidia as investigações da “Operação Sodoma” e, somente nesta fase (segunda), revela um esquema de lavagem de dinheiro avaliado em R$ 13 milhões mediante compra fraudulenta de terreno próximo à casa noturna Musiva.

César Zílio revelou à juíza Selma Rosane Arruda não apenas detalhes do funcionamento do esquema de cobrança de propinas, como introduziu nomes peculiares da política local, como Wallace Guimarães, ex-prefeito de Várzea Grande. Segundo o delator, Wallace queria ajuda do governo do Estado, pois possuía “despesas de campanha e precisava de recursos para custeá-la; que essa ‘ajuda’ se referia a autorização fraudulenta para a realização de serviços gráficos e com consequente liberação dos pagamentos destinados a essas empresas o mais rápido possível”. O preço pela ajuda? R$ 2 milhões, sendo R$ 1 milhão para Zílio e R$ 1 milhão para Silval.

Outro nome que se tornou conhecido na sociedade através da “Operação Sodoma” é o de Willians Paulo Mischur, empresário proprietário da Consignum, que revelou ter pago ao longo de 2011 a 2014 propinas mensais em montantes que variavam entre R$ 500 mil a R$ 700 mil.

Às custas de Willians Mischur, muitos se enriqueceram ilicitamente na gestão Silval Barbosa (segundo delações), como em uma verdadeira sodomia. O próprio César Zílio é quem declara a justiça ter lucrado R$ 8,8 milhões no esquema, sendo R$ 800 mil do empresário Julio Minori Tsuji, R$ 1 milhão das gráficas ligadas a Wallace Guimarães e R$ 7 milhões de Willians Mischur. Apesar do “agrado”, Zílio disse ter sido frio em suas relações. "Não existem amizades, mas interesses", declarou à juíza Selma.

“Gostaria de pedir desculpas a cada pai e mãe de família pelo que eu fiz. Pedir desculpas pelo mal que eu fiz. Naquele tempo meus valores eram outros". (Pedro Elias)

Chorando, o ex-secretário de Estado de Administração (SAD), Pedro Elias Domingues, concordou em devolver R$ 2,05 milhões aos cofres do Estado, valor que admitiu ter recebido como propina ao longo destes anos de trabalho com Silval Barbosa. Além de garantir revelar detalhes sobre o esquema de fraudes, Pedro Elias Pedro Elias comprometeu-se a devolver 07 bens, são eles: dois apartamentos no Edifício Della Rosa, avaliados em R$ 350 mil; uma sala comercial no Edifício Santa Rosa Tower, avaliada em R$ 250 mil; uma sala comercial no Edifício Jardim Cuiabá Office, avaliada em R$ 180 mil e 03 terrenos em Várzea Grande, avaliados em R$ 60 mil. Nada mal.

São denunciados na Sodoma: Marcel Souza de Cursi, Pedro Jamil Nadaf, Rodrigo da Cunha Barbosa, Silvio Cezar Correa Araújo, José Jesus Nunes Cordeiro, César Roberto Zílio, Pedro Elias Domingues, Francisco Gomes de Andrade Lima Filho, Karla Cecília de Oliveira,Tiago Vieira de Souza,Fábio Drumond Formiga, Bruno Sampaio Saldanha,Antonio Roni de Liz e Evandro Gustavo Pontes da Silva.

Outro delator premiado que “derrubou a casa” para Silval Barbosa e companhia foi o ex-presidente do Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), Afonso Dalberto que prometeu não apenas revelar informações importantes sobre o suposto esquema de fraudes investigado na “Operação Seven” (sobre esquema que teria desviado R$ 7 milhões do bolso do povo) como de outra investigação, cuja operação ainda não foi realizada, sobre o Bairro Renascer.

As investigações do Ministério Público Estadual (MPE) apontaram que no ano de 2002, o empresário Filinto Correa da Costa negociou com o Governo do Estado uma área de aproximadamente 3.240 hectares pelo valor de R$ 1,8 milhão. Ocorre que, no ano de 2014, 727 hectares dessa mesma área foram novamente vendidos ao Governo, dessa vez pelo valor de R$ 7 milhões (uma pechincha). A fraude teria o mesmo objetivo de sempre: quitar dívidas de campanha.

Outra figura que pegou de surpresa todos na sala de audiências da Sétima Criminal foi o empresário Elias Abrão Nassarden Junior. A juíza Selma Rosane Arruda interrompeu os interrogatórios para anunciar que ele firmara acordo de delação premiada. Poucos dias veio à publico a revelação: em delação premiada, Elias confessou existência de um esquema de fraudes avaliado em R$ 60 milhões. Segundo o Gaeco, o “Imperador” deste esquema seria ninguém menos José Geraldo Riva, ex-deputado Estadual.

O ex-deputado foi denunciado por ter desviado mais de R$ 60 milhões dos cofres públicos com falsas aquisições envolvendo cinco empresas do ramo de papelaria, todas de “fachada”.

Como retribuição, Elias Nassarden prometeu devolver ao erário R$ 1 milhão, em 07 parcelas. Foram denunciados nesta ação: além de José Riva e sua esposa, Janete Riva, Djalma Ermenegildo, Edson José Menezes, Manoel Theodoro dos Santos, Djan da Luz Clivatti, Elias Abrão Nassarden Junior, Jean Carlo Leite Nassarden, Leonardo Maia Pinheiro, Elias Abrão Nassarden, Tarcila Maria da Silva Guedes, Clarice Pereira Leite Nassarden, Celi Izabel de Jesus, Luzimar Ribeiro Borges e Jeanny Laura Leite Nassarden.
 
A peça que derrubou o juízo:


Tentam tirar Selma Arruda de todas as ações, por enquanto sem sucesso.

Paulo César Lemos, delator premiado da ação penal oriunda da “Operação Ouro de Tolo”, segundo entendimento do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, foi interrogado pela juíza Selma Rosane Arruda (que fez “perguntas para o colaborador”), durante fase de homologação do acordo. O que não poderia ter sido feito. Resultado: a magistrada foi declarada suspeita e “afastada” da ação penal.

“A CF de 88 não permite que o juiz investigue e a partir do instante em que a magistrada, na homologação do acordo, fez perguntas para o colaborador sobre os fatos ela consequentemente estava investigando, o ato de interrogatório é um ato de se investigar. Juiz que investiga é impedido de julgar, o julgamento deve se dar por outro magistrado”, bradou a defesa de Roseli Barbosa (esposa de Silval Barbosa), que obteve vitória.

Diante do fato, tentaram ao longo de todo o fim deste ano estender a decisão para as demais ações penais, “impedindo” que Selma atue em sua própria Vara. Porém, até o momento, sem sucesso. A ação penal da “Ouro de Tolo” será retomada em 2017 com novo juiz. A delação de Paulo Lemos se mantém homologada.

A “Ouro de Tolo” é um desdobramento da “Operação Arqueiro”, responsável por investigar um esquema de corrupção na Secretaria Estadual de Trabalho e Assistência Social (Setas), que teria lesado dos cofres públicos cerca de R$ 8 milhões, supostamente liderado pela ex-primeira-dama de Mato Grosso.

“Eu peço desculpas ao povo mato-grossense. A partir de agora em todos os processos eu vou assumir a culpa. Eu fiz parte de uma organização criminosa que roubou os cofres públicos” (Pedro Nafaf).


Pedro Nadaf após audiência 

É inevitável concluir esta retrospectiva sem lembrar das figuras políticas que (ainda?) não fizeram acordo de delação premiada, mas que decidiram assumir a postura de confessar seus crimes (alguns com boa dose de lágrimas). Destacamos o ex-chefe da Casa Civil Pedro Jamil Nadaf e José Geraldo Riva.

Cara a cara com a juíza Selma Arruda, Pedro Nadaf confessou que tudo o que o MPE vinha denunciado referente a existência de uma organização criminosa tinha fundamento.

Prometeu à justiça apontar quem fez parte do esquema com ele. Questionado se a denuncia sobre fraudes da “Sodoma” é verdadeira, confessa: “é verdadeira”. Nadaf narra que entrou no governo à pedido do próprio Silval Barbosa e que trabalhou com ele para angariar recursos junto às empresas para sua campanha de reeleição. Nessa fase obteve R$ 12 milhões em recursos. “Metade foi para caixa dois”. O dinheiro, conforme confessou Nadaf, foi direcionado para a campanha ao governo do Estado de 2010.

De acordo com a Coluna de Guilherme Amado, de “O Globo”, o ano de 2017 será marcado pela delação premiada de Pedro Nadaf. Segundo o jornal carioca, o ex-chefe da Casa Civil, Pedro Jamil Nadaf, estaria firmando acordo de delação junto ao MPE e entregaria documentos comprovando propinas pagas pelas empresas JBS e Votorantim ao governo Silval.

“Eu quero confessar, excelência...”


Riva chora e decide confessar seus crimes (mas sem delação)

Mato Grosso parou em 15 abril deste ano quando José Geraldo Riva (réu em centenas de ações penais por corrupção), com lagrimas nos olhos, proferiu estas quatro palavras.

“Estou extremamente arrependido”, admitiu o ex-deputado sobre o esquema de fraude em pagamento de R$ 9,6 milhões em decorrência de uma dívida junto ao banco HSBC, relativa a débitos em atraso da contratação de seguros saúde para os servidores da ALMT.

Naquela ocasião o político inseriu as palavras “confissão” e “propina” dentro de uma mesma frase. “Vou confessar para a senhora, eu vi que os 45% eram de propina”, diz a magistrada Selma Arruda. Emocionado, o político prometeu. “Eu não vou poupar ninguém pela verdade”. E acrescentou. “Vou começar por mim”, revelando ser responsável por repasse de cheques que juntos somam quase R$ 1 milhão.

Como efeito borboleta, o resultado prático desta confissão foi visto em novembro e dezembro deste ano, com duas novas fases da “Operação Ventríloquo”, desta vez dando dor de cabeça aos deputados Mauro Savi e Romoaldo Junior.

“A partir de agora a confissão e a delação será regra para Riva”, prometeu o advogado Rodrigo Mudrovitsch.

O MPE acusa o deputado Mauro Savi de aplicar dinheiro publico, desviado da AL na aquisição de um Porsche Cayenne, veículo esportivo de luxo avaliado em R$ 208,5 mil além de cerca de R$ 117 mil em gado.

Já Romoaldo Junior tem sido incomodado por polêmica gravação feita pelo advogado e réu Julio César Rodrigues, que disse ao político. “Tenho seu mano gravado várias vezes... Quero um milhão para segurar a bronca toda.. Vocês têm três dias”.

Em outubro deste ano Francisvaldo Mendes Pacheco foi preso e Romoaldo convidado a prestar depoimento junto ao Gaeco.

Por conta de tudo o que sabe, José Geraldo Riva tem delação premiada especulada à torto e à direito. Todavia, sua defesa jurídica faz questão de garantir. “Não há nenhum acordo assinado”. Questionado se existe proposta, se nega a respoder. Riva apresentou ao MPE e à Selma Arruda uma lista completa de deputados envolvidos em esquema de corrupção e de empresas fantasmas, incluindo a quantia desviada por cada um. As informações virão à tona somente em 2017.

Método duvidoso ou não, o fato é que as delações fazem (e muito) a diferença no curso das investigações criminais e, ao que tudo indica, no andamento da política local. Resta para fechar 2016 uma reflexão trazida pelo advogado Jackson Coutinho, um dos primeiros a negociar acordo desta natureza em Mato Grosso.

“Existem muitos críticos ao instituto da colaboração premiada. As críticas são as mais variadas e criativas possíveis, como, por exemplo, uma suposta imoralidade do colaborador em "delator" seus comparsas. Eu, por outro lado, em um país onde a impunidade imperava, acredito que a colaboração premiada seja uma importante instrumento para combater a impunidade. Uma respeitável ferramenta de combate ao crime organizado. Inadmissível defender moralidade no ambiente criminoso. A criminalidade evoluiu, não age mais de forma individual. Verdadeiras empresas do crime foram instituídas, compostas por vários agentes, cada qual com funções específicas dentro de uma estrutura organizada e hierarquizada. Impossível combater a criminalidade atual com métodos de investigação do século passado. Hoje, com certeza, a colaboração premiada tem sido o principal método de investigação do Estado e tem produzido importantes resultados no combate efetivo ao crime organizado”, afirmou.
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