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PROJETO POLÊMICO

Juiz levará acusados de assassinatos para julgamentos em "praça pública"; veja entrevista

12 Fev 2017 - 16:35

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Tribunal do Júri

Tribunal do Júri

Retirar o Tribunal de Júri do seu ambiente jurídico e levá-lo para os espaços comunitários; julgar um suposto assassino no mesmo bairro onde o crime foi cometido, sob os olhares severos da população, da família, dos amigos e de seus desafetos; condenar na frente de todos, para que se aprenda a temer o caminho do crime. Para alguns a iniciativa é louvável, cidadania e respeito às leis sendo levadas às ruas, para que sirva de exemplo; para outros, condenável, transformando a justiça em espetáculo de medo, intimidação e vingança. Sobretudo, deve-se destacar que a iniciativa é real e concreta, e acontecerá pela primeira vez em Mato Grosso, sob responsabilidade do juiz Wladymir Perri, titular da Primeira Vara Criminal de Rondonópolis.

O Plano é inovar a forma com que se são realizadas as audiências do Tribunal do Júri na comarca, trazendo-as às ruas, para que todos tomem ciência dos delitos e das penas. Este mês, homicídios serão julgados nos salões comunitários dos bairros Jardim Rivera, Santa Clara e Parque Universitário, na cidade de Rondonópolis. 

O magistrado Wladymir Perri garante que a intenção é a melhor possível, servirá como prestação de contas à população que paga seus impostos e trará maior transparência ao rito penal. Questionado sobre eventuais consequências negativas, titubeia e diz não ter bola de cristal. Sobre uma perigosa “sede de justiça” que a medida possa alimentar, admite ser possível. Mas, ainda assim, garante que vale a pena arriscar. Para entender melhor a ideia, Olhar Jurídico conversou com o magistrado.

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Dr. Wladymir Perri, o projeto é seu?

“Sim, o projeto é meu, em decorrência de que estou nesta Vara desde 2013 e vinha constatando que era um desperdício de dinheiro público usar um plenário daquele porte sendo que não tinha pessoas da comunidade para testemunharem os julgamentos. Vendo o esvaziamento do plenário que surgiu essa ideia”.

Os julgamentos ocorrerão apenas em três ocasiões, correto?

“Sim, agora em fevereiro. Mas, como temos júris todos os dias, se der certo no mês de março pretendo estender o processo. Estão marcadas apenas para fevereiro até o momento, pois dependo de muitas pessoas, de segurança pública, sistema prisional funcionando, defensoria pública colaborando, para que o projeto dê certo”.

Pelo visto o projeto é experimental. Qual a expectativa?

“Rondonópolis é considerado um dos municípios mais violentos do Estado. A minha expectativa é, trazendo julgamentos para os bairros, prestar contas à comunidade, trazendo mais segurança. A partir do instante que você julga uma pessoa que cometeu o crime, na frente dos familiares da vítima, eles ficarão satisfeitos em saber que houve uma solução, pois hoje você julga e a comunidade não sabe, não toma ciência. Você julgando (em determinado local) uma pessoa que cometeu um crime naquela mesma localidade, as pessoas irão ver que a justiça está atuando. O que prevalece na comunidade de um modo geral? Que a justiça não está atuando, que você pode cometer crimes...etc, e não é assim. O que falta é divulgação dos atos da justiça”.

Para realização do projeto será necessária uma segurança extra?

“Não, não. Os oficiais que já fazem a segurança do prédio público da justiça serão remanejados para aqueles locais, só isso. O que mais me preocupa, na verdade, é o sistema prisional...”.

Sobre o comportamento do cidadão neste “julgamento em praça pública”. Eles não poderão se manifestar de nenhuma forma durante a audiência. Existirá regra específica?

“A população não poderá se manifestar. Elas poderão e (deverão) assistir ao rito, mas sem intervirem, de modo a garantir a ordem do processo”.

Para entender novamente: o réu será julgado no bairro onde o crime ocorreu?

“Sim, é o seguinte. Em dois casos os crimes ocorreram em local diverso, na cidade, e decidi levar o julgamento para aquele bairro, já outros dois, de fato, os homicídios ocorreram naquele mesmo bairro. Qual o critério? Porque foi o local onde ocorreu o crime, tão somente por isso. Você questiona isso pela perspectiva da segurança, preocupando-se com eventual retaliação da comunidade?”

Exatamente...

“Vou pontuar em duas circunstâncias. Primeiro: teremos seguranças no local e, segundo: esse público é o mesmo que poderia assistir ao julgamento aqui no prédio do Tribunal do Júri, que é público. Não tenho como evitar que desafetos assistam ao julgamento do cidadão, seja no Tribunal, seja no bairro onde ele cometeu o crime. Na verdade, o meu interesse é... bem, eu sou cobrado sempre pela população mais carente, ‘poxa, doutor, qual a solução para aquele processo, do cidadão que matou o outro aqui no meu bairro?’, ‘ah, já está julgado’, ‘foi julgado? Eu nem fiquei sabendo’. Ou seja, o que quero trazer é isso: dar conhecimento e trazer uma paz e uma segurança maior para a comunidade. O cidadão que tem interesse em cometer aquele mesmo crime naquele bairro vai pensar duas vezes. ‘Poxa vida, a justiça está punindo, está condenando...’. Ou seja, o recado está sendo passado. Você quer cometer um crime? Cometa, mas assuma a responsabilidade, pois a judiciário está presente’.

Existe algum exemplo de país onde esse projeto já tenha sido aplicado?

“Não, não existe”.

Já recebeu críticas de alguma autoridade ou instituição contrária ao projeto?

“Não, pelo contrário. Porém, a preocupação apenas é de que alguns jurados possam ser influenciados, mas são pessoas com maturidade, e não serão influenciados pela população”.

A OAB-MT se manifestou?

“A OAB-MT não se manifestou nada, por hora. Só a Defensoria Pública que demonstrou essa preocupação quanto aos jurados, mas eu já conversei com um comandante e com a segurança pública, para garantir que tudo funcione dentro da normalidade”.

Vossa Excelência teme que este projeto seja interpretado como uma tentativa de intimidação ou de inserir uma ‘política de medo’ na população?

“De forma alguma, não posso responder pelos outros, mas penso que não. A minha intenção é das melhores, justamente trazer a justiça para os bairros. Agora, se interpretarem de outra forma... (risos)”.

Teme que este procedimento se torne algum tipo de “espetáculo” ou linchamento moral do réu?

“Não, se eu pensasse dessa forma eu nem me arriscaria a executar o projeto. Isso nem passou pela minha mente. Eu estou pensando na comunidade, acho que só assim (julgando nas comunidades) que teremos uma justiça mais justa, vamos assim dizer, não que hoje não a seja, é claro”.

O réu poderá alegar danos morais e psicológicos por conta da exposição de sua figura?

“Pode, mas teremos que analisar caso a caso. Ele poderá alegar qualquer coisa, inclusive o mesmo que alega a Defensoria Pública, de que os jurados possam ter sido influenciados. Eu já discordo, não acho que só por levar o caso para lá eles serão influenciados. Agora, o que buscamos, de um modo geral, é a condenação, seja no bairro, seja no Tribunal, de uma forma geral”.

Caso o réu seja absolvido, saberá o público/cidadão entender que ele não foi condenado, que não possui culpa?

“Isso é pertinente, de fato, aqui no Tribunal do Júri já tivemos manifestações de pessoas e familiares de vítimas por conta da sentença. Isso é consequência do processo. O que posso garantir é a ordem, a normalidade. Cabe também ao Estado garantir essa ordem. Agora, sobre temer eventual vingança. Creio que isso não possa ocorrer, pois mesmo inocentado o réu deverá voltar para o Presídio da Mata Grande para se expedir ordem de soltura e somente será solto lá dentro da unidade prisional. Então, se a pessoa decidir agir por vingança por conta da sentença, ele vai fazer o que, matar o juiz? Eu não tenho como saber se ele vai me matar ou não (risos)”.

Alguns magistrados do Estado creem que a alta exposição do réu e de sua imagem podem estimular a sociedade a alguma perigosa ‘sede de justiça’. O Dr. crê que isso, agora colocando-os em praça pública, poderá piorar?

“Acho que tem mais é que divulgar. Em um destes casos de julgamento em que atuava, eu mesmo estava transmitindo por aquele aplicado de celular, o Periscope (Live Stream, transmissão ao vivo, semelhante ao Facebook Live, Youtube Live e o Instagram)”.

... o julgamento?

“Sim, ora, o processo é público. Entende? Acho que tem que dar publicidade. Não é isso que os senhores (da imprensa) fazem? Filmar o réu, que mal que tem? A regra é a publicidade! A exposição já houve quando a pessoa roubou e desviou dinheiro público, o restante é consequência, é assim que avalio...”.

Uma provocação: julgamento em praça pública é um procedimento comum nas ditaduras comunistas. Comente:

“Não, espere, mas não é um espetáculo. É aí que está a questão, é um julgamento, e o fato de ele ocorrer em um bairro, a afinidade será ainda maior. Até porque essa concepção ficou no passado, quando julgamentos eram espetáculo, vamos assim dizer, não como um circo, mas como uma peça teatral mesmo. Meu pai foi promotor por 28 anos e foi assim na época dele, Tribunal de Júri era um teatro, no bom sentido”.

Vossa Excelência crê que a sede de justiça da população é um sentimento genuíno ou é a semente do fascismo?

“Às vezes eu fico preocupado e também dirijo essa crítica à imprensa. De fato, algumas pessoas não estão preparadas para receber essas informações e podem se sentirem inflamadas. Isso eu realmente temo. Justiça com as próprias mãos devemos evitar. Claro que eu devo deixar claro, não tenho bola de cristal para dizer o que pode acontecer. Mas estamos tomando as providências necessárias para que tudo ocorra normalmente, até porque se houver, entre o público, alguém mal intencionado, ele vai cometer seja lá no Júri na comunidade, seja no Tribunal, seja em qualquer lugar. É o que costumo dizer, quando um cidadão decide tirar a vida do outro, a vítima pode andar com 15 seguranças que vai morrer do mesmo jeito. Essa é minha opinião (risos)”.
   
As sessões do Tribunal do Júri serão realizadas nos dias 16, 17 e 21 de fevereiro. De acordo com o juiz Wladymir Perri, sua intenção é realizar os júris do mês de março da mesma forma e sucessivamente em outros bairros, até que todos os julgamentos dessa natureza sejam realizados nas comunidades e não mais no Fórum.
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