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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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venda de vagas no TCE

Juíza reúne ações e mantém o afastamento de Sérgio Ricardo do TCE

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Juíza reúne ações e mantém o afastamento de Sérgio Ricardo do TCE
O ex-conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso, Sérgio Ricardo, permanecerá afastado do cargo. A decisão é da juíza Célia Regina Vidotti, da Vara de  Ação Civil Pública e Ação Popular. No pedido, a defesa de Sérgio Ricardo  solicitou exceção de incompetência do juízo alegando, em síntese, a existência de conexão entre duas ações fundamentalmente iguais, que estão sob a análise de juízes distintos e requereu suspensão dos atos decisórios proferidos nesta ação, por entender que houve ofensa ao princípio do juiz natural. A decisão é do último dia 15.

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Em 9 de janeiro, o  juiz Luís Aparecido Bortolussi Júnior, da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular, determinou o afastamento de Sérgio Ricardo de Almeida, acusado de compra de uma vaga no Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) pelo valor de R$ 4 milhões.

"Não houve determinação no sentido de suspender as ações que buscam a responsabilização por ato de improbidade administrativa. Assim, considerando que já foi reconhecida a constitucionalidade formal da referida Lei, e não se cuidando, neste caso, de controle difuso, não é possível acolher a pretensão deduzida pelo requerido", diz a magistrada em despacho. Ela ainda reconheceu a  existência de conexão entre a Ação Civil Pública e Ação Civil Por Ato de Improbidade Administrativa. 

Aduz a defesa de Sérgio que em dezembro de 2014, o Ministério Público Estadual protocolou duas ações cíveis de improbidade administrativa com fundamentações iguais, mas com análise de juízes distintos, Célia Vidotti e Luís Aparecido Bortolussi Junior.

Sustenta a defesa que os pedidos são diferentes apenas na nomenclatura, pois o resultado prático que se busca, ao final, é o mesmo, qual seja, a perda do cargo público e o ressarcimento ao erário. Salienta também que os processos não podem tramitar separados, pois, para os mesmos fatos, os dois juízes que atuam nesta Vara tiveram entendimento conflitante, o que causa insegurança jurídica e desprestigia o principio da uniformização das decisões judiciais.

"No entanto, resta cristalino que a causa de pedir é comum, ou seja, os fatos e fundamentos que deram origem às duas ações é o mesmo, essencialmente, a suposta compra da vaga para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, efetuada "supostamente" pelo requerido Sérgio Ricardo de Almeida, com o uso de dinheiro desviado dos cofres públicos, que culminou com sua nomeação para o referido cargo", diz em trecho da decisão. 

Veja a íntegra da decisão:

O requerido Sérgio Ricardo de Almeida, por seus patronos, arguiu Exceção de Incompetência do Juízo, alegando, em síntese, a existência de conexão entre duas ações fundamentalmente iguais, que estão sob a análise de juízes distintos.

Alega que a Ação Civil Pública n.º 59697-55.2014.811.0041, código 949052, foi a mim distribuída no dia 18/12/2014, às 18:55h, e esta Ação Civil Por Ato de Improbidade Administrativa (código 949403) foi distribuída no dia 19/12/2014, para o ilustre magistrado que também atua nesta Vara, Dr. Luís Aparecido Bortolucci Junior.

Assevera que as duas ações tem causa de pedir idêntica, os fatos narrados em ambas as iniciais são exatamente os mesmos, fazendo quadro comparativo onde reproduz alguns parágrafos que são absolutamente idênticos, de forma que os processos devem ser reunidos, na forma do art. 55, do CPC/2015, para julgamento conjunto, evitando-se, também, decisões conflitantes ou contraditórias.

Aduz que os pedidos são diferentes apenas na nomenclatura, pois o resultado prático que se busca, ao final, é o mesmo, qual seja, a perda do cargo público e o ressarcimento ao erário. 

Salienta que os processos não podem tramitar separados, pois, para os mesmos fatos, os dois juízes que atuam nesta Vara tiveram entendimento conflitante, o que causa insegurança jurídica e desprestigia o principio da uniformização das decisões judiciais.

Requer seja reconhecida a conexão entre as ações, com a reunião dos feitos sob minha presidência, por força da anterioridade temporal, seja na distribuição, seja nos despachos exarados.

De forma alternativa, caso não se reconheça a conexão, que os processos sejam reunidos para julgamento conjunto, tendo em vista o risco de decisões conflitantes ou contraditórias, nos termos do art. 55, §3º, do CPC/2015.

Requereu, ainda, a suspensão dos atos decisórios proferidos nesta ação, por entender que houve ofensa ao princípio do juiz natural (referencia 188).

O Ministério Público manifestou pelo não acolhimento dos pedidos (referência 195). 

O patrono do requerido Humberto Melo Bosaipo interpôs embargos de declaração da decisão que recebeu a inicial, alegando a existência de omissão e obscuridade, requerendo seja proferida decisão expressa acerca da “violação ao: (I)artigo 489, §2º, do CPC cc artigo 23, inciso I, letra “b”, da Convenção Americana de Direitos Humanos cc o Decreto 678/92, em confronto com o disposto no artigo 12, incisos I a IV, da LIA; (II) artigo 489, inciso V, do CPC cc artigo 37, §4º cc artigo 60 e §4º, do artigo 60 cc princípio da rigidez constitucional em confronto com artigo 12, da LIA; (III) REPERCUSSÃO GERAL TEMA 897, RE 852475 RG/SP; (IV) artigo 492, do CPC cc §§6º e 8º, do artigo 17, da LIA.”

Decido.

Analisando o pedido do requerido Sergio Ricardo de Almeida, verifico que lhe assiste razão, em parte.

Em consulta ao sistema Apolo, verifiquei que tanto a Ação Civil Pública n.º 59697-55.2014.811.0041, código 949052, quanto esta ação foram distribuídas igualmente ao Gabinete I da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular, cujo titular é o magistrado Dr. Luís Aparecido Bortolucci Junior.

No dia 19/12/2014, proferi decisão e despacho em ambas as ações, apenas em substituição legal ao magistrado titular, que estava afastado das funções.

Na ação civil pública entendi que, naquele momento, considerando que as investigações ainda estavam em curso, não havia elementos suficientes para conceder a liminar pretendida pelo Ministério Público e afastar o requerido de seu cargo.

Nesta ação, que busca a responsabilização por ato de improbidade administrativa, considerando o rito especial e a decisão proferida na ação civil pública mencionada, entendi por bem ouvir primeiro os requeridos, na defesa preliminar, conforme prevê o art. 17, §7º, da Lei 8.429/92, possibilitando, também, o término das investigações, para depois decidir sobre a liminar pretendida. Assim, proferi despacho determinando apenas a notificação dos requeridos.

Repiso: em ambas as ações acima mencionadas, proferi despacho e decisão apenas em substituição legal, o que não induz a prevenção para o feito, tampouco modifica a competência que foi estabelecida por meio da distribuição.

Desta forma, não há que se cogitar qualquer nulidade nas decisões e despachos proferidos nesta ação pelo magistrado Dr. Luís Aparecido Bortolucci, pois ele é o magistrado que preside este feito e a ação civil pública, definido como juiz natural por meio da distribuição eletrônica de ambas as petições iniciais. 

Por outro lado, tenho que o reconhecimento da conexão e a reunião dos processos é medida salutar, que encontra respaldo no art. 55, e §§, do CPC/2015.

"Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

§ 1o Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

§ 2o Aplica-se o disposto no caput:

I - à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico;

II - às execuções fundadas no mesmo título executivo.

§ 3o Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles."

É bem verdade que não existe total identidade de partes e do pedido na ação civil pública e na ação por ato de improbidade administrativa, pois a ação civil busca, essencialmente, a declaração de nulidade do ato de nomeação do requerido Sérgio Ricardo de Almeida, no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e as consequências correlatas advindas do reconhecimento desta nulidade, fazendo parte do polo passivo, além do requerido Sérgio Ricardo, os entes que participaram desta nomeação, quais sejam, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas e o próprio Estado de Mato Grosso.

Já nesta ação, busca-se a responsabilização pela prática, em tese, de ato de improbidade administrativa, tanto do requerido Sérgio Ricardo, quanto das demais pessoas que teriam participado da “aquisição” da vaga de conselheiro e do desvio de dinheiro público.

No entanto, resta cristalino que a causa de pedir é comum, ou seja, os fatos e fundamentos que deram origem às duas ações é o mesmo, essencialmente, a suposta compra da vaga para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, efetuada "supostamente" pelo requerido Sérgio Ricardo de Almeida, com o uso de dinheiro desviado dos cofres públicos, que culminou com sua nomeação para o referido cargo. 

Tem-se, assim, que está preenchido o requisito legal para o reconhecimento da conexão entre as ações.

Não bastasse, outro ponto que merece destaque é que a reunião dos feitos também se justifica em homenagem ao princípio da economia processual, pois com a identidade do objeto, os atos instrutórios podem ser aproveitados para ambas as ações, favorecendo um julgamento harmonioso e coerente. 

Sobre os embargos de declaração, não vislumbrei omissão, tampouco contradição na decisão que recebeu a petição inicial, pois as questões arguidas pela defesa do requerido Humberto Bosaipo foram suficientemente apreciadas.

Veja-se o trecho da referida decisão: 

“O réu Humberto Bosaipo alega: “...não obstante a CF/88 elencar em seu art. 37, §4º quatro sanções em resposta punitiva à improbidade administrativa comprovada, a Lei Federal n.º 8.429/92, em seu art. 12, acrescenta duas sanções, ampliando o rol constitucional, a saber, a possibilidade de cominação de multa civil, assim como a proibição temporária de contratar com o Poder Público (SIC).”

Quanto a suspensão dos direitos políticos, assevera que: “(...) o Tratado Internacional de direitos humanos assegura direitos políticos de participação ativa e passiva nos pleitos eleitorais, mais especificamente nos ditames do seu artigo 23... (SIC)”.

Nesse contexto diz ser inconstitucional o art. 1, da Lei de Improbidade Administrativa. Enfim, traz a tona a questão acerca da impossibilidade jurídica dos pedidos de suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil.

A tese não tem procedência.

Na ADI n.º 2182/DF, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a inconstitucionalidade formal da Lei 8.429/92. Veja: 

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA. 1. Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma. 2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República. O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão. 3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADI n. 2182/DF, rel. Min. Marco Aurelio, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Data Julgamento: 12/5/2010). (sem destaques no original).

Sendo a lei formalmente constitucional, o fato de ter ela ampliado as sanções expressas na Constituição Federal não implica inconstitucionalidade material. As sanções de multa e proibição de contratação com o poder público, previstas na Lei 8429/92, tem fundamento nos princípios do art. 37 da Carta da República. Afasto essa arguão”.

Ainda, saliento que o requerido alega a inconstitucionalidade material da Lei n.º 8.429/92 no tocante as sanções que ela prevê para a aplicação ao caso concreto, na hipótese de ser reconhecida a prática de ato ímprobo. 

Percebe-se que não se trata, portanto, da efetiva aplicação da lei supostamente inconstitucional ao caso concreto, das sanções que teriam sido ampliadas além do que prevê a Carta Magna ao requerido, mas de controle de constitucionalidade abstrato, cuja análise é exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

Aliás, a constitucionalidade material da Lei n.º 8.429/92 está sendo discutida na ADI 4295/DF e até o momento não houve determinação no sentido de suspender as ações que buscam a responsabilização por ato de improbidade administrativa. Assim, considerando que já foi reconhecida a constitucionalidade formal da referida Lei, e não se cuidando, neste caso, de controle difuso, não é possível acolher a pretensão deduzida pelo requerido.

Faço constar, ainda, por oportuno, que a Constituição Federal permite expressamente, em seu art. 15, a possibilidade de perda e suspensão dos direitos políticos, como segue:

"Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º."

Tem-se, portanto, que nas hipóteses adequadas à exigência constitucional, é perfeitamente possível restringir o direito político. Na verdade, a Lei n.º 8.429/92 fez apenas cumprir o que já havia sido estabelecido pelo legislador constituinte originário. A divergência, portanto, não é entre a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Lei de Improbidade Administrativa, mas entre aquela e a própria Constituição Federal, no que dispõem seus arts. 15 e 37, §4º.

Diante do exposto, reconheço a existência de conexão entre a Ação Civil Pública n.º 59697-55.2014.811.0041, código 949052, e esta Ação Civil Por Ato de Improbidade Administrativa (código 949403) e determino a reunião dos feitos. Procedam-se as anotações necessárias no sistema Apolo, pois ambos os feitos são eletrônicos.

Conheço dos embargos de declaração opostos pelo requerido Humberto Bosaipo e julgo-os improcedentes, por inexistir qualquer omissão ou contradição a ser sanada.

Intimem-se.

Aguarde-se o decurso do prazo legal para a contestação.

Cuiabá/MT, 15 de fevereiro de 2017.
Celia Regina Vidotti
Juíza de Direito
Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular
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