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ENTREVISTA ESPECIAL

Juízes sob ameaça: "TJ só tomará providências quando acontecer uma tragédia", diz AMAM

05 Mar 2017 - 16:57

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Ass. AMAM

José Arimatéia Neves Costa

José Arimatéia Neves Costa

O programa “Câmera Record’, da TV Record, exibido na noite desta quinta-feira (02) deu destaque à juíza da Vara de Combate ao Crime Organizado de Cuiabá, Selma Rosane dos Santos Arruda. Introduzindo-a como “juíza marcada para morrer”, a reportagem problematizou, entre outras questões, a necessidade de escolta armada para magistrados e a falta de segurança nas entradas dos Fóruns do Brasil. Em Cuiabá, o Fórum da Capital, por exemplo, não possui qualquer procedimento que garanta segurança à juíza Selma Arruda. Na Sétima Vara Criminal, qualquer sujeito pode assistir a uma audiência, munido apenas de uma carteira de identidade. Qualquer coisa poderá ser levada por ele, dentro de uma bolsa ou mochila. De garrafa d´água a uma submetralhadora, tudo será tranquilamente transportado nos corredores do Fórum. A verdade, dispara o Presidente da Associação Mato-Grossense de Magistrados (AMAM), José Arimatéia Neves Costa, é que “somente quando houver uma tragédia o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) tomará providências”.

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Selma Rosane dos Santos Arruda assume a responsabilidade de ter prendido dezenas de membros da facção criminosa Comando Vermelho de Mato Grosso (CVMT) e decretado prisões preventivas de figurões suspeitos de envolvimento com o crime organizado, como João Emanuel Moreira Lima, José Geraldo Riva e Silval da Cunha Barbosa. Escoltada por seguranças a todo instante, a juíza vive armada e fechada em uma vida totalmente adaptada à realidade de um país violento e altamente corrupto.

O presidente da AMAM lamenta. “Há algum tempo a Associação e os próprios colegas, individualmente, apresentamos pleitos junto ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso para solicitar maior segurança na entrada dos prédios dos Fóruns, não só da capital como nas comarcas do interior, incluindo Várzea Grande e Rondonópolis, onde há grande fluxo de pessoas. Isso tendo em vista a questão de segurança de todos que frequentam o Fórum, não somente juízes, advogados, partes e testemunhas. Problematizamos principalmente a questão do detector de metal, nós temos essa deficiência em nossos fóruns, não dá para negar”, avaliou Arimatéia.

Ao contrário do que ocorre aqui, em São Paulo, capital, o Fórum possui rigoroso procedimento de entrada que vai desde aparelhos detectores de metal a raios X e inspetores para avaliação de bolsas e mochilas. De acordo com a reportagem da Record, todo mês o TJSP apreende 900 armas brancas (entre facas e socos ingleses), que vão para incineradores poucos dias depois.  

“Nosso pleito é que seja realizado um estudo do que seja necessário fazer. Se não me engajo já possuímos estudos, mas os investimentos são altos e existem muitas reclamações por parte de advogados. Lembro-me quando o Desembargador Mariano Alonso foi presidente do TJ, foi colocado um detector de metal na entrada do Fórum da Capital, há cerca de oito anos. Houve muita reclamação, principalmente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela questão das filas que formavam na entrada. Detectores iguais aos que existem nos prédios públicos em geral, além dos de raios-X, como nos aeroportos. Reclamaram tanto que o Tribunal mandou retirar esse equipamento. Não é que o Tribunal não queira instalar, mas parece que não é prioridade”.

O presidente da Associação admite que a completa ausência de procedimento de segurança para a entrada na sala de audiências da Sétima Vara Criminal põe a vida de Selma Rosane Arruda em risco. “Com certeza, acho que o Tribunal só vai adotar uma medida concreta quando acontecer uma tragédia. Essa é a verdade nua e crua”, disparou.

Questionado sobre qual seria a razão do TJMT não dar holofote às necessárias medidas de segurança, o presidente reflete. “Na verdade é vontade política e questão orçamentária, sempre se alega que não há orçamento, que o equipamento é caro e que instalar todos estes detectores no Estado custaria um valor muito alto. Não é prioridade, não há vontade política na administração do Tribunal”.

O magistrado diz não saber quantos de seus colegas hoje vivem sob a mira de inimigos, mas garante que “vários colegas hoje dependem de segurança pessoal, alguns até foram designados para comarcas diversas por questões de segurança dentro da família. Isso não é nem em Mato Grosso, mas em todo o país”.

Adiante ele compara o Fórum da Capital a outros prédios públicos no país. “Você vai à Brasília, em todos os prédios públicos você tem que se identificar e passar por detector de metal, porque nos fóruns isso não poderia existir?”.

O magistrado explica como a AMAM trabalha sobre questões de segurança para seus membros. “Nós temos uma Comissão de Segurança formada por juízes e desembargadores, que cuidam dessa área de segurança dos magistrados. Eles avaliam situações de ameaça. Essa comissão funciona e quando ocorrem casos concretos, adotamos as providências necessárias, como acompanhamento de segurança ao magistrado, esforços para garantir sua segurança e a segurança de sua família. Isso vem sendo feito pontualmente, não de forma preventiva. Temos identificados casos concretos e atuando em cima, como o da colega Selma e de outros magistrados no interior”.

Queixas de Selma:

Arimatéia confirma que a AMAM já recebeu queixas sobre a segurança particular de Selma Rosane Arruda. “Ela fez uma solicitação e nós encaminhamos direto para a Comissão de Segurança, uma solicitação de que ela estava sofrendo ameaças há cerca de dois anos. Não somente ela, nesta semana mesmo eu recebi uma solicitação, uma reclamação, de um colega que estava sofrendo ameaças. Um colega que atua na Vara Cível de Várzea Grande. Eu li os e-mails que ele recebeu, um cidadão dizendo: ‘olha, o endereço do seu pai é tal, mora no interior, na rua tal, tal bairro, tal cidade, o nome de seu pai e de sua mãe é tal, seu filho estuda na escola tal’. Ameaçando a vida do colega mesmo, a dele e de sua família. A AMAM repassou isso para a Comissão de Segurança”.

E em seguida, o que a Comissão faz? Arimatéia responde. “Investigar o fato, requisitar instauração de inquérito policial e enviar pleito para que o TJ adote segurança para o magistrado”.

Questionado sobre como a AMAM encara o fato de que um magistrado de Mato Grosso é conhecido por ser “marcado para morrer”, Arimatéia avalia. “É muito preocupante, pois isso pode acontecer com qualquer colega e demonstra a fragilidade que temos. O juiz não agrada todo mundo, o processo não pode dar empate, sempre há um ganhador e um perdedor, sempre haverá alguém insatisfeito com a decisão do juiz e do desembargador. Isso é um problema sério, pois se acontece qualquer coisa a um colega é uma demonstração pública de que é fácil matar um juiz. Logo, matarão um aqui, outro acolá, isso gera um efeito multiplicador das ameaças e das intimidações à pessoa do magistrado, o fragiliza”. 

Câmera Record:

O caso de Selma Rosane Arruda recebeu destaque. Com boa dose de espetacularização, a reportagem da Record introduz Selma como uma “mulher vaidosa e uma juíza marcada para morrer”. A matéria foi entitulada “sem medo dos poderosos”. Narra o especial que há 01 ano e meio a magistrada recebe proteção da Policia Civil de Mato Grosso. “A minha equipe, eu tive sorte, pois são todos ótimos”, declarou Selma.

Adiante, a juíza ironiza a impossibilidade de viver seguindo todas as regras impostas pela segurança. “Se a gente for levar à risca questões de segurança, não vai a lugar nenhum”, afirmou.

Não nega que as ações penais que julga são históricas. “É uma situação emblemática, vai deixar cicatriz eterna na história de Mato Grosso”, diz se referindo às ações da Sodoma e às que envolvem o ex-deputado José Geraldo Riva e o ex-vereador João Emanuel Moreira Lima.

“Selma virou celebridade no Estado e todos os dias nas ruas e nas redes sociais recebe cumprimentos por ter tido coragem de enfrentar políticos poderosos”, destacou a TV Record. Momento seguinte, a juíza refletiu. “A gente tem que crescer mais, e todas as instituições crescerem, para não termos mais que cumprimentar um político simplesmente porque ele não rouba”, queixou-se, “isso é um absurdo”.

Rapidamente, a reportagem rememorou o histórico profissional da juíza, destacando que “ameaças não são novidade na vida dela”. Antes de assumir a Sétima Vara Criminal, em Cuiabá, passou por diversas Varas Criminais pelo interior de Mato Grosso, com destaque para a cidade de Cáceres, na fronteira com a Bolívia (240 km de Cuiabá).

Na beira do Rio Paraguai, em uma cidade de 90 mil habitantes e altíssimos índices de criminalidade, Selma enfrentou traficantes perigosos e passou por momentos difíceis. “Noite em claro sentada na cama com arma no colo, filhos à volta, e não vou dizer que senti medo porque não tem como”, declarou.

À família, resta entender e apoiar seu trabalho. Em depoimento à reportagem, o Policial Rodoviário Federal aposentado Norberto Arruda, com quem Selma é casada há 31 anos, lamenta ter que voltar a andar armado, diz que não é algo que gostaria, “andei por 32 anos armado”.

Mostrando um pouco do dia a dia da magistrada, a reportagem mostra imagens de Selma logo pela manhã em uma visita a um salão de beleza de Cuiabá. Escoltada por três seguranças, nunca abandona o celular e mantém olhos atentos a eventuais ataques.

Lamentando já ter sido desrespeitada por ser mulher, a juíza Selma Rosane Arruda encerra sua participação com discurso de igualdade entre os sexos. “A caneta não é pesada, para a gente tomar uma decisão não importa se é homem ou mulher”.

Olhar Jurídico:

O questionamento sobre a segurança de Selma Rosane Arruda já fora feito em outras ocasiões por Olhar Jurídico. Em entrevista exclusiva veiculada na virada de 2015 para 2016, a magistrada negou temer represálias. “Eu não temo. Não temo nenhum tipo de represália. Até porque, o que se fizer contra um magistrado, vai estar se fazendo contra toda a magistratura. Como lhe disse, se amanhã eu tiver que sair por algum motivo, seja por aposentaria ou por algum outro motivo desses que você tocou, certamente virá outro tão ou mais rigoroso do que eu. Portanto, não vejo risco”.

Em maio de 2016, Olhar Jurídico também problematizou a questão com a então Corregedora do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), desembargadora Maria Erotides Kneip Baranjak. Ela também teme a insegurança na justiça local. "TJMT está entre os que mais exigem segurança para juízes”, declarou. Destacou na época que o TJMT havia promovido “treinamento para magistrados que estão sob ameaça, que envolve direção defensiva, direção evasiva, tiro, etc. Fizemos esse treinamento em um Núcleo do Exército Brasileiro, em Brasília. Mas, o que acontece é que, infelizmente, quando um juiz precisa contrariar interesses de organizações criminosas ou mesmo políticos, ele fica realmente sob ameaça. Temos no Estado casos graves de juízes que precisam inclusive de escolta policial. Temos casos na capital e na fronteira”, destacou. 

Somente em Mato Grosso, além de Selma Arruda, outros três magistrados dependem de escolta policial.

O outro lado:

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso foi procurado por Olhar Jurídico na manhã de sexta-feira (03) para responder questionamentos semelhantes, mas não ofereceu respostas.
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