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SÉTIMA VARA CRIMINAL

Justiça absolve desembargador e três juízes envolvidos no "escândalo da maçonaria"

17 Mar 2017 - 08:46

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Selma Rosane Arruda

Selma Rosane Arruda

A juíza da Sétima Vara Criminal, Selma Rosane Arruda, julgou improcedente a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) em desfavor do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) desembargador José Ferreira Leite e dos magistrados Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, Marcelo de Souza Barros e Antônio Horário da Silva Neto por suposto crime de peculato. A decisão foi proferida no último dia 16. Ferreira Leite foi Grão Mestre da Loja Maçônica “Grande Oriente de Mato Grosso” (GOEMT).

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Consta dos autos que por volta de agosto de 2003, sua loja maçônica, sob a presidência de José Ferreira Leite, deliberou criar uma cooperativa de crédito e, como não dispunha de conhecimentos nem meios operacionais necessários para viabilizar seu projeto, firmou convênio com a Cooperativa de Crédito Rural do Pantanal (SICOOB), a qual instalou um posto de atendimento nas dependências da GOEMT e se incumbiu de fazer a captação de recursos junto aos cooperados e gerir os respectivos recursos.

No entanto, logo após aquele convênio, a SICOOB teve sua falência decretada, foi descredenciada pelo Banco Central e veio a encerrar suas atividades no final do ano de 2004, deixando um desfalque de aproximadamente R$ 1 milhão.

Diante do iminente prejuízo dos cooperados, os denunciandos, na condição de maçom e/ou dirigente da Loja Maçônica patrocinadora do malsucedido empreendimento, sentiram-se no dever moral ou no interesse de ressarcir os cooperados. Assim, sob a liderança de José Ferreira Leite, articularam um grupo de maçons que dispunham de boas condições econômicas para saldarem os compromissos da cooperativa de crédito da Loja Maçônica, de modo a que os cooperados não arcassem com os prejuízos causados pelos administradores da SICOOB.

Foi então que, em dezembro de 2004, os quatro maçons responsáveis pela iniciativa aportaram R$ 310 mil oriundos de empréstimos junto à Cooperativa de Crédito do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso (CREDJUD).

“Mas aquela contribuição financeira pessoal dos denunciandos era apenas aparente. Com efeito, para não arcarem com os ônus econômicos desse aparente ato de ‘solidariedade’ aos cooperados, os denunciandos, ainda sob liderança de José Ferreira Leite, engendraram um meio de desviar dinheiro público, afeto ao Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, em proveito dos cooperados da cooperativa da Loja Maçônica ‘Grande Oriente de Mato Grosso’, e, por fim, em benefício deles próprios – denunciandos – na dependência de a Loja Maçônica vir a se ressarcir dos prejuízos causados pelos gestores da SICOOB”.

O esquema consistia em efetuar depósitos em suas respectivas contas bancários, a título de pagamento de pretensas ‘verbas funcionais’, valores esses que seriam transferidos à Loja Maçônica, para o ressarcimento dos cooperados. Até aquele momento, o montante de R$ 1 milhão arrecadado, não era suficiente para saldar os compromissos.

Assim, os denunciandos, sempre sob a liderança de José Ferreira Leite, ampliaram o grupo daqueles magistrados que iriam receber depósitos em conta bancária, a título de pagamento de ‘verbas’ do Tribunal de Justiça decorrentes de direitos relacionados ao vínculo funcional”.

O esquema só teria sido bem sucedido pois, os magistrados valeram-se da gestão “totalmente caótica e arbitrária” dos recursos do Tribunal. “Em desacordo com as normas da gestão pública e em frontal desobediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, preconizados pela Constituição Federal (art. 37)”.

Não bastando, o desembargador avançou sobre o esquema e decidiu emitir ordem de depósito em conta bancária de magistrados, com recursos do orçamento daquele Tribunal, a título de pagamento de supostos créditos que aqueles magistrados teriam perante o Tribunal, decorrentes de direitos funcionais, sob rubricas diversas, dentre as quais: “Equivalência Salarial” (que seria devida apenas a magistrados da União, por força e liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Ordinária nº 630-9) e “Abono Variável – Diferença de Teto”.

“Assim, o então Presidente do Tribunal e Justiça, em conluio com seus auxiliares, ora denunciandos, no período de novembro/2004 a fevereiro/2005, realizou depósito na conta bancária de um elevado número de magistrados, à revelia de qualquer critério objetivo – seja quanto à ordem de antiguidade dos supostos créditos, seja quanto à ordem de antiguidade dos magistrados, seja quanto à proporção entre o total do crédito supostamente devido e a parcela paga – mas com base em seu critério discricionário – e que tinha por finalidade desviar dinheiro público em proveito da Loja Maçônica”, denuncia o MPE.

Alguns dos magistrados que teriam recebido valores em favor do esquema: Antônio Bitar Filho R$ 50.000,00; Benedito Pereira Do Nascimento R$ 50.000,00; Donato Fortunato Ojeda R$ 50.000,00; Ernani Vieira De Souza R$ 50.000,00; Flávio José Bertin R$ 50.000,00; José Ferreira Leite R$ 291.396,13; José Jurandir De Lima R$ 50.000,00; José Silvério Gomes R$ 50.000,00; Jose Tadeu Cury R$ 108.460,65; Jurandir Florêncio De Castilho R$ 50.000,00; Leônidas Duarte Monteiro R$ 50.000,00; Licínio Carpinelli Stefani R$ 50.000,00; Manoel Ornellas De Almeida R$ 50.000,00; Marcelo Souza De Barros R$ 237.394,95; Marcos Aurélio Dos Reis R$ 139.334,08; Mariano Alonso R. Travassos R$ 240.533,43; Munir Feguri R$ 50.000,00; Orlando De Almeida Perri R$ 50.000,00; Paulo Inácio Dias Lessa R$ 50.000,00; Rubens De Oliveira Santos Filho R$ 50.000,00; Shelma Lonbardi De Kato R$ 50.000,00

Sentença:

“A ação penal é improcedente”, dispara inicialmente a magistrada Selma Arruda, em sua decisão. “De toda a prova produzida nos autos, verifico que os episódios efetivamente ocorreram, porém, não se tratam de fatos típicos. Com efeito, restou demonstrado que o Tribunal de Justiça efetuou pagamentos de forma seletiva, em favor de meia dúzia de privilegiados, visando favorecer a Loja Maçônica referida na denúncia. Os pagamentos foram direcionados a alguns magistrados, que se comprometeram em efetuar empréstimos que se destinaram a socorrer a Loja Maçônica da qual o então Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador José Ferreira Leite, era o responsável”, explica.

Por outro lado, as alegações da defesa não convenceram a juíza. “Resta claro que todos os que foram privilegiados com os pagamentos efetivamente colaboraram para que a Loja Maçônica pudesse se reerguer e quitar seus compromissos com os associados. Assim, resta bastante claro que os pagamentos efetivamente tiveram essa finalidade, não sendo crível que algum dos beneficiados pudesse se recusar a fazer o empréstimo. Na verdade, já foram escolhidos exatamente porque os réus sabiam que jamais se recusariam a prestar o auxílio que naquele momento necessitavam”.

Todavia, não se pode capitular a conduta dos réus como peculato, entende a magistrada. “O motivo é um só: todos os réus e demais juízes envolvidos no evento tinham créditos a receber e os valores que lhes foram repassados eram realmente devidos pelo Estado”.

“A celeuma que causou toda esta ação penal não é de ordem criminal, mas sim ética”, disparou a magistrada. Pois a administração do TJ não “agiu em obediência ao princípio da impessoalidade, já que escolheu a dedo, exatamente para socorrer a Loja Maçônica, uma meia dúzia de pessoas com quem sabia que poderia contar”. 

Por outro lado, consta dos autos que os mesmos créditos eram devidos a outros magistrados, “que foram preteridos sem qualquer razão plausível ou justificável”, acrescenta Selma.

Assim, conclui-se que “não houve critério para os pagamentos, nem de antiguidade, nem por rateio igualitário, ou mesmo por ordem de hierarquia”.

A juíza explica melhor: “havia um bolo, uma quantia que representava o valor disponível no orçamento e que poderia ser destinada à quitação dos créditos. Esse bolo foi repartido de acordo com a conveniência do alto comando do Tribunal de Justiça da época, inclusive com prévia destinação, tal seja, que as pessoas beneficiadas ajudassem a socorrer a Loja Maçônica a que eram ligados os réus”.

"Amigos do Rei":

“Essa forma de repartição privilegiada” – entende a magistrada – “atenta aos princípios mais basilares da Administração Pública moderna. É injusta, já que privilegia os ‘amigos do rei’ em detrimento de tantos outros, magistrados e servidores, que necessitavam receber seus créditos”.

Ocorre que, apesar de censurável, a conduta era a usual naqueles tempos em todo o Poder Judiciário. Não havia obediência aos preceitos do artigo 37 da Constituição Federal, mas nem por isso houve prática criminosa. É que, para a condenação em sede criminal, o fato deveria ser típico. E, efetivamente, não o é.

Ela explica:

Para que se configure a crime de peculato, é necessário que a conduta do agente se adeque ao tipo penal do artigo 312 do CP, ou seja:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: 

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.


A análise acurada do tipo penal permite que se conclua que a ação dos acusados nele não se enquadra como peculato, conclui a juíza. “Uma vez que os beneficiados tinham direito à percepção dos valores e efetivamente os receberam, a destinação que foi dada não diz respeito nem ao órgão acusador e nem ao Judiciário. Todos são plenamente capazes e celebraram os negócios jurídicos que entenderam viáveis na ocasião”. 

“Nesse sentido, vislumbro que não há infração penal a ser objeto da prestação jurisdicional nesta esfera e, se ilícito ocorreu, foi em sede administrativa e não criminal, já que inexiste fato típico a ensejar a prestação jurisdicional nesta esfera”. Assim, a magistrada Selma Arruda julga improcedente a ação do MPE.

A sentença foi proferida nesta quinta-feira (16).

* atualizada às 9h27.
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