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WERNER RYDL

Justiça Federal condena bilionário austríaco preso com ouro em Cuiabá

23 Mar 2017 - 09:52

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Reprodução

WERNER RYDL

WERNER RYDL

O juiz da Quinta Vara Federal de Cuiabá, Jefferson Schneider, condenou o bilionário austríaco Werner Rydl a dois anos de detenção pelo crime de usurpação de bens da União, mas a pena será substituída por serviços comunitários e pagamento de multa. A sentença foi proferida no último dia 08.

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Conforme narra a denúncia, Werner Rydl transportou matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal e desacompanhado de título autorizativo, ao ser surpreendido no Aeroporto Internacional Marechal Rondon, no dia 27 de março de 2015, embarcando com uma barra de 640 gramas de ouro em sua bagagem de mão, desacompanhado de qualquer documentação legal. A denúncia foi recebida em 10 de junho de 2015.

É o relatório. Decido:

O magistrado Jefferson Schneider explica na sentença que a conduta criminosa imputada ao acusado está prevista no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.176/91, que diz:

Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena: detenção, de um a cinco anos e multa. § 1° Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.

Ainda, a materialidade do crime resta comprovado por dados e relatórios da polícia, que apontam que as 640 gramas de ouro valeriam  R$ 73.599,75.

Explica o magistrado: "De acordo com o art. 176 da Constituição Federal, o ouro, assim como os demais recursos minerais, pertence à União, razão pela qual sua exploração e comercialização é controlada pelo Estado, exigindo-se documentação pertinente para o seu transporte, conforme disposto na Portaria nº 361, de 10 de setembro de 2014, do Departamento Nacional de Produção Mineral, especialmente em se tratando de ouro utilizado como ativo financeiro".

Acusado reconhece crime:

Em juízo, o acusado reconheceu que "acumulou uma quantidade expressiva de ouro desde que chegou ao Brasil, no começo da década de 1990, tendo adquirido mais de 27 toneladas de ouro. Declarou em audiência, ainda, que comprava ouro de diversas formas, até mesmo de pessoas que vendiam dentes de ouro. No Auto de Prisão em Fragrante disse que comprava desde ouro de sucata de eletrônicos, jóias, até ouro importado, de garimpos, cooperativas, e de mineiros, tendo alegado, contudo, que tudo foi feito de acordo com a Lei".

"Posto isto, condeno o acusado Werner Rydl, qualificado à fl. 02-A, como incurso nas penas do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.176/91", decide o magistrado.

Histórico:  

Especialista em negócios de importação e exportação, ele trava batalhas judiciais contra as autoridades fiscais da Áustria desde o fim da década de 1980, contra as quais declarou um embargo e acusa de beneficiariam um “seleto grupo de cavalheiros”, como diz em seu site pessoal.

Sob a acusação de ter causado um rombo de U$ 4 bilhões ao fisco da Áustria, ele mudou-se para o Brasil no começo da década de 1990, casou-se com uma brasileira e se naturalizou em 1995. Em 2002, em protesto, ele queimou o equivalente a 12 milhões de euros em uma praia do interior Pernambuco, aonde mora. Em 2005 foi preso no aeroporto de Brasília, após a anulação de sua naturalização.

Extraditado para Áustria, voltou a liberdade poucos meses depois porque a maioria de seus crimes haviam prescrito. De volta ao Brasil, no começo desse ano conseguiu sua naturalidade brasileira de volta. 

Trechos da sentença:

No entanto, ao ser questionado se tinha algum documento para comprovar a origem de todo esse ouro, e se possui alguma autorização junto aos órgãos competentes para adquiri-lo, alegou que os documentos se deterioraram com o tempo e que, embora os tenha digitalizado, os CDs que continham esses documentos também se danificaram durante o período em que ficaram apreendidos em razão de outro processo pela Justiça Federal de Pernambuco.

O acusado é pessoa experiente na compra de ouro – tendo adquirido, segundo alega, ao menos 27 mil quilos no Brasil –, o que permite concluir estar familiarizado com a matéria e, por consequência, com as exigências legais para exploração, transporte e comércio desse minério. Portanto, o transporte do ouro pelo acusado, desacompanhado de qualquer documento, não tem justificativa que possa exculpar sua responsabilidade penal. A simples alegação de que possui uma enorme quantidade de ouro declarada em sua Declaração Anual de Imposto de Renda não serve para comprovar a licitude de todo e qualquer ouro com o qual o acusado seja encontrado.

Ademais disso, ganha relevo o fato de que Cuiabá é uma região aurífera, com fácil acesso ao minério, tendo o acusado apresentado respostas contraditórias e inseguras sobre os motivos pelos quais veio a Cuiabá. Perante a autoridade policial (fls. 05/06), disse manter um projeto social no Brasil de compra de ouro dos garimpeiros locais, e que estava indo visitar seu projeto em Itaúba/PA.

Em juízo, disse que veio para esta capital resolver um problema com a Receita Federal que, por algum motivo, não poderia ser resolvido em São Paulo. Quanto ao motivo de estar transportando o ouro, apresentou argumentos vacilantes. Embora tenha dito que a barra possui valor sentimental, asseverou estar acostumado a carregar o ouro porque, como viaja muito, em algumas situações o dinheiro não ajuda, motivo pelo qual usaria o ouro como “troco”. Contudo, esse argumento perde força diante da própria declaração do acusado de que sua subsistência mensal gira entre mil e dois mil dólares, sendo que a barra de ouro apreendida possui valor aproximado de R$73.000,00 (setenta e três mil reais), conforme laudo de fls. 40/45, o equivalente a quase um ano de seus gastos pessoais.

Deveras, seu depoimento apenas corrobora a ilicitude da origem do minério que transportava. Deve ser levado em consideração, também, o fato de que o acusado mantinha o ouro em seu poder com o nítido propósito de utilizá-lo como ativo financeiro. Não o tinha como mercadoria (em formato de jóias, por exemplo), ou como insumo (para produção de outros bens), mas sim para ser utilizado como reserva patrimonial ou como moeda de troca - o que ele próprio confidenciou em juízo -, em razão do seu valor financeiro, alta liquidez e aceitabilidade em qualquer país. Com efeito, o ouro destinado ao uso como ativo financeiro está regulado pelo art. 3º da Lei nº 7.766/1989 e art. 40 da Lei nº 12.844/2013, somente podendo ser comercializado por intermédio de instituições financeiras.

Assim, tendo o réu adquirido o ouro para utilizá-lo como ativo financeiro, a operação de compra, ainda que houvesse sido realizada da forma como alega – isto é, há mais de 20 anos, de garimpeiros locais devidamente autorizados a explorar o minério –, se mostraria ilegal, haja vista que, como pessoa física, somente poderia ter comprado o ouro de instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central.
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