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MPE investiga máfia das nascentes: quadrilha seria ligada a Prefeitura e Legislativo, adianta promotor

26 Mar 2017 - 08:25

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Reprodução

Promotor Gerson Barbosa

Promotor Gerson Barbosa

Em Cuiabá existe uma “quadrilha organizada” formada por pessoas próximas ao Legislativo e ao Executivo municipal voltada à destruição das nascentes de Cuiabá, denuncia o promotor do Núcleo de Defesa do Meio Ambiente Natural e da Ordem Urbanística da Capital Gerson Barbosa, idealizador do projeto “Água para o Futuro”.

A declaração polêmica foi feita durante inauguração das plataformas online do projeto, que já revelou dado alarmante: 117 nascentes da capital já foram detectadas e georeferênciadas e delas, 46% já sofreram intervenções humanas fulminantes: contaminação, aterramento, invasões, desmatamento e construção de edifícios. Entre os casos mais graves, aponta o promotor, estão os detectados na rodoviária de Cuiabá, no bairro Pedra 90, no Parque Massairo Okamura e no condomínio Florais Itália.

A mensagem do projeto ambiental promovido pelo Ministério Público Estadual (MPE) é grave: se nada for feito, em até cinco anos Cuiabá terá sua primeira crise hídrica, semelhante ao que ocorre em São Paulo e Brasília.

Leia mais:
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“Em 30 anos tivemos apenas uma iniciativa do poder executivo municipal, quando o prefeito Mauro Mendes procurou o MPE, o nosso chefe, Paulo, desesperadamente pedindo um apoio, uma força tarefa. A delegacia fez um brilhante trabalho. Não posso falar do que já foi descoberto, sob pena de atrapalhar as investigações, mas temos descoberto coisas interessantes, como funciona essa máfia, essa quadrilha organizada para invadir áreas de preservação permanente, para degradar nascentes. São figurinhas carimbadas. Figuras próximas ao executivo municipal e do legislativo, mas estamos investigando. O mérito é que nossos delegados conseguiram um trabalho de dissecar esse sistema e hoje sabemos como ele funciona”, declarou o promotor durante o evento realizado nesta quarta-feira (22).

O promotor Gerson Barbosa explica a necessidade do projeto “Água Para o Futuro”. “O crescimento desordenado de Cuiabá, sem uma gestão eficiente, estava degradando as nascentes e as áreas de preservação permanente. Temos um sistema superficial de abastecimento, que depende das nascentes, dos córregos, ribeirões e rios, e funciona adequadamente. Descobrimos através de estudo que o sistema está para entrar em colapso por conta das invasões, licenciamentos equivocados e a consequente degradação destas nascentes”. Adiante ele cita os principais casos:

Rodoviária de Cuiabá:

Um caso absurdo é o da nascente do “Córrego do Quarta-Feira”, a poucos quilômetros da rodoviária de Cuiabá. “A água não vem mais. Para quem pensa que uma nascente é pouca coisa, nós salvamos uma nascente do Hospital do Câncer que tinha sido, com autorização do município, aterrada praticamente. Conseguimos salvar. A nascente salva gerava 190 mil litros de água por dia ou 2,2 litros por segundo, para você ter uma ideia o que é perder uma nascente”.

As nascentes do entorno da rodoviária não tiveram a mesma sorte. “O empresário, com autorização da SEMA, que depois foi revogada quanto ela teve acesso à nossa base de dados, aterrou o local para ter mais espaço. Isso, lamentavelmente, não é algo isolado. Ele pegou o curso d´água e desviou para usar o terreno, mas não poderá usar, pois o laudo indica que essa área é imprópria para construção. Isso foi feito com autorização do Estado”, denuncia o promotor.

Pedra 90:

Outro caso que o promotor Gerson Barbosa denuncia o do Bairro Pedra 90. Nos arredores, populares invadem áreas naturais, ocupam e vendem lotes clandestinos. “Eu tenho o maior respeito pela administração pública municipal, mas lamentavelmente ela continua ineficiente. Onde ela estava que não viu isso?”, diz o promotor apontando para as imagens da invasão dos arredores do bairro Pedra 90.

“Eles fazem loteamento clandestino, trocam ou vendem por uma bicicleta. Geralmente o terreno fica em fundo de vale, o que ocorre é que nunca falta água, eles furtam água. Eles são os primeiros a receber e os últimos a ficar sem água. Hoje lá já têm uns 300 barracos”.

Florais Itália:

A destruição de nascentes vai além das diferenças de classes. Semelhante ao Pedra 90, também os ricos promovem a destruição das águas de Cuiabá. O condomínio Florais Itália, que recebe a assinatura da construtora Ginco, é um dos casos citados pelo Promotor.

Durante a apresentação deste caso, o promotor mostra imagens comparativas de 1998 e dos dias de hoje. “O município aprovou o Florais Itália e duas nascentes ficaram dentro do limite condomínio. Engraçado, aí se vende lote, mas o projeto foi como condomínio, que eu saiba condomínio vende casa. Como medida compensatória o município pediu uma via em cima de uma nascente. Tanto é que desta nascente sai uma água límpida deste lado de cá onde tem mais verde (diz mostrando imagens de GPS). Houve um aterramento da nascente e ela, desesperadamente, busca outro lugar para surgir”, explica.

Resume o promotor: “O muro do condomínio, que na verdade deveria ser um loteamento, fechou a nascente e a APP”.

Parque Massairo Okamura:

O Parque  é o exemplo do contraditório, quando as políticas públicas se preocupam apenas com o que podemos ver, ignorando o subterrâneo. Parque estadual localizado na Avenida Historiador Rubens de Mendonça, em Cuiabá, situa-se em área de proteção ambiental. Proteção que por muito tempo valeu apenas para suas árvores, pois as nascentes que constituem a cabeceira do córrego do Barbado estavam contaminadas, denuncia o promotor Gerson Barbosa. “A água da nascente estava contaminada, e veja bem, estamos falando de uma nascente dentro de uma unidade de conservação. A vegetação de 1998 para cá está preservada, lamentavelmente a nascente não, por conta dos efeitos do esgoto, mas já instauramos procedimentos e já retiramos o esgoto, graças a CAB e hoje ela está preservada”.



O Ministério Público Estadual (MPE) possui hoje 25 inquéritos civis instaurados para casos como descritos acima.

A previsão, caso nada seja feito, é alarmante. “Em três ou quatro anos corremos o risco de ficar sem água. Para os mais incrédulos, basta ver a situação de dois grandes centros políticos e financeiros de peso, São Paulo e Brasília, em crise hídrica irreversível. Aqui, como não havia Estado, não havia município cuidando disso, nós chamamos para nós essa tarefa”, afirmou o promotor.

“Eu preciso do poder público, quero fazer um convenio com o município, mas ele também é meu grande réu, infelizmente, por ineficiência, por ausência de fiscalização, gestão dos recursos hídricos e por omissão. Esses loteamentos irregulares geralmente invadem nascem e APP e não há uma resposta à altura do poder público. No hospital central há um muro e a degradação da APP (área de preservação permanente) e da nascente, mas neste caso já firmamos um compromisso com o degradante”.
Ferramentas oferecidas à população:

No website do projeto o cidadão encontrará informações gerais sobre nascentes, sistema de captação de água e abastecimento e terá a chance de participar de um chat de bate papo com a equipe técnica para tirar dúvidas, fazer denúncias e dar sugestões sobre o tema.

Já o aplicativo desenvolvido para smartphone possibilitará ao cidadão enviar imagens ou filmagens de nascentes ao MPE. O material será analisado pela equipe técnica do projeto. Caso a nascente seja homologada no mesmo aplicativo há como acompanhar o monitoramento e o tratamento que está sendo dado a área. É possível também visualizar detalhadamente todas as nascentes catalogadas.

“A partir da confirmação da existência de uma nascente pela equipe técnica, são programados voos períodicos, no local exato onde foi identificada a nascente, com utilização de drone que registrará em alta definição a situação da fonte de água demonstrando com clareza os fatores de degradação e possibilitando o monitoramento”, informou o promotor Gerson Barbosa.
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