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NADA DE NOVO PARA ELE

Fraude do VLT revelada pela 'Descarrilho' foi denunciada por Eder há 3 anos, mas PF a descartou

10 Ago 2017 - 11:50

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

EDER JÁ SABIA DE BOA PARTE DO ESQUEMA

EDER JÁ SABIA DE BOA PARTE DO ESQUEMA

Informações entregues à Polícia Federal pelo ex-secretário Extraordinário da Copa do Mundo Eder de Moraes Dias há cerca de quatro anos convergem com o que é revelado pelo Núcleo de Inteligência da Polícia Federal, pela “Operação Descarrilho”, deflagrada nesta quarta-feira (09). A própria PF, entretanto, descartou e tratou como inverdades as confissões de Eder, que já naquela época revelava, com certa riqueza de detalhes, a corrupção deslavada que ocorrida no projeto Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT).

Se fossem levadas em consideração, ainda em fevereiro de 2014, as denúncias teriam levado a PF a descobrir as dívidas com o Banco Rural, a propina de 3% escondida em conta na Europa, as viagens à Curitiba para tratar dos acordos espúrios, as tratativas do Ferconsult e os supostos interesses escusos do lobista Rowles Magalhães. Buscas e apreensões teriam encontrado provas do crime ainda “frescas” e intactas. Poderia, além disso, ter evitado enorme gasto de dinheiro, suspendendo a autorização dada pelo governador para a executar a lamentável compra dos vagões, que hoje apodrecem à espera da retomada das obras.

Leia mais:
Silval e Maurício Guimarães acertaram propina de R$ 18 milhões em compra de vagões do VLT


Olhando hoje, as mensagens deixadas por Eder Moraes nos dias 16 de dezembro de 2013; 23 de dezembro de 2013; 08 de janeiro de 2014 e 10 de fevereiro de 2014, parecem previsão do futuro. Quase tudo “bate” com o que hoje consta do inquérito da PF. Confira abaixo alguns tópicos:

I.

Às vésperas da Copa do Mundo de 2014, Eder Moraes escreve ao PF sobre uma “dívida com o Banco Rural cujas garantias estão corrompidas, ou seja, não existem de acordo com o contrato original”. Explica: o terreno oferecido como garantia seria falso, valia menos que R$ 4 milhões, mas fora inserido ao contrato como se avaliado em R$ 35 milhões. Eder avisa: “pretendem dar o tombo/prejuízo ao Banco Rural” e acrescenta. “Esta operação é fria – origina-se das dividas no Banco Bic em nome de: Construtora Guaxe – EBC Contrutora - Todeschini Construtora – Constil Construtora – Trimec Construtora”.

O que hoje, três anos e meio depois, o Núcleo de Inteligência da PF traz não difere muito. Revela dívida contraída perante o Banco Rural, em 2012, no valor de R$ 29,5 milhões, por intermédio da empresa Todeschini Contruções e Terraplanagem Ltda, representada por João Carlos Simoni, tendo como avalistas, além de João Carlos Simoni, Wanderley Facheti Torres e sua empresa, a Trimec Construções e Terraplanagem Ltda.

Seria precisamente esta dívida com o banco que teria “forçado” o início das tratativas para arrecadação de propina no projeto VLT. “A propina negociada por Silval Barbosa e Maurício Guimarães com os representantes do Consórcio VLT tinha como objetivo suprir João Carlos Simoni de recursos para pagar a dívida contraída perante o Banco Rural”, afirma a PF.



II.

Parágrafo seguinte da mesma mensagem, de 10 de fevereiro de 2014, Eder Moraes revela aos investigadores: “na Espanha está depositado 15 milhões de Euros de propina do VLT – eles estão tentando de todas as formas internalizar estes recursos – ou fazer operação com lastro nisso, enfim estão fazendo engenharia financeira para esquentar essa grana”, em seguida cita Silval Barbosa, Pedro Jamil Nadaf, o procurador aposentado Francisco Gomes de Andrade Lima Filho (“Chico Lima”) e Wanderley Facheti Torres, da Trimec Construções.

Sobre a origem do dinheiro, Eder esclarece. “Se trata especificamente de propina dos vagões do VLT, ou seja, do fornecedor dos vagões do VLT e do Consórcio VLT”.

Em 2017, a PF denuncia: Silval Barbosa e o ex-secretário Maurício Guimarães teriam acertado propina de R$ 18 milhões nas compras do material rodante (veículos, trilhos e sistemas operacionais) do VLT. O valor a ser pago seria honrado pela empresa espanhola CAF, o que acabou não ocorrendo.

Sobre dinheiro na Europa, a informação fora confirmada também pelo ex-chefe da Casa Civil Pedro Jamil Nadaf, que ao MPE afirmou que “por ocasião de viagem que ele (Pedro Nadaf) faria à Suíça — no mesmo contexto de outras que fez na condição de ‘membro delegado representante da Confederação Nacional do Comércio’, — Silval Barbosa ‘perguntou ao Declarante se tinha conhecimento como funcionava os sistema financeiro na Suíça, pois ele — Silval afirmou que tinha para receber, somente de sua parte, cerca de EU 8.000.000,00 (oito) milhões de Euros oriundo de propinas da empresa espalhola CAF, responsável pela venda dos vagões do VLT ao governo".
 
Hoje, Silval nega que o valor acertado tenha sido de 8 milhões de Euros, mas admite o acerto com a CAF, que fora reforçado em encontro posterior com o presidente da CAF Brasil, Renato de Souza Meireles e o diretor geral da empresa, Agenor Marinho Contente Filho.

Porém, o pagamento demorou a ser feito, o que levou a cobranças por parte de Silval Barbosa e Maurício Guimarães. Várias reuniões com os representantes da empresa foram realizadas em Cuiabá, Brasília e São Paulo para tratar do pagamento dos retornos, que acabou não acontecendo.

Sobre as viagens, Eder Moraes já vinha avisando. “Maurício Guimarães também participou dessas negociações em Brasília. A cidade onde tudo era negociado era Brasília, Curitiba e São Paulo”.

Sobre a tentativa de internalizar os milhões escondidos na Europa, Eder Moraes explica que o objetivo era realizar a operação financeira para cambiar o dinheiro com a factoring de Valdir Piran (hoje réu da Operação Sodoma). A Piran Factoring, por motivos desconhecidos, “não aceitou fazê-la. Não sei se já conseguiram em SP ou por outros mecanismos...”.

Hoje, revelam as investigações que em todas as reuniões com Silval Barbosa e os demais membros do esquema, os diretores disseram que estavam buscando meios para realizar o pagamento e que, inclusive, estariam adquirindo precatórios no Estado ou cidade de São Paulo com os quais pagariam a propina. Porém, nenhum valor chegou a ser pago, conforme o depoimento de Silval Barbosa.

III.

Sobre a participação da empresa Ferconsult e do lobista Rowles Magalhães, narra a PF que antes de assumir o Estado, no ano de 2010, havia sido definido o BRT (Bus Rapid Transit, Transporte Rápido por Ônibus) como o modal dos Municípios de Cuiabá e Várzea Grande para a Copa do Mundo de 2014.

Entretanto, algo fez com que Silval e a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) mudassem de ideia. Em maio de 2011, em Portugal, autoridades mato-grossenses se reuniram com a empresa Ferconsult, especialista em projetos de transportes públicos.

Na comitiva, estava lobista Rowles Magalhães, representante do fundo Infinity. Peça chave na trama, a Infinity seria a responsável por “doar” ao Governo do Estado um pré-projeto de implantação de VLT, avaliado em R$ 14 milhões.

O “pré-projeto” era algo mais que mera “doação” e revelaria interesses escusos: Rowles Magalhães e a Ferconsult almejavam lucrar com a mudança do modal, mediante proposta de uma parceria público-privada (PPP).

O PPP acabou não ocorrendo. Silval justifica, hoje, que não daria tempo, naquelas alturas, de realizar todas as fases previstas em parceria desta natureza. Justificativa que não agradou a Ferconsult, conforme narra Eder Moraes, em 08 de janeiro de 2014.

“Estão muito chateados com o governador porque fizeram tudo e foram descartados depois sem nenhuma justificativa”.



Como é público e notório, a CAF Brasil sagrou-se campeã da licitação para composição do Consórcio VLT e fornecimento dos vagões. Rowles insistia em sua participação no projeto VLT.

“Todas as negociações foram inicialmente conduzidas pelo Sr. Rowles Magalhães (contato dos portugueses e espanhóis nestes processos aqui em Cuiabá)”, afirma Eder, na mesma mensagem.

Todavia, como hoje se sabe bem, o desfecho desta relação não foi nada positivo para a organização criminosa. Os investigadores apresentam a hipótese: Rowles tentava auferir vantagem das obras do VLT, realizando tratativas com empresas e pressionando para receber propina (chamado de "retorno") no montante de R$ 5 milhões.

Conforme hoje Silval confessa, Rowles estava frustrado e “começou a fazer denúncias à imprensa sobre fraudes na licitação no VLT e pagamento de propina”, enfim, não parava de “importunar”.

Eder, já naquela explica, informava o motivo do brusco rompimento. “Rowles foi descartado pelo governador Silval, que foi sozinho negociar com os espanhóis”.

O ex-secretário prossegue em seu relato. “Silval tinha pedido para Rowles negociar a data da reunião para pedir a propina e o Rowles marcou para uma terça-feira, no entanto após marcar o próprio Silval junto com Pedro Nadaf, Chico Lima, Toninho Barbosa (que depois foi concluir a negociação em Curitiba), anteciparam a reunião para uma segunda-feira sem avisar o Rowles, que descobriu a trama para sacaneá-lo e discutiu feio com o governador, o governador reuniu-se escondido com a CAF na segunda-feira e fez uma reunião de faz de contas na terça com a presença do Rowles”.

IV.

Um pequeno destaque para a informação dada por Eder, à época, de que parte das reuniões para negociação do esquema se dava em Curitiba. Ela bate precisamente com a denuncia do PF, pela “Operação Descarrilho” de que Silval Barbosa teria feito viagens pela Abelha Táxi Aéreo para Curitiba, no Paraná, para tratar de propinas.

Silval, conforme a PF, “foi até a cidade de Curitiba/PR, juntamente com Maurício Guimarães, em avião da empresa Abelha Taxi Aéreo, que prestava serviço para o Estado, onde se reuniram em um restaurante em Curitiba com Marco Antonio Cassou, diretor do Conselho Administrativo e Arnaldo Manoel Antunes, ambos da CR Almeida”.

V.

Um apelo de Eder Moraes, no email de 08 de janeiro de 2014, dá conta da chance que os investigadores tiveram de evitar a lama do escândalo VLT e do quanto a operação pode ter perdido, em termos de informação e provas criminais, nos últimos três ou quatro anos. “Rowles tem tudo isso documentado... no Whatsapp dele...”. 

VI. A conta usada:



Boa parte do que hoje supomos saber com a deflagração da “Operação Descarrilho” já constava dos emails de José Ribamar, trocados entre 2013 e 2014. Quem é José Ribamar? Alter Ego de Eder Moraes. A conta foi aberta para que ele cedesse informações sigilosas à Polícia Federal. O uso da conta era compartilhado. 

O email usado era joseribamar1984@gmail.com, mas da conta, nenhuma mensagem entrava ou saia. O objetivo era usar outro recurso disponível nela, o “rascunho”, quando a mensagem é salva, mas não enviada. Partilhada com a Polícia Federal, a conta guardava todas as informações que Eder Moraes desejava revelar às investigações, que em 2013 já corriam no Ministério Público Estadual (MPE) e na esfera Federal.

A inspiração para este procedimento é curiosa:  o 11 de Setembro de 2001. O método era usado pela Al Qaeda, de Osama Bin Laden, para trocar mensagens sem risco de interceptação americana.

Operação Descarilho:

As obras do VLT, em vias de serem retomadas com a proximidade de acordo entre Consórcio e Governo, voltaram às páginas policiais na manhã desta quarta-feira (9), com a operação Descarrilho, deflagrada pela Polícia Federal, na qual são apuradas possíveis irregularidades na escolha do modal para operar na região metropolitana de Cuiabá. Entre os alvos da operação está o ex-secretário da Secopa Maurício Guimarães, conduzido coercitivamente.

A ação apura os crimes de fraude a procedimento licitatório, associação criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato e lavagem de capitais, em tese ocorridos durante a escolha do modal VLT e sua execução na Capital de Mato Grosso.

Foram cumpridos 18 mandados de busca e apreensão, sendo 10 em Cuiabá (MT), um em Várzea Grande (MT), um em Belo Horizonte (MG), um no Rio de Janeiro (RJ), um em Petrópolis (RJ), dois em São Paulo (SP) e dois em Curitiba (PR). 
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