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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Claudivan Geraldo dos Santos: uma vítima da prisão provisória

Foto: Reprodução

Claudivan Geraldo dos Santos

Claudivan Geraldo dos Santos

É o crack. O guri sem pai. O rapaz empurrado pro canto. Revolver, um instrumento prático. Depressão periférica. O menino passando vontade aprende a roubar para viver... E a razão do mundo insiste em querer saber o que faz um jovem cometer crimes aos 24 anos.

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A pergunta faz parte de uma equação sem resposta exata, mas que acabou reduzida a cadeia. Prisão: o denominador comum de uma sociedade desarranjada e acéfala perante os mais vulneráveis. 

“Estou ouvindo vozes que eu não tinha antes. É porque eu apanhei da polícia. Mas a noite eles falam que eu matei e agora vão incomodar. Fico muito ansioso, com medo, acordo os outros, para acabar com o medo”.

Claudivan Geraldo dos Santos, 27 anos, pai de um menino de 8 anos, é mais um dos 5 mil presos provisórios nas celas de Mato Grosso. Homem comum na desigualdade brasileira. Sofrendo com 3 detenções sem julgamento na Oitava Vara Criminal de Cuiabá, o suposto criminoso desenvolveu na Penitenciária Central do Estado um quadro de psicose e está prestes a completar 3 anos de cadeia.

Nascido em Cuiabá, o detento é o segundo entre cinco filhos. Claudivan estudou até a quinta série do ensino fundamental e interrompeu os estudos após a primeira reprovação. A primeira vez que cometeu um crime foi aos 11 anos de idade, quando invadiu uma casa do bairro onde morava para roubar. Abafado pela desordem, começou a usar maconha também aos 11 anos. Quando mais velho, aos 14, experimentou a cocaína. Sob os efeitos da droga, comprou sua primeira arma. Aos 16, pasta-base de cocaína. Envolto num quadro social perturbador, os únicos empregos de Claudivan foram de servente de pedreiro e auxiliar numa fábrica de calçados.

Detido desde setembro de 2014, os processos contra Claudivan versam sobre o crime descrito no artigo 157 do código penal brasileiro: “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”.

Após apresentar alterações de comportamento, no dia 3 de novembro de 2014, já na condição de preso preventivo, foi requerido um exame para determinar o quadro mental de Claudivan.

“Estou preso há um ano e pouco, eu cheguei a sair do Carumbé e caí de novo. Eu roubei porque estava quebrado. Não tinha medo de ir preso porque já tinha sido preso antes. Eu já tinha ficado na fazendinha quando era menor. Eu fiz vários roubos, foi tudo eu, entrava em casa ou na rua mesmo. Eu estou tomando remédio. Um amarelo e um branco, não sei o nome, mas me dá sono e não tem onde dormir. Eu comecei a tomar remédio faz tempo mas não sei por que”, declarou o réu durante entrevista preliminar à confecção do laudo médico, em 2015. O exame foi finalizado apenas no dia 4 de fevereiro de 2016.

No dia 17 de março de 2016, a magistrada Maria Rosi de Meira Borba, responsável pela Oitava Vara Criminal, baseada nos exames finalmente apresentados, homologou o Incidente de Insanidade, mas considerando-o imputável, suspendendo as ações penais em curso até o restabelecimento do acusado.    

Para tanto, foi considerado Art. 152 do Código Processo Penal: “Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça”.

Conforme laudo médico, Claudivan desenvolveu alterações no comportamento como embotamento afetivo, mutismo, alucinações auditivas, risos emotivos e insônia. “O que estou sentido agora é porque apanhei na cabeça”.

Segundo descrito, os problemas foram adquiridos em momento posterior ao cometimento dos crimes. O quadro também foi desenvolvido após o ato de prisão, ou seja, enquanto Claudivan estava privado de sua liberdade, na Penitenciária Central do Estado.

“Não há qualquer histórico de doença mental prévia, todos os sintomas iniciaram já no período do cárcere, configurando Superveniência de Doença Mental, com o diagnóstico atual de Psicose não orgânica não especificada, quadro que pode ser transitório ou definitivo”, afirma o laudo.

Ainda conforme o processo, mesmo com todos os problemas estruturais, o tratamento está sendo estabelecido pelo próprio sistema prisional. As condições não são as recomendadas. Mas Maria Rosi, ao decidir sobre a internação, fez considerações. Para a juíza, se posto em liberdade ou em prisão domiciliar, Claudivam voltaria a delinqüir.

O réu, assistido pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, recorreu por vários meios tentando obter o direito de aguardar julgamento em liberdade. Decisões foram negadas no Poder Judiciário estadual e no Superior Tribunal de Justiça. Em Brasília, o ministro Jorge  Mussi foi o responsável pela negativa, no dia 31 de maio de 2017.
                                                        
Encruzilhada



Claudivan é considerado perigoso e precisa ser mantido preso para que a ordem pública não sofra alterações. Assim decidiu a Justiça.  Mas a própria juíza que cuida do caso reconhece falhas. Somente para que o diagnóstico sobre o quadro mental desarranjado do detento fosse confeccionado, quase 2 anos se passaram.

“Está muito difícil, para mim, como pessoa, para mim, como magistrada. Tem sido difícil. É um caso que tem angustiado a gente do gabinete. O princípio da legalidade está formalizado, só que a gente também se preocupa. Eu também quero uma definição. Eu não gosto disso. Eu não conheço lá, o sistema. Não sei como é que se desenvolve esse tratamento. Mas eu não acredito que seja grande coisa. Até porque em lugar nenhum é. Imagina dentro de um presídio”, esclarece a magistrada.

Ela está ciente dos fatos. “O ideal seria que nós tivéssemos todos os médicos lá, e em 30 dias se fizesse a perícia. Mas o sistema [penitenciário], nós sabemos o que é. Onde você tem que colocar 800 [presos] tem 2000. Essa é a nossa realidade”, afirma Maria Rosi.

Superlotação. Um contexto repressivo, sem higiene, segurança e salubridade. As prisões provisórias em Mato Grosso são uma verdadeira máquina de matar  direitos. Os agentes públicos, sabedores do estado crítico, acabam se tornando vítimas: lados oposto sofrendo pelo mesmo sistema carcerário estruturalmente falido.

“Quando eu mando uma pessoa para o sistema carcerário, eu não tenho a menor ilusão que ele vai se recuperar. Eu faço uma escolha. É a sociedade e o preso. Eu preservo a sociedade nesse momento porque eu sei que eu vou colocar em risco a sociedade. A questão do Claudivan é basicamente isso. Eu sei que em liberdade eu coloco toda a sociedade em risco”, finaliza a juíza.
 
“Prisão perpétua”



“Qualquer pessoa, sã ou não, presa há três anos sem saber qual é a pena, sem saber que dia ele vai sair, qualquer pessoa enlouquece”. A afirmação é da defensora pública Simone Campos da Silva, responsável por defender judicialmente Claudivan.

O argumento de Simoni é que a prisão é ilegal por dois motivos. “O primeiro deles é o tempo de prisão. Ele está preso em três processos. Daqui a pouco ele está completando 3 anos de prisão provisória. Não cabe aqui falar em medida de segurança porque não existe uma sentença penal condenatória transitado em julgado. Então ele já está preso provisoriamente há 3 anos”.

Para a defensora, o segundo motivo é ainda mais grave. “A segunda ilegalidade é a internação compulsória. A internação compulsória é a última coisa que deve ser buscada. No caso, nem eu como defensora, nem a magistrada, nem o representante do Ministério Público tem condições técnicas de dizer sobre a necessidade de internação compulsória. Quem vai nos dizer é o médico perito. Ele foi submetido a uma perícia, submetido a uma reavaliação depois de um ano. E o médico perito disse que no caso dele cabe o tratamento ambulatorial”, salienta.

Constantemente podada pelo judiciário, Simoni afirma que continuará lutando pela liberdade de Claudivan, não importando se a arma a ser usada seja a repetição até o alcançar o cansaço. “É uma prisão perpétua. E se ele nunca conseguir se restabelecer dessa doença? O Judiciário vai manter ele preso eternamente, contrariando a Constituição? Ele é um preso provisório. Se quer, existe uma sentença penal dizendo que ele é culpado”, finaliza.
 
Sejudh
 
A Secretaria de Justiça, responsável pala administração do Sistema Penitenciário estadual, afirma que possui uma unidade de saúde dentro da estrutura da Penitenciária Central do Estado, destinada a abrigar pacientes em cumprimento de medida de segurança, ou seja, presos que foram diagnosticados com transtornos mentais.

A Unidade 2, como é chamada, funciona em parceria entre a Sejudh e a Secretaria de Estado de Saúde e possui, segundo informado, um quadro de profissionais qualificados que atendem os pacientes ali internados, todos eles diagnosticados com alguma problema de saúde mental.

São médicos (clínico geral e psiquiatra), assistente social, psicólogo, enfermeiros, técnicos de enfermagem e terapeuta ocupacional. O atendimento de saúde é realizado pelos profissionais e a parte de segurança é feita pelos agentes penitenciários da PCE.

No local os pacientes recebem tratamento medicamentoso e terapias ocupacionais.

“Esclarecemos que o paciente em questão está sob tratamento medicamentoso no momento e relatórios sobre seu tratamento são informados à justiça. Conforme decisão judicial de 2016, os processos contra o mesmo encontram-se suspensos. O mesmo foi considerado imputável, ou seja, possui capacidade para entender o que cometeu ilicitamente”, afirma a Sejudh.
 
O fim

Não existe previsão de data para que a prisão preventiva de Claudivan seja revertida. O momento para que os crimes supostamente cometidos sejam julgados também segue como parte de uma incógnita.

Em milhares de casos como o de Claudivan o encarceramento tomou o lugar da Justiça.
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